A primeira borbulha, a primeira saída à noite e o primeiro beijo são tudo temas dignos de entrar no diário de um adolescente. A primavera da vida é uma verdadeira “Montanha Russa”, título da peça que estreou esta quinta-feira (dia 31) no Teatro Nacional São João.
O contexto muda, mas os anseios da puberdade não. Os dilemas de um adolescente dos anos 70 são muito próximos das dúvidas de um adolescente do novo milénio. Quem o garante é Miguel Fragata, encenador da peça que explora os diários de quatro adolescentes de décadas diferentes: 70, 80, 90 e 2000.
“É muito diferente ter-se vivido nos anos 70, ainda sob uma ditadura, atravessado o 25 de abril e descoberto todas as possibilidades da liberdade ou ter-se vivido nos anos 80 ou no início do milénio, com todas as questões e problemas que isso acarreta. Mas, em última análise, as questões essenciais são as mesmas e repetem-se. Tem a ver com essa ideia de descoberta de si próprio, de procura de uma identidade, de procura de vivências pela primeira vez de muita coisa”, diz o encenador.
Os diários reais de adolescentes de várias gerações serviram de base ao texto de Inês Barahona que resulta também de um trabalho muito próximo com as escolas, através de iniciativas como debates com estudantes, conferências, e pequenas encenações.
Os textos que chegaram às mãos dos criadores da peça tinham em comum uma escrita confessional, mas os formatos divergiam, como explica Miguel Fragata: “Recebemos alguns não propriamente diários – no sentido mais esperado da palavra – de adolescentes contemporâneos: desses recebemos mais blogues e escrita virtual, mas que, no fundo, corresponde de alguma maneira à escrita diarística”.
A peça não se assume com um musical, mas as melodias e (des)harmonias da adolescência moram nos sons que os músicos em palco – como é o caso de Manuela Azevedo, dos Clã – produzem. Aqui os músicos não são o centro da história: são desejo e aspiração.
“O que nos foi dado [aos músicos] é sermos uma espécie de alter egos de muita coisa que as outras personagens estão a passar ou a sentir. Somos uma espécie de projeção do que eles gostavam de ser, outras vezes também coisas que eles acham que nunca vão conseguir ser também”, explica Manuela Azevedo.
Na adolescência, a vocalista dos Clã não tinha nenhum artista que lhe desregulasse o “estrogénio alucinogénio” – expressão usada numa das canções do espetáculo. Estudava música clássica e “ia a concertos de orquestra e ouvia discos de Bach, Beethoven,etc.”. Só mais tarde, quase a entrar na idade adulta, descobriu Tom Waits e soube o que era ter um ídolo.
“A música rock e a música pop era algo que alimentava as festas e uma coisa mais lúdica e eu nunca tive uma relação fanática com a música pop, com a música rock. Só assim mais na juventude, aos 17, 18 anos, é que me apaixonei perdidamente por Tom Waits e aí, sim, virei fã de um artista”, confessa.
No ano passado, Manuela Azevedo deu voz e corpo à peça “Fã”, que abordava as questões da infância, e hoje canta os dramas da adolescência, mas a artista garante que não se recusa a ser adulta.
“Às vezes somos muito velhos, outras vezes somos crianças”
“Aquilo que a gente gosta de fazer é estar em palco e fazer música e ter essa alteração química que nos faz criaturas diferentes. E aí a idade deixa de contar. Às vezes somos muito velhos, outras vezes somos crianças, mas no palco tem-se muitas idades”, remata.
A peça resulta de uma coprodução Formiga Atómica, Teatro Nacional D. Maria II, Teatro Virgínia e TNSJ e está em cena até 10 de junho, à quarta e sábado, às 19h00; à quinta e sexta, às 21h00; e ao domingo, às 16h00. O preço dos bilhetes varia entre os 7,50€ e os 16€.