Esta sexta-feira (20), 78 estudantes de Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) vão partir do Porto para 12 municípios no Norte e Centro do país com a missão de realizar rastreios gratuitos e outras ações de promoção da saúde junto das populações.

O JPN esteve à conversa com três dos estudantes, que falaram das suas experiências anteriores e da importância de levar estas iniciativas ao interior do país.

Uma experiência “gratificante”

É a segunda vez que Helena Moreira, aluna do quarto ano, participa no “MedOnTour – Medicina na Periferia”, promovido pela Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) e pela Associação de Estudantes do ICBAS (AEICBAS).

No ano passado, Helena foi destacada para o Mogadouro, distrito de Bragança. A estudante diz que “não sabia muito bem o que esperar”, mas que as expectativas eram elevadas. No final de três dias de trabalho árduo, ficaram a experiência e as memórias.

“Foi muito gratificante, acabamos por nos aproximar de populações que no dia a dia não têm acesso tão fácil como nós aos cuidados de saúde e pudemos alertá-las para alguns fatores de risco que podem prejudicar a sua saúde”, conta Helena Moreira.

“Adorei. As pessoas receberam-nos super bem. Eu sou do Porto e nunca tinha ido a Mogadouro, por isso foi também uma oportunidade para conhecer o interior do nosso país”, diz a aluna de Medicina.

Campanha ajuda a diminuir fatores de risco nas populações

Este ano, Helena vai com o colega Manuel Veloso para Mesão Frio, Vila Real. Manuel conta que foram as histórias que os colegas que, como Helena, já participaram que o motivaram a inscrever-se na iniciativa, que considera bastante importante.

“Para além de querermos ganhar um pouco de experiência, temos que ter a noção que, ao fazermos estas campanhas de prevenção, vamos diminuir os fatores de risco que podem desencadear doenças”, afirma o estudante.

Também vai ser a estreia de Rita Araújo no projeto, e a estudante parte já com uma responsabilidade acrescida. Rita está à frente da organização do MedOnTour, por pertencer à AEICBAS, e confessa-se “desejosa” para que chegue o grande dia.

“Desde outubro que começamos a contactar as Câmaras para saber se estavam interessadas em participar. Todos estes meses de telefonemas vão valer a pena, agora”, admite a estudante.

Rita Araújo conta que os municípios receberam bastante bem a proposta de integrarem o projeto e que há casos de localidades que participam na iniciativa há cinco anos, como é o caso de Mesão Frio.

Esta é já a 14ª edição do “MedOnTour – Medicina na Periferia”. As faculdades participantes são apoiadas pela ANEM mas, em alguns casos, o alojamento e alimentação ficam a cargo das Câmaras Municipais. Ao mesmo tempo, as faculdades de Medicina do Porto e Lisboa já foram organizando as suas próprias iniciativas dentro do género.

Aposta na prevenção é a prioridade

Na sexta-feira quando for para Mesão Frio, Manuel Veloso vai estar perto de casa. Manuel Veloso é de Resende e Rita Araújo de Arcos de Valdevez. Os dois estudantes conhecem de perto a realidade de quem vive longe dos centros urbanos.

“Lá os cuidados de saúde são os mínimos e muita gente da minha terra é reencaminhada para o Hospital de Santo António, por exemplo”, conta Manuel Veloso.

Para os estudantes, o mais importante do Medicina na Periferia é a aposta na prevenção. “Estas pessoas moram muito distantes dos principais hospitais do país e, muita vezes, a única coisa que podemos tentar fazer é tentar minimizar os riscos que estas pessoas estão a correr”, concorda Helena Moreira.

Medir a tensão arterial e a glicemia ou calcular o índice de massa corporal são algumas das tarefas que os futuros médicos vão desenvolver como forma de prevenir a hipertensão arterial, a diabetes e a obesidade.

“Em Portugal, as doenças cardiovasculares são muito prevalecentes e vamos tentar focar-nos nisso e sensibilizar as pessoas para terem um estilo de vida melhor”, acrescenta Helena Moreira.

“Às pessoas que já sofrem dessas doenças, vamos dar conselhos para alterarem o estilo de vida, mudar dietas, deixar de consumir tanto sal e controlar os açúcares”, explica Manuel.

“Como as pessoas estão isoladas, por vezes a informação não lhes chega e é isso que nós lhes queremos levar: informação de como devem fazer, de como devem tratar essas doenças e reencaminha-las para as entidades competentes”, conclui o estudante de Resende.

“As pessoas das freguesias que estão mais próximas do Parque Natural da Peneda-Gerês demoram quase duas horas a chegar a Arcos de Valdevez. De lá a Braga, onde fica o hospital de referência mais próximo, é mais de uma hora. São três horas. Quanto mais conseguirmos apostar na prevenção melhor, para evitar essas emergências”, esclarece Rita.

Estudantes vão dar aulas de educação sexual

Além dos rastreios e da prevenção, os estudantes vão ainda lecionar aulas de educação sexual em quatro escolas dos 12 municípios selecionados.

“Se já no Porto sentimos que nas escolas secundárias e no ensino básico não se prepara muito bem os alunos, na periferia acredito que falem muito menos à vontade e que ainda seja muito tabu”, pensa Rita Araújo.

Os estudantes do ICBAS têm preparadas sessões de informação sobre o VIH e métodos contracetivos e pretendem ainda abordar temas que consideram relevantes, como o consentimento nas relações sexuais e afetivas, a valorização do corpo e a identidade de género.

Os alunos dos 7º, 8º e 9º ano das escolas vão também poder deixar dúvidas anónimas a que os futuros médicos vão responder no final das sessões. Rita acredita que a proximidade etária “pode fazer com que [os alunos] se sintam mais à vontade”.

A “Medicina na Periferia” também vai levar o Hospital dos Pequeninos às localidades contempladas, onde os estudantes farão consultas médicas aos bonecos e peluches de crianças com idades entre os três e os seis anos, de forma a mostrar que não há que ter medo das batas brancas.

Exercer no interior do país: sim ou não?

A saúde em Portugal debate-se com um dilema: há médicos em falta ou a mais? Por um lado, temos médicos a abandonarem o país, resultado de um excesso de licenciados que não conseguem obter uma vaga de especialidade. Por outro, existem regiões como o Alentejo, Cova da Beira, Castelo Branco, Guarda, Oeste, Tâmega e Sousa e Algarve onde é preciso recorrer a médicos estrangeiros para satisfazer a procura e preencher as vagas dos hospitais e dos centros de saúde.

Para Helena Moreira, não há falta de médicos; eles estão, na verdade, mal distribuídos. “O que acontece é que há muitos [médicos] que não querem trabalhar no interior, porque não lhes proporcionam as melhores condições para o fazerem”, acrescenta a estudante.

Daqui a um ano, Rita, Manuel e Helena estão a um passo de poderem exercer Medicina. Os três colegas concordam que devem ser tomadas um conjunto de medidas que tornem o interior do país atrativos “não só para os profissionais de saúde, assim como para todas as profissões”.

Helena cresceu no Porto mas não diz não a ir trabalhar para o interior. “Não seria a minha primeira opção mas em termos de estilo de vida até acho que acaba por ser muito mais benéfico, fazer uma pausa de toda a azáfama da cidade”, crê a estudante.

Manuel e Rita deixam também a opção em aberto, apesar de preferirem “trabalhar num centro urbano” ou “numa especialidade que não há tanto a nível local ou nos cuidados primários”.

O MedOnTour vai percorrer  12 localidades: Arcos de Valdevez, Cinfães, Freixo de Espada à Cinta, Vila Boa de Quires e Maureles, Lousada, Mesão Frio, Ribeira de Pena, Vila Nova de Cerveira, Vimioso, Alijó, Murça e Mogadouro.

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro