Esta terça-feira, a Assembleia da República vai debater e votar quatro projetos de lei sobre a despenalização da morte medicamente assistida. Os projetos são do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Bloco de Esquerda (BE), Partido Socialista (PS) e Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV).

PCP e CDS-PP foram os dois únicos partidos a anunciar o voto contra. O líder do PSD tem uma posição favorável, mas dá liberdade de voto à bancada. O PS, BE, PAN e Verdes são a favor.

O JPN resume algumas informações dos quatro projetos que vão a votação.

Em que condições pode ser pedida?

O PEV considera que o pedido de morte assistida por parte do doente pode ser feito em situação de profundo sofrimento decorrente de “doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica, encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva.

Para o PS, o pedido também só pode ser feito “em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal”. Também no documento redigido pelo BE, pode ler-se que só pode ser feito em doentes “com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável”.

Por último, no documento do PAN, pode ler-se que o pedido é “apenas admissível nos casos de doença ou lesão incurável, causadora de sofrimento físico ou psicológico intenso, persistente e não debelado ou atenuado para níveis suportáveis e aceites pelo doente ou nos casos de situação clínica de incapacidade ou dependência absoluta ou definitiva”.

Quem pode fazer o pedido?

Segundo o projeto lei do PS, a decisão é do doente que deve ser maior de idade e “cidadão nacional ou legalmente residente em território nacional”. No projeto do PEV, o pedido é feito pelo doente, com idade igual ou superior a 18 anos, “consciente”, “esclarecido”, “informado” e que “não padeça de doença mental e psíquica”.

Além disso, “só os cidadãos com nacionalidade portuguesa ou com residência oficial em Portugal, que se encontrem a ser acompanhados e tratados em estabelecimento de saúde do Serviço Nacional de Saúde” podem recorrer à morte medicamente assistida.

Também no projeto-lei proposto pelo Bloco de Esquerda, só serão aceites pedidos feitos por cidadãos nacionais e legalmente residentes em Portugal.

Segundo o documento do PAN, o pedido é feito pelo próprio doente, que deve estar “consciente”, “lúcido” e “informado pelo médico”. Tem de ter pelo menos 18 anos de idade, nacionalidade portuguesa ou residir legalmente no país. O doente não pode sofrer de “anomalia psíquica” ou “qualquer doença do foro mental”.

O doente pode retirar o pedido?

“O doente pode revogar o pedido a qualquer momento do processo, sem necessidade de fundamentação e sem obedecer a quaisquer exigências formais”, pode ler-se no projeto apresentado pelos Verdes. No projeto-lei do PS, a revogação da decisão de antecipar a morte cancela o procedimento clínico.

No projeto-lei do Bloco de Esquerda, a revogação da decisão de antecipar a morte põe fim ao processo em curso. Também no projeto-lei do PAN, “o doente pode, a todo o momento, revogar o seu pedido de morte medicamente assistida, por escrito ou oralmente” (Artigo 13º).

Nos projetos apresentados pelo PS, PAN e BE, o processo é interrompido caso o doente fique inconsciente. O Bloco de Esquerda apresenta uma contrapartida: “salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão, ou se estiver disposto diversamente em Declaração Antecipada de Vontade constante do respetivo Testamento Vital” (Artigo 8º).

Nos quatro projetos de lei apresentados pelos partidos políticos, os profissionais de saúde que participem no processo de morte medicamente assistida, nos termos da presente lei, “não podem ser alvo de qualquer sanção disciplinar de foro deontológico”.

Os profissionais de saúde não são obrigados a participar na morte assistida. Todos os projetos garantem o direito à objeção relativamente à morte assistida.

Todos podem ser consultados para leitura completa na página oficial do Parlamento.

Opiniões divididas

Pedro Passos Coelho é contra a despenalização da morte medicamente assistida, segundo um artigo publicado no Observador. “Pode parecer inicialmente coisa pouca, mas a alteração legislativa pretendida mudaria radicalmente a nossa visão de sociedade”, defendeu o ex-primeiro-ministro.

Para o ex-líder do PSD, “parece evidente que não se perde a dignidade, que é intrínseca à pessoa, por não se poder morrer a pedido, nem a sociedade passa a ser menos compassiva por não se dar à permissão de matar a pedido”.

Aníbal Cavaco Silva também não concorda com a despenalização da eutanásia: “o que está em causa é a vida humana, o bem mais precioso de cada individuo”, pode ler-se num artigo publicado pela Rádio Renascença.

“Como podem os deputados ignorar o parecer dos profissionais de saúde, os enfermeiros e os médicos que lidam com a vida e com a morte? Como podem ignorar o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida? Como podem os deputados ignorar a posição das várias religiões em que os portugueses se reveem e que se juntaram para condenar a legalização da eutanásia?”, questiona o antigo Presidente da República.

Do lado da oposição aos diplomas que vão ser votados esta terça-feira no Parlamento, está também a Ordem dos Médicos. Essa posição foi manifestada na passada quarta-feira a Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, pelos antigos e atual bastonário da Ordem dos Médicos recuperando uma declaração conjunta de setembro de 2016.

A declaração refere que “em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto, é legítimo a sociedade procurar induzir os médicos a violarem o seu Código Deontológico e o seu compromisso com a vida e com os que sofrem”, definindo a eutanásia como “morte intencionalmente provocada por um problema de saúde”. “Não é mais do que tirar a vida, seja qual for a razão e a idade”, refere o documento.

À lista do “contra” acrescentam-se nomes como Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, Assunção Cristas, líder do CDS ou Ramalho Eanes, ex-chefe de Estado.

A Associação Portuguesa de Bioética também defende que o debate devia ser alargado e não circunscrever-se ao Parlamento. “Legislar sobre esta matéria apressadamente, pode ser um caminho sem retorno, quando boa parte dos portugueses continua sem saber o que é a eutanásia, a morte assistida, o testamento vital, distanásia ou ortotanásia. Por isso, esta associação volta a apelar para que se realize um referendo”, referem num breve comunicado enviado às redações.

A favor está o primeiro-ministro, António Costa: “Há novas oportunidades de alargar esse espaço, respeitando a consciência de cada um, não impondo a ninguém qualquer comportamento, mas assegurando a todos que o queiram ter uma morte digna e poder recorrer à eutanásia, como na próxima semana defenderemos na Assembleia da República”, afirmou durante o Congresso do PS.

Também Rui Rio, presidente do PSD, é a favor. Em declarações à Renascença, afirmou que “este é um problema científico, pessoal, humano, familiar, mas é a pessoa que está em causa, e é ela que deve ter o poder de decidir como é que quer passar para o outro lado”.

Ana Jorge, antiga ministra da Saúde, Jorge Sampaio, antigo Presidente da República ou Paula Teixeira da Cruz, ex-ministra da Justiça, são outros dos nomes que apoiam a despenalização da eutanásia.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem evitado falar sobre a questão, afirmando que não tomará qualquer decisão sobre a lei com base nas suas convicções pessoais.

Artigo editado por Filipa Silva