Licenciado em Engenharia Química pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) em 1973 e doutorado pela Universidade do País de Gales, em 1982, Sebastião Feyo de Azevedo é  já uma cara conhecida na Reitoria da Universidade do Porto.

Eleito Reitor da UP em 2014, após quatro anos como diretor da FEUP, o portuense volta a recandidatar-se para mais um mandato de quatro anos.

Ao JPN, Sebastião Feyo de Azevedo conta que quer “ser útil” e que tem “vontade de ajudar as grandes instituições públicas a serem de grande qualidade”.

Nota da Redação

Esta é uma de três entrevistas aos candidatos ao cargo de Reitor da UP que o JPN publica ao longo desta segunda-feira, véspera do dia em que o Conselho Geral vai ouvir o que propõe cada um deles. A eleição está marcada para sexta-feira (27).

Leia também a entrevista a
António Sousa Pereira e Peter J. Godman

De Xosé Rosales Sequeiros aguardamos ainda uma resposta definitiva.

A transformação digital dos métodos académicos, através da “inovação pedagógica”, é uma das grandes prioridades do recandidato ao lugar de reitor da UP.

Questionado sobre o mandato 2014-2018, Sebastião Feyo de Azevedo considera que cumpriu a maior parte do que tinha proposto, sendo que, num plano quadrienal com 179 pontos, aos quais foram acrescentados 25 pontos ao longo do mandato, “só houve três ou quatro pontos que não foi possível concretizar”.

Qual é a motivação por detrás da sua recandidatura a Reitor da Universidade do Porto?
A motivação é muito simples: tenho 44 anos de dedicação plena à causa pública e penso que é uma causa muito nobre. Tenho gosto em ter a ilusão de que sou útil à sociedade. Penso que sou, mas os outros é que podem dizer se sou ou não. Gosto de concorrer a lugares em que possa ser útil e tenho feito isso ao longo da vida.

Nomeadamente ser útil para o futuro do país, que são os estudantes?
Claro, claro. O futuro do país é o país. Os estudantes são o futuro do país, mas o futuro do país é o país, porque o futuro é hoje também. Tenho vontade de ajudar as grandes instituições públicas, no caso da universidade, é evidente, a serem boas, a serem de grande qualidade.

Quais são as suas prioridades caso seja eleito para mais quatro anos?
Vamos falar a dois níveis. Uma instituição como a Universidade do Porto não tem uma prioridade só. É impossível ter uma prioridade só.

Nós vivemos num mundo global, é um chavão que é uma realidade. Eu sou muito internacionalista, há muitos anos que trabalho intensamente a nível internacional. Penso que a melhor forma de subir o país é desenvolver a nossa instituição com critérios de qualidade internacionais, critérios de qualidade europeus.

Neste momento, há um grande desafio europeu a que a Universidade do Porto tem de estar à altura, que é a construção daquilo que se chamam “redes de universidades europeias”. Eu pretendo que a Universidade do Porto esteja ao nível das grandes universidades europeias para poder ser competitiva e poder pertencer a estas redes. Ela está, mas tem de estar melhor um bocadinho.

Isso significa que nós temos que abraçar uma coisa que, atualmente, as grandes universidades estão a fazer, que é aquilo que nós chamamos de transformação digital da universidade. Chamando a atenção para o facto da transformação digital ser um instrumento e não um objetivo em si mesmo. Mas é um instrumento que nos é absolutamente essencial para que a universidade desenvolva de forma eficiente e com qualidade a sua missão. A sua missão é, naturalmente, a educação, a investigação, hoje em dia, a inovação e sempre tendo como pano de fundo a dimensão social.

Quando falamos de transformação digital, estamos a falar concretamente de quê?
Estamos a falar a vários níveis e, curiosamente, o menos avançado seria o mais interessante. Estamos a falar a nível de métodos. Essencialmente, métodos. Se formos olhar para o que se está a passar, eu vejo que, na investigação, os investigadores estão a absorver muito bem esta evolução e estão a adaptar-se aos novos meios que existem para o desenvolvimento.

Vejo que a administração está a fazer isso, isto é, os métodos administrativos estão-se a desenvolver muito, usando estes instrumentos. Vejo que a inovação está a desenvolver-se muito.

A parte académica nem tanto. A grande transformação digital na componente académica tem a ver com a necessária inovação pedagógica com a capacidade dos professores adaptarem os seus conhecimentos, que são muitos e que são a questão fundamental, aos tempos, aos meios, à motivação dos estudantes. Os professores têm de perceber: se querem captar atenção destes jovens, têm de usar outras metodologias. Isso exige uma transformação digital, uma preparação dos seus dossiês, exige todo um conjunto de atividades que antes não eram necessárias.

Salvo erro, a Universidade do Porto já é uma das universidades que recebe mais estudantes estrangeiros. Dos 32 mil alunos inscritos, 4.500 (14%) são estrangeiros. Há condições para acolher mais ainda?
Claramente. Desses 4.500, dois mil são estudantes de grau e 2.500 são estudantes de mobilidade que vêm seis meses, um ano, enfim, em limite. Eu gostaria de ter muitos mais estudantes de grau na Universidade do Porto. Isso implica a tal transformação digital. Essa transformação tem a ver com os métodos dos professores, mas tem a ver também com a oferta de formação. Oferta dual, aquilo que eu chamo oferta on campus e online, que permita atrair mais estudantes.

Ou seja, a Universidade do Porto, através dessa internacionalização, da forma como se expõe lá fora, tem o objetivo de se tornar mais atrativa e mais competitiva para atrair mais estudantes estrangeiros
Exatamente.

E os que recebe? Recebe-os bem?
Nós nunca devemos falar em causa própria. Estar a elogiarmo-nos a nós próprios é um bocadinho… eu não tenho muito jeito para isso. Mas eu acho que sim. Acho que temos uma equipa internacional muito boa e já temos, neste momento, uma estrutura.

Os estudantes chegam e são direcionados, no bom sentido do termo, nomeadamente para a parte dos alojamentos, porque depois eles já são tantos que, em meia dúzia de dias, já estão completamente enquadrados com outros colegas.

Quem é que trata desse processo de integração quando eles chegam?
É o serviço de Relações Internacionais.

O JPN falou com alguns deles que dizem que o processo de integração, ao inicio, é feito muito mais pela Erasmus Student Network (ESN) e não tanto pela parte da Reitoria…
A informação que eu tenho é que nós temos aqui um serviço de Relações Internacionais que providencia um acolhimento muito interessante.

A propósito da internacionalização, o que é que se tem vindo a fazer para promover a Universidade do Porto lá fora?
Nós somos muito ativos. Somos uma das grandes universidades europeias em atividade do quadro dos programas ERASMUS.

Nós recebemos em 2016 o prémio europeu de Excelência na Inovação na Internacionalização da Sociedade Europeia da Inovação na Internacionalização. A professora Fátima Marinho foi a Liverpool receber esse prémio, que é uma prova do reconhecimento da nossa grande dinâmica nas Relações Internacionais.

O nosso serviço de Relações Internacionais é conhecido em todo o mundo. A doutora Bárbara Costa e outros são conhecidos em todo o mundo como um serviço de grande qualidade. Vão dar conferências a vários sítios. A professora Fátima Marinho tem tido uma grande atividade internacional.

E também devo dizer que eu também tenho. Tenho estado constantemente em ações internacionais. No último mês, fui quatro vezes ao estrangeiro. Não é sempre assim, mas ainda ontem vim de fora de uma conferência convidada. Há três semanas estive em Bruxelas também numa conferência privada, o que é bom sinal. Dia 20 de maio, vou a Salamanca, a uma grande conferência  de reitores, que se organiza de quatro em quatro anos, que faço parte da comissão organizadora e também vou ter uma intervenção convidada. Isso tem a ver com a  dimensão da nossa visão internacional.

Mas também é importante falar das questões internas, porque não podemos ficar nas coisas internacionais e depois cá dentro as coisas não funcionarem, que funcionam.

A nível interno, quais são as prioridades?
A nível interno, a prioridade é criar condições para essa nossa competitividade. E isso passa por ter boas condições para os estudantes. Tão simples quanto isso.

Passa pelo património, passa pelos métodos pedagógicos, passa por dar meios à investigação. Nós temos que proteger os talentos. Nós temos de ter a capacidade de proteger os talentos e de atrair os talentos. Passa por uma coisa extraordinária que nós temos que é o nosso Parque de Ciência e Tecnologia [UPTEC] e o nossa modelo de apoio à inovação.

Passa pela cobertura e também me parece que é conhecido que nós estamos a fazer um grande esforço na área cultural com o Museu da Ciência e História Natural, com a Galeria da Biodiversidade que foi inaugurada. Passa pelo desporto. Eu sou um grande fã de desporto, também é sabido. Estamos agora, finalmente, a conseguir recuperar o centro universitário, que é fundamental que os estudantes tenham cultura, desporto, voluntariado, dimensão social para lá de serem grandes estudantes. E, claro, temos a orquestra da FEUP, que é uma pérola.

A propósito dos contratos precários, há docentes e investigadores que acusam os reitores das universidades de serem entraves às soluções propostas pelo governo. Concorda?
Isso não é verdade. Discordo completamente. Acho que há um movimento muito negativo nesse sentido. Nós temos bastantes docentes, a maioria permanente, temos alguns docente a tempo parcial.

Quantos trabalhadores precários tem a Universidade do Porto?
Temos poucas centenas. Duzentos e poucos, não sei agora em detalhe [corrigiu para 480 logo no final da entrevista depois de consultar documentação]. Mas não são precários, é preciso ter cuidado, são pessoas que têm contratos a tempo parcial. Nós temos um conjunto de docentes a tempo parcial, que são, em muitos casos, na área da Medicina, na Engenharia,… São especialistas em muitos casos, que vêm ajudar-nos a dar umas aulas, por serem especialistas.

Depois também há um conjunto de bolseiros a quem nós concedemos a possibilidade de lecionar um número restrito de horas. Uma grande luta que tenho tido vai no sentido de serem 100% os casos a quem se deve pagar o que trabalham, o que já é feito na generalidade. Mas isso não pode qualificar as pessoas para dizer que passam a ter um contrato a tempo inteiro subitamente e permanente. Isso não é aceitável.

Desses 200 e pouco contratos, quantos é que se enquadram no PREVPAP?
Esses são os números do PREVPAP.

Esses casos já foram avaliados?
Não. Vai ser avaliado. Ainda não chegou a vez da Universidade do Porto.

Então, ainda não houve contactos?
Neste momento, já. O Ministério, o Governo, tem essa informação toda.

Mas não houve contactos com os docentes e investigadores?
Não. Com os docentes não há. O que há é uma comissão que analisa os casos um a um e há uma votação no sentido de apurar um conjunto muito restrito (estou a falar de uma dezena, duas dezenas) de casos que seja aceitável que nós tomemos a decisão de dar um contrato a tempo inteiro, certamente. Nós não somos perfeitos de maneira nenhuma. Agora não é centenas. Não é razoável.

Mas não é razoável porquê?
Veja bem, porque não correspondem realmente a situações de emprego permanente. Correspondem a situações específicas em que é pedida às pessoas uma colaboração.

Mas é uma questão orçamental ou teria um impacto na gestão de recursos humanos?
É uma questão orçamental, mas vejamos: é normal, em todas as instituições do mundo, que haja um conjunto pequeno de pessoas com colaborações temporárias. Não é aceitável que, subitamente, por razões políticas, se diga: “Não, essas pessoas passam agora todas a ser pessoas da instituição.” Não funciona assim. Portanto, além de mais, nós temos uma regra que é: os professores entram por concurso público, aberto, em que há uma pequena competição. O facto de eu ver que há uma pessoa que é interessante e que pode colaborar connosco temporariamente não qualifica essa pessoa para dizer que vai ser permanente. Para ser permanente tem de entrar no quadro do modelo que nós temos para entrar.

No caso dos bolseiros, o PREVPAP no caso dos bolseiros é só para pós-doc ou poderia abranger licenciados, mestres e doutorados?
Não, as bolsas têm também funções específicas temporárias para determinadas funções. Portanto, não há razões para serem PREVPAPs propriamente ditos, digamos assim.

Agora, que não deve haver contratos de bolsas como haveria, estamos todos de acordo. Que é possível que haja contratos a termo certo… O que eu lhe digo é o que eu faço: quando eu fui diretor da Faculdade de Engenharia exigi a todos os casos que, por exemplo, os bolseiros tivessem segurança social, como é evidente. É evidente que têm esse direito. Eu sei que haverá situações em que há pressões no sentido de os bolseiros abdicarem dessa proteção. Isso é errado. Tão simples quanto isso: é errado. Devem ter proteção. Uma coisa é ter essa proteção, outra é dizer que são pessoas permanentes.

Redução de vagas nas universidades: “Acho que é uma falácia.”

Agora sobre a redução das vagas nas universidades, já deu o seu parecer.
Dei. Acho que é uma falácia.

Que soluções alternativas apresenta?
O Governo apresentou essa medida como sendo, de alguma forma, a favor do interior. Simplesmente, essa medida não funciona para o interior. Eu acho que para o interior são precisas medidas que não têm nada a ver com isto, nomeadamente medidas que nós a nível das universidades do norte temos tentando. São medidas de projetos conjuntos, de integração no território. Os 5% não vão beneficiar a Beira Interior nem a UTAD nem Évora. Os 5% vão beneficiar o Minho, Coimbra, Aveiro que não entendo porque razão é que não estão nos 5%.

Porque crê que são essas as universidades beneficiadas?
Porque estão próximas do litoral, dos locais onde as pessoas vivem. E normalmente porque são universidades maiores, universidades talvez um bocadinho melhores nos rankings. Talvez por isso.

As grandes universidades do Porto e Lisboa têm um papel neste processo?
Nós já tomamos uma posição do ponto de vista da nossa opinião. Os governos têm direito a tomar decisões. As universidades não existem para fazerem docilmente o que os governos querem. As universidades têm de respeitar, têm um respeito hierárquico absoluto, têm obrigações. O que não me vão é obrigar a dizer que eu acho bem. Pelo contrário, as universidades são centros de pensamento e, portanto, as universidades têm obrigação, e os reitores têm obrigação, de chamar a atenção para questões que lhe parece que não são soluções adequadas. Disso não abdico. Agora terei de cumprir com todo o respeito, não está em causa isso.

Foi divulgado um estudo da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência que conclui que cerca de 30% dos alunos que integram o ensino superior não concluem as suas licenciaturas. Há dados da realidade do Porto?
É possível. Não, não são mais reais do que esses para lhe ser franco. Não gosto de dizer frases sem base mas é possível que esses números sejam verdade no Porto, porque isso é um problema grande que temos. Não é só cá, atenção. O que não quer dizer que esteja contente por não ser só cá. Mas temos de relativizar as coisas. Certamente que, por exemplo, na Grã-Bretanha é muito menos. Há várias razões. Uma delas, que para mim é a grande questão no acesso ao ensino superior é: os alunos entram em cursos que não são aqueles para os quais estão habilitados. As instituições deviam ser capazes de proporcionar uma oferta educativa que vá ao encontro às competências e motivações dos jovens quando têm 17/18 anos.

Este é um assunto muito importante socialmente: é claro que deve haver dados sobre o empregabilidade, mas os jovens não devem escolher os cursos com base nisso. Eu acho que devem escolher os cursos com base no sentimento, no gosto deles. E, portanto, alguns escolhem cursos que não gostam ou porque são mais teóricos ou porque são de outras áreas, e depois acabam por desistir, o que é mau. E a outra coisa que também é verdade: nós não somos muito bons a seguir os estudantes. Portanto, a seguir esses percursos e devíamos ser melhores. Estamos a fazer esforços tutoriais. São assuntos das faculdades, não tanto do reitor. O reitor pode dar uma orientação. mas temos algum défice nisso, devo reconhecer. E depois há, eventualmente, o problema material. Não lhe sei quantificar destes 30%, se fossem 30%, qual a percentagem que corresponde a razões materiais.

Há cerca de um ano assumiu que as obras nas infraestruturas de algumas faculdades eram uma prioridade. Na FEP já avançaram, mas em Direito e Belas Artes não. O que falhou?
E têm sido uma prioridade. Estão em andamento no sentido geral do termo, como estão na FCNAUP, Estádio Universitário, como estão na residência Alberto Amaral. Essas não começaram. Infelizmente, a dimensão burocrática de fazer uma obra é uma coisa lamentável. Temos as obras todas em andamento, todas. No terreno está a FEP. E eu penso que durante este ano civil vamos ter no terreno a FCNAUP, Estádio Universitário, e Direito. Em Direito já temos várias obras paliativas feitas. Agora a grande obra será entre 2018/19. Julgo que até ao fim de 2019 estarão feitas. E aqui na Reitoria estão em andamento.

A questão do alojamento é outra problemática dos estudantes. Rendas altas, falta de camas (segundo um estudo da Uniplaces que dá conta da falta de cerca de quatro mil camas no Porto). A solução passa pelo apoio das autarquias?
A solução passa por várias coisas ao mesmo tempo. Passa por construirmos alguma coisa, e estamos em andamento com o caso concreto da Alberto Amaral, como noutros casos. Passa por haver investimento privado que proporciona esses alojamentos, eu conheço 2/3 casos de investimentos que estão em curso. Passa pelas autarquias, nós falamos para recuperar habitação. E passa por uma coisa muito interessante que o Professor Fontes Carvalho está a fazer que é, nas autarquias limítrofes e nas áreas perto das estações de metro, conseguir alojamento e as autarquias estão muito abertas a isso.

De quantas casas se está a falar?
Não tenho o número comigo. Mas o que lhe garanto é que têm sido feitos contactos firmes no sentido de haver soluções.

De acordo com o último Balanço Social da UP, a média de idades de corpo docente em 2017 era de 48.8 anos e não docentes de 45.5 anos. A UP é uma universidade envelhecida?
Não é uma universidade jovem. Vamos pôr o problema de outra maneira: esse é um problema em que todos concordamos, o problema é ver uma solução para ele. Nós temos um modelo de trabalho com o qual nem consigo, nem quero mexer. Nós não conseguimos, por exemplo, negociar reformas antecipadas que é um método que as grandes empresas usam periodicamente para rejuvenescer o seu corpo de trabalhadores. É chegar junto de um conjunto de pessoas, precisamos de quatro, cinco ou seis milhões de euros, e dizer “olhe, você já tem 35 anos de casa, quer negociar um pacote para aposentação?”. Portanto, como não temos isso, e como até o modelo de reforma está a aumentar, a idade de reforma, nós não podemos estar a contratar continuamente pessoas e a certa altura temos aqui gente a ajudar-se. Isto não pode ser.

Tenho discutido muito este assunto e lamento ter de comentar desta forma mas não há instrumentos que nos permitam mudar significativamente, por ação nossa, essa situação. É um problema que nos ultrapassa na medida do enquadramento legal que temos.

Confesso que é um problema que existe de alguma maneira. Depois há outro problema, mas que penso que não seja negativo: eu entrei com 23 anos, fui contratado como assistente-estagiário com essa idade. Bom, agora não há assistentes, já só entram doutorados, o que obviamente é muito interessante, é o que se faz lá fora há muitos anos. Mas entrar doutorados significa que as pessoas entram com 30/31/32/33 anos e não com 23. Só isso leva também a aumentar a idade média dos docentes. Portanto, é um problema que temos. Mas se contrabalançar isso com a possibilidade de ter contratos com gente nova temporários, que ajudem na parte da investigação e alguma lecionação, isso já globalmente diminui a idade média das pessoas ativas na educação. Agora só ter permanentes, temos um problema em mãos.

“Parte das verbas dos projetos [de investigação] deve vir para a universidade.”

A questão orçamental volta e meia vem para os jornais. O governo tem um discurso pró-ensino superior, mas na prática falha no financiamento? Qual é a sua visão da ação do Governo?

Eu penso que, acima de tudo, não se mexe naquilo que se tem de mexer: o modelo de governo das universidades. O governo tem tido um discurso que não corresponde exatamente à realidade. O contrato de confiança que fez connosco não está a ser exatamente cumprido, por pouco digamos assim, mas não está a ser cumprido. E estou muito preocupado com a situação da legislação e da interpretação da legislação de valorizações remuneratórias que está em cima da mesa neste momento. Nós temos orçamento baixos. A universidade para ser sustentável tem de ter uma política interna de sustentabilidade e os professores têm de perceber que têm de contribuir para essa sustentabilidade. Como? Os seus projetos, uma pequena parte das verbas dos seus projetos deve vir para a universidade para pagar a globalidade das infraestruturas.

Ou seja, as verbas vindas do OE não têm sido suficientes para fazer face às necessidades…
Claro que não. E temos as propinas. Tenho falado com os estudantes se deve ou não haver propinas mas nem é a questão de haver ou não. O modelo económico que temos neste momento exige que haja porque se nos falhar o dinheiro das propinas nós diminuímos muito o [orçamento para o] funcionamento.

Qual tem sido a posição do conselho de reitores face a este problema do subfinanciamento?
Tem sido uma posição de discussão com o Governo sobre minimização dos danos. Não temos uma solução efetiva para isso neste momento. Portugal passou por um período muito complicado nos últimos cinco anos. Estamos a tentar sair dele. Este ministro é muito próximo de nós. O senhor ministro é um homem da universidade e, no plano pessoal, temos excelentes relações. Agora, há políticas, não é?

Que balanço faz do seu mandato como reitor?
Eu não gosto de falar de mim. Acho que os outros é que o devem fazer. O que se vê não é o meu trabalho sozinho. Eu assumo as responsabilidades totais porque sou Reitor e o Reitor é um órgão único uninominal, mas eu tenho uma equipa sem a qual eu fazia muito pouco.

Eu acho que nós cumprimos muitíssimo daquilo que dissemos que íamos fazer. Nós apresentamos um plano quadrienal único na história dos reitores da UP com 179 pontos para cumprir, aos quais acrescentamos o que julgo que foram 25 pontos que apareceram ao longo do mandato. Eu creio que só houve três ou quatro pontos que não conseguimos concretizar.

Que foram?
Que foram os regulamentos da área de investigação, essencialmente. E o regulamento geral dos docentes, que é uma coisa muito importante. De resto, genericamente conseguimos cumprir. A universidade passou um período muito difícil. Nós conseguimos estabilizar o funcionamento da universidade, que é uma coisa que tem valor.

Eu respeito muitíssimo o trabalho anterior. É factual que havia um conjunto de questões que estavam em cima da mesa, que se projetaram até nas eleições para o Conselho Geral e nós conseguimos estabilizar tudo, o que é um resultado importante.

Para além disso, demos um grande impulso à questão do património. Temos vindo a dar um grande impulso à inovação pedagógica, em que temos tido uma adesão imensa por parte dos estudantes. Temos vindo a dar um grande impulso à atividade internacional: conseguimos resultados na internacionalização excecionais. Na cultura, acho que também temos ajudado a fomentar e promover o fortalecimento da cultura. Veja-se a Galeria da Biodiversidade que conseguimos abrir, veja-se a orquestra da FEUP, que tem sido um sucesso imenso. Eu, pessoalmente, estou de consciência tranquila.

“Nós temos que nos aferir por padrões europeus.”

Onde é que gostava de ver a UP daqui a cinco anos?
Gostava de vê-la como um inequívoco grande parceiro internacional. Eu não gosto de pôr números, não gosto de dizer que estamos em décimo ou 11º ou oitavo. Isso é muito fuzzy, muito cinzento, difuso. Gostava de ver a UP como um grande atrator de estudantes internacionais por o que isso significa. Se eu conseguir isso é porque a universidade é muito boa. Se a universidade for muito boa, os portugueses também vão lucrar.

Se me permite pôr nestes termos: nós somos muito bons se ganharmos a Liga dos Campeões, não se ganharmos o campeonato da nossa rua. Portugal é bom porque ganhou o campeonato da Europa. Não é ser bom porque tem o reconhecimento, é pelo contrário: tem o reconhecimento porque é bom. Nós temos que nos aferir por padrões europeus.

Não vale a pena iludir a realidade. Eu tenho escrito há muitos anos (antes da troika) que nos podemos iludir a nós próprios, podemos iludir a nossa família, podemos iludir as pessoas da nossa rua, mas há duas coisas que não conseguimos iludir: o tempo e a Europa. Nós podemos simular que somos bons, mas se não tivermos o agreement dos nossos pares é porque há qualquer coisa errada. E quanto ao tempo, nós podemos empurrar os problemas com a barriga, mas eles rebentam algum dia.

Esteve no processo de implementação de Bolonha…
Estive e estou outra vez.

Como faz o balanço destes anos?
Bolonha é um processo importantíssimo que está menos desenvolvido em Portugal do que eu gostaria, mas é um processo importantíssimo. Entre o copo meio vazio e meio cheio, o processo de Bolonha está muito mais que meio cheio. O Processo de Bolonha é responsável pelo incremento da mobilidade internacional jovem.

Nas minhas conferências começo por apresentar um mapa da Europa para mostrar o mapa cheio de pequenas cores. E normalmente digo: “estão a ver estas cores todas? É o problema da Europa. O problema e a vantagem.” Nós temos que ter massa crítica para competir no mundo. Isso é uma coisa que muitos não percebem.

Com a queda do Muro de Berlim houve um desequilíbrio do equilíbrio que havia. As políticas mais liberais e de mercado ganharam terreno e a Europa se não se unir é engolida pelos Estados Unidos da América e pela China. Como é que nos unimos com o Processo de Bolonha? Com a juventude, com as pessoas novas que falam umas com as outras, que vão para o estrangeiro, que apreciam as diversidades culturais e civilizacionais.

O mundo encolheu. E porque o mundo encolheu, nós precisamos daquilo que eu chamo de diálogo civilizacional para criar condições para o desenvolvimento. Por isso, eu sou internacionalista. Tenho essa visão e Bolonha promoveu isso.

O que traria do modelo pré-Bolonha?
O modelo pré-Bolonha evoluiu para Bolonha. De facto, continua a ser verdade que nós temos que ter o conhecimento dos valores fundamentais da matemática, da física, da química, da biologia, da arte, na arquitetura. Isso não mudou. O que mudou foram os métodos e mudou a estrutura e o enquadramento.

Se alguém for do Brasil, de norte para sul, anda quatro mil quilómetros e o diploma continua a funcionar. Na Rússia, se for de São Petersburgo para Tomsk tem um diploma e continua a funcionar. Na Europa, atravessa uma ponte e já não é médico ou engenheiro ou arquiteto. Isto era assim. Nós atravessávamos a ponte no Minho e não podíamos trabalhar como engenheiros porque ali não éramos engenheiros. Isto é um absurdo e Bolonha também pretende acabar com isso, quer criar um grande mercado europeu.

Com a diversidade, cuidado, ninguém quer acabar com o fado ou com as sardinhas. Agora, temos que ter uma harmonização da compreensão de qualidade. A qualidade é uma coisa que não é regional, tal como dizia com o exemplo do futebol.

Bolonha é que criou um quadro de qualificações, criou um sistema para medir a dimensão do trabalho, criou um suplemento ao diploma, criou um sistema de garantia de qualidade. Os novos modelos de ensino centrado nos estudantes eram uma miragem aqui há não muitos anos. Ainda vai demorar mais quatro ou cinco anos, mas está a haver uma mudança radical. Os professores estão todos, mesmo os mais conservadores, a perceber que têm que mudar. Estão a perceber que não se podem por ali em cima a falar com os alunos a dormir. Os alunos têm hoje outras motivações. Manter a atenção dos estudantes hoje é diferente do que era há 40 anos.

Nós temos que nos adaptar aos tempos. Um grande objetivo meu é ajudar e promover que a Universidade do Porto continuamente se adapte aos tempos.

Artigo editado por Filipa Silva