Após uma primeira versão no continente sul-americano, o Campeonato do Mundo seguiu para a Europa. Desde logo levantaram-se duas candidaturas à organização do evento de 1934: a Suécia pretendia multiplicar fontes de receita, ao passo que a Itália buscava mostrar ao mundo o país que estava a construir. Os nórdicos retiraram-se, deixando a competição no auge do regime fascista comandado por Benito Mussolini. Como seria de esperar, o primeiro-ministro italiano não poupou esforços para que a empreitada fosse bem-sucedida – um pouco à semelhança do que faria Adolf Hitler nos Jogos Olímpicos de 1936. Foi, por assim dizer, um jogador invisível.

Antes de mais, fez da conquista do cetro mundial um dever para a nação transalpina. Nem que para tal fosse preciso agregar jogadores de outras nacionalidades. De facto, a “Squadra Azzurra” passou a integrar filhos de emigrantes italianos, como os argentinos Attilio Demaría, Enrique Guaita, Luis Monti e Raimundo Orsi, mais o uruguaio Miguel Andreolo e o brasileiro Anfilogino Guarisi. Como se não bastasse, enviava telegramas aos jogadores na véspera de cada jogo e escolhia a dedo os árbitros.

O Mundial de 1934 foi o primeiro a compreender uma fase de apuramento. Também foi a única edição a não incluir o campeão em título. O Uruguai retaliou, porque várias seleções europeias não viajaram até Montevidéu quatro anos antes. O Reino Unido autoexcluiu-se. Já o Egito tornou-se no primeiro representante africano em fases finais. O torneio foi disputado entre 16 países pelo método de eliminação direta. Ou seja, as derrotas inaugurais significaram que Argentina, Brasil e Estados Unidos viajaram meio mundo para fazerem um só desafio.

Os italianos começaram por afastar os Estados Unidos. Depois eliminaram a Espanha, num inédito jogo de repetição em que o árbitro foi protagonista. Nas meias-finais caiu a Áustria de Hugo Meisl, que orientava a “Equipa Maravilha”, internacionalmente conhecida por “Wunderteam”. Na final, a Itália derrotou a Checoslováquia por 2-1 em tempo extra. Estavam anuladas as promessas de morte assinadas pelo governo transalpino. Mussolini podia respirar fundo.

Quatro anos depois o Campeonato do Mundo carregou-se de tensão geopolítica. Às portas da Segunda Guerra Mundial, a terceira edição da prova voltou-se a realizar na Europa. A ideia de rotatividade na organização da prova caiu, precipitando boicote generalizado do outro lado do Atlântico. Brasil e Cuba foram os únicos representantes latino-americanos.

Ora, o Campeonato do Mundo de 1938 foi um torneio quase exclusivamente europeu. Mas não à medida de todos. Se os nazis procuravam afirmar a supremacia da Alemanha, que tinha acabado de anexar a Áustria contra a vontade anglo-saxónica, a Espanha mostrou-se incapaz de competir devido à sua guerra civil. Por sua vez, a Itália vivia momentos de supremacia futebolística. Ao Mundial ganho em casa a “Squadra Azzurra” tinha amealhado o ouro olímpico de 1936. Em França, a equipa voltou a ser capitaneada por Giuseppe Meazza e treinada por Vittorio Pozzo, percursor do 2-3-5 herdado da “Wunderteam”.

Os transalpinos encararam um ambiente hostil, mas foram afastando Noruega, França – que jogava em casa – e Brasil até defrontarem a Hungria na final. Embora Pál Titkos e György Sárosi tenham marcado para os magiares, os bis de Silvio Piola e Gino Colaussi permitiram aos “Azzurri” fazerem a primeira dobradinha mundialista. Pozzo ficava na história como o único treinador bicampeão em Mundiais. Um mestre do futebol, embora ofuscado pela influência fascista.

Só a emergência do conflito internacional pôde interromper o ciclo vitorioso de Itália, uma vez que não foram realizados os Campeonatos do Mundo de 1942 e 1946. O país da bota teve de esperar 44 anos para voltar ao trono do futebol de seleções. Ainda assim, já tinha fundado um estatuto na modalidade. Com ou sem ditador algum para atazanar.

“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.