As peças são do Museu da História da Medicina da FMUP. As infografias e ilustrações são de alunos da FBAUP. O resultado é a exposição “Obra de Mão” que abre ao público esta quinta-feira na Reitoria da Universidade do Porto.

Para Emília Dias Costa “não podia ser coincidência”. Na origem da palavra cirurgia, três professores da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP) descobriram toda uma metáfora. Afinal, se há entre a Medicina e as Artes um órgão de ligação, esse será a mão, veículo de excelência para o exercício da técnica – por exemplo, cirúrgica – e da criação.

Cirurgia – ramo da medicina que se propõe curar pelas mãos. Do grego: kheirourgia [kheiros, mão + ergon, obra]; obra de mão; trabalho manual.

Encontrámos Emília Dias Costa, Rui Vitorino Santos e Júlio Dolbeth na Sala de Exposições da Reitoria da Universidade do Porto. Está tudo pronto para que esta quinta-feira abra ao público a “Obra de Mão”, uma exposição que andam a preparar há quase um ano e que tem entre os objetivos ressuscitar essa ligação antiga entre as duas áreas.

Rui Vitorino Santos, Júlio Dolbeth e Emília Dias Costa

Rui Vitorino Santos, Júlio Dolbeth e Emília Dias Costa Foto: Filipa Silva

“O ensino da Medicina era feito através da ilustração e através da infografia”, nota Rui Vitorino Santos.

Os docentes, com a ajuda de Amélia Ferraz, diretora do Museu da História da Medicina “Maximiano Lemos” da Faculdade de Medicina do Porto, decidiram escolher sete estojos ou instrumentos cirúrgicos para serem alvo de infografia e ilustração. Cada um ligado a um órgão fundamental à criação.

A escolha recaiu sobre um estojo de trepanação (cérebro), um estetoscópio (coração), um estojo de cirurgia ocular (olhos), um estojo de suturas (pele), um pulverizador (aparelho fonador), um estojo de amputação (membros) e dois estojos associados aos órgãos reprodutores. Estes últimos, acabaram por fazer o número inicialmente previsto para oito. Por sugestão da diretora do Museu juntou-se um nono: a mão.

A mão como instrumento. Porque a mão servia de pinça, de gancho, de dilatador e, depois, numa fase posterior, foi a mão que pegou no instrumento, e agora estamos numa fase em que a mão controla um joystick que na ponta tem um instrumento”, explica Emília Dias Costa, com Rui Vitorino Santos a complementar: “É a mão perpétua, não é? Independentemente da inovação técnica, a mão é o instrumento mor da cirurgia.”

Júlio Dolbeth resume-nos a disposição da mostra que ocupa toda a Sala de Exposições, paredes incluídas: “Tentamos criar pequenas ilhas de ligação entre o estojo, a infografia – que é a descrição do instrumento – e depois o lado mais poético que é o da interpretação metafórica dos alunos de ilustração.” A interpretação mais livre de todo o processo criativo foi o que resvalou para as paredes.

O trabalho envolveu, desde o início do ano letivo, 55 alunos de Belas Artes. Os do Mestrado em Design Gráfico e Projetos Editoriais ocuparam-se da infografia descritiva dos instrumentos. Aos do Curso de Especialização em Ilustração coube a abordagem “mais poética” desses materiais.

Do estetoscópio de Laënnec à trepanação

A escolha dos estojos e instrumentos em exposição, de entre um vasto espólio do Museu da História da Medicina, obedeceu a alguns critérios. Além da já referida ligação do órgão em causa ao ato de criar, outra da característica que os liga é o facto de serem anteriores a Louis Pasteur, o cientista francês que conduziria a medicina à esterilização dos materiais.
A riqueza dos materiais de que eram feitos – prata, marfim ou mesmo carapaça de tartaruga nalguns casos – foram também tidos em consideração.

Os objetos são dos séculos XVIII e XIX e eram, nalguns casos, propriedade do próprio cirurgião. À falta de um ambiente hospitalar como hoje o conhecemos, o que havia era uma medicina mais nómada que os cirurgiões levavam de casa em casa.

Alguns destes equipamentos escondem histórias curiosas. É o caso do esteoscópio de Laënnec, como conta Emília Dias Costa.

Outros dos estojos são menos românticos quer na forma, quer na função. É o que acontece, por exemplo, com o da trepanação e com o da amputação, com este último a parecer mais uma rudimentar caixa de ferramentas.

A violência gráfica associada a alguns destes instrumentos não deixou os estudantes indiferentes. “Para alguns alunos, as primeiras aulas não foram fáceis”, confessa Emília Dias Costa.
À ilustração coube uma certa “despressurização” desse impacto. Junto ao estojo das suturas, por exemplo, vemos mãos que bordam um pano.

“Depois decidimos completar isto tudo com os desenhos nas paredes”, junta Júlio Dolbeth. Há nelas uma ideia de “coletivo”, de interação entre o trabalho de todos. Uma “sobreposição de narrativas”. “Cria um diálogo interessante com a estrutura da exposição que é muito formal, muito rígida com um lado um bocado mais expressivo”, explica-nos.

“Acho que esta exposição, de certa forma, o que tenta fazer é desmoronar essa espécie de muro que possa existir entre a Medicina e as Belas Artes e mais uma vez pô-las no início. Há muitos pontos de contacto das duas áreas”, conclui Rui Vitorino Santos.

“Obra de Mão” tem inauguração marcada para esta quinta-feira na Sala de Exposições da Reitoria da Universidade do Porto e por lá vai ficar até 25 de maio, sempre das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00.