Eram quatro da tarde. O recinto para a sétima edição do Primavera Sound abria portas, com chuva a ameaçar os festivaleiros que não deixaram de marcar presença no Parque da Cidade. Uma hora e meia depois, pelas 17h30, acontecia o primeiro concerto, com os britânicos Foreign Poetry, que inauguravam o palco Super Bock. Mais tarde, já pelas 20h25, acontecia um dos momentos mais esperados desta edição.

Desta vez no Palco Seat – uma das novas apostas do Primavera Sound, logo à esquerda, como quem entra – a multidão começava a juntar-se para receber Father John Misty. A apresentar o seu novo trabalho, God’s Favorite Customer, o americano entrou em palco com muita expectativa a fazer-se sentir na audiência – e muita impaciência também.

Com quinze minutos de atraso, bastaram dois acordes de Nancy From Now On para Father John Misty acalmar (ou levar à loucura) quem estava na plateia – que foi aumentando e aumentando a cada música. A afastar-se, contudo, estavam as nuvens, que levariam a chuva para bem longe do festival.

Na setlist contavam-se histórias e músicas dos seus quatro álbuns, que se fazem ouvir já desde 2012. E quatro parece ser o número da sorte de Josh Tillman (o nome real do artista). Pela quarta vez em Portugal, o artista foi recebido pelo público como se fosse a primeira vez, num concerto que fez vibrar quem estava fora e dentro do palco.

“Ele é lindo”, comentava uma fã com a pessoa do lado. “Adoro os movimentos de anca”, confessava outra. E a verdade é que Tillman deu ao público momentos frenéticos de pura energia.

Num concerto montanha-russa, o público estava com Father John Misty – e ele com o público. Ofereceu momentos divertidos, outros mais calmos e houve ainda espaço para um misto dos dois, onde entre a calma se fez sentir, também, a turbulência. E o público agradeceu: gritou por mais e soletrava cada verso das 12 músicas que passaram pelo palco.

Com o final a aproximar-se I Love You, Honeybear (que deu nome ao álbum de 2015) foi o início do fim. Declamando The Ideal Husband, depois, o público queria mais, mas Father John Misty saiu daquela que foi um dos melhores prólogos que o Primavera poderia ter.

Na plateia, entre as centenas de pessoas que no fim começaram a dispersar, Gonçalo Inácio assistiu ao concerto por um mero (e feliz) acaso. “O nosso plano inicial [seu e do grupo de amigos] era ir jantar e não ver Father John Misty. Depois lembrei-me que gosto dele e que ele é mesmo giro e, então, viemos para cá.”

Um acaso que até lhe correu bem. “As expectativas eram muito baixas, mas depois fiquei e ainda bem que o fiz.” A seguir? Planeou guardar lugar para assistir a Tyler The Creator, que fechava o palco Seat naquela noite, pelas 23h20. “Vocês estão a roubar-me o lugar, ali à frente.”

Mas vamos por partes. Ainda era preciso fôlego para Lorde – cabeça de cartaz deste primeiro dia do Primavera. Ainda não eram 22h00 e o anfiteatro natural do festival já estava lotado e pronto para receber a jovem neozelandesa de 21 anos.

Radiante por entrar em palco (e, também, pelo seu macacão rosa brilhante), Lorde recebeu e foi recebida em puro êxtase. Com Sober, de Melodrama, o segundo álbum da artista, começou aquela que foi a segunda atuação em território português (a primeira foi em 2014, no Rock in Rio, em Lisboa).

“Olá Portugal”, exclamou a jovem em português, levando o público ao rubro. Sem esquecer grande parte do reportório musical de Pure Heroin, o primeiro álbum (que editou com 16 anos), Lorde cresceu e fez crescer o ânimo com coreografias, interações e muitos diálogos com o público.

“Esta é a primeira vez que estou no Porto”, referiu a artista, “e vocês são um público excelente, já tinha saudades de ser recebida assim”.

Numa explosão de energia, que fez Lorde e o público saltar e dançar em simultâneo, os destaques foram para os seus mais recentes êxitos, como Homemade Dynamite e The Louvre. E houve espaço para um momento mais intimista.

Sentada à beira do palco, num registo descomplexado, Lorde falou cara a cara com os fãs. Inseguranças, medos, incertezas e desânimos da vida de um jovem. “Eu sei que é difícil”, referiu a artista. Tudo isto para introduzir, a metade do espetáculo, uma balada ao som do piano: Liability, uma música sobre a solidão e sobre o amor próprio.

“Eu sei que foi muito tempo a reprimir esses sentimentos, mas soltem-nos agora, dancem.” E o público cumpriu. Para ajudar, Ella (o seu nome próprio) desceu do palco em direção aos fãs, que tiveram oportunidade de ter contacto direto com a cantora.

Sem esquecer os hits Royals e Team (que foram cantados numa só voz com o público), o epílogo trouxe ao palco Green Light, o grande êxito do seu álbum mais recente. E em tons de verde acabou o festival dentro do festival.

E o fôlego? Precisava de ser recuperado. E que o dissesse Beatriz Chaveiro e Miguel Alexandre, dois jovens lisboetas que vieram de propósito da capital para compensar a oportunidade perdida de 2014. “Foi divinal, trouxe o álbum mesmo ao mundo real”, comentou Miguel. “Só tenho pena que tenha acabado assim, já estão ali a desmontar o palco”, lamentou Beatriz.

“Além do facto de as músicas dela serem altamente fáceis de relacionar, acho que ela é uma artista pop extremamente completa e bastante madura para a idade – acho que é muito vanguardista”, explicou o jovem. Talvez por isso Miguel tenha vertido “uma lágrima ou mais do que uma” durante o momento emocional da noite. E agora é esperar que Lorde cumpra a promessa e regresse a Portugal o quanto antes.

A correr colina acima estava quem não queria perder um dos outros grandes nomes da noite – e do festival – Tyler the Creator. Num mar de gente ainda maior que no concerto de Father John Misty o público pareceu querer vingar o cancelamento da vinda do ex-membro dos Odd Future ao Super Bock Super Rock no ano passado.

Com o californiano como capitão, o público navegou pelo mundo do hip-hop segundo a sonoridade de Flower Boy, o seu mais recente álbum. E que melhor forma de o fazer senão com vários mosh pits em que o público, sincronizadamente, deixava fluir a música?

De calções e colete refletor, em tons de amarelo, Tyler mostrou a sua faceta agressiva e de celebração. Tamale, See You Again e Who Dat Boy foram alguns dos sucessos mais esperados. “Só faltou A$AP Rocky aparecer”, queixou-se Leonor Teixeira que foi ao concerto com a amiga Maria Luís, a verdadeira fã de hip-hop. “Gosto da energia e, da mensagem do hip-hop, porque as pessoas pensam que é só violência, mas, por exemplo, o Tyler não tem nada a ver com isso” realça Maria.

E como são os mosh pits em concertos como este? Para Maria são obrigatórios, mas para a amiga “neste havia demasiados braços na minha cabeça”, porque “são muitos homens e muito altos”. Mas nem isto impede Maria e Leonor de marcarem presença no festival, esta sexta-feira, outra vez, para verem (finalmente) A$AP Rocky subir ao palco. O rapper americano vai atuar à 00h45, no palco NOS.

No segundo dia do festival as portas voltam a abrir às 16h00. Pelos vários palcos do Primavera Sound vão passar vários artistas, incluindo Grizzly Bear, no palco SEAT, às 20h50; Vince Staples, no palco NOS, às 22h15; Unknow Mortal Orchestra, no palco Pitchfork, à 01h00.

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro