Raras vezes um palco foi tão dominado por um só ator, como aconteceu com Diego Armando Maradona no Mundial de 1986. Considerado por muitos o melhor futebolista de todos os tempos, “El Pibe” teve em solo mexicano o ponto mais alto da carreira. Por aquela altura já tinha saído para Nápoles, com o intuito de transformar uma pequena equipa de província em campeã italiana.
Na seleção argentina, o médio colecionava internacionalizações desde 1977 e uma convocatória para o Campeonato do Mundo de Espanha em 1982. Perante imensas críticas, Maradona recebeu a braçadeira de capitão na antecâmara do torneio de 1986. Foi aí que começou a ditar as regras do manual projetado pela técnico Carlos Bilardo. A Argentina começou a prova com uma vitória por 3-1 sobre a Coreia do Sul – o número dez assinou três assistências para os golos de Jorge Valdano e Oscar Ruggeri. No jogo seguinte marcou o tento argentino no empate a uma bola contra a campeã Itália. O triunfo por 2-0 diante da Bulgária confirmou o primeiro lugar do grupo A e o cruzamento com o Uruguai nos oitavos. A “Albiceleste” eliminou a “Celeste” pela margem mínima, precipitando um dos encontros mais históricos dos compêndios mundialistas.
Argentina e Inglaterra iam debater-se na Cidade do México por uma presença nas meias-finais. Era a primeira vez que as duas nações se enfrentavam após a Guerra das Malvinas. Situado na parte meridional do Oceano Atlântico, aquele arquipélago é considerado desde 1833 um território britânico ultramarino. Só que em 1982 tornou-se objeto de conflito armado entre ingleses e argentinos, pelo facto de estes últimos reivindicarem as Malvinas como parte integral e indivisível da sua geografia. Dois meses e cinco dias de guerra não modificaram o cenário de partida, mas resultaram em quase 900 mortes.
Em termos futebolísticos, a rivalidade entre as duas seleções tinha criado raízes no Mundial disputado em Inglaterra. O ambiente foi replicado na capital mexicana, fazendo com que as autoridades locais patrulhassem as redondezas do Estádio Azteca. A primeira parte terminou sem golos e com domínio territorial sul-americano. No início da etapa complementar, Maradona precisou de cinco minutos para ser capaz do pior e do melhor.
Corria o minuto 51 quando o número dez combinou com Jorge Valdano nas imediações da área adversária. Steve Hodge, tentando intercetar a jogada, chutou a bola pelo ar na direção da baliza britânica. Diego correu até junto de Peter Shilton, saltou vinte centímetros mais alto que o guarda-redes e empurrou a bola com o punho esquerdo cerrado. Os ingleses, comandados por Bobby Robson, protestaram com o árbitro tunisino Ali bin Nasser, mas em vão. “Com a mão? Saltei mais alto que o guarda-redes e foi golo. Mão? Não sei… quem sabe se não foi a mão de Deus”, soltou Diego à imprensa depois do jogo, enquanto se ria descaradamente. Estava consumado um dos golos mais polémicos de sempre, que ficou distinguido como “La Mano de Dios”.
Aos 56’, Maradona soltou a veia artística para materializar outro momento célebre. A Argentina trocava passes no seu meio-campo quando Maradona solicitou o esférico. O médio recebeu de costas para a defesa contrária e, numa correria de 60 metros em doze segundos, desfez-se de quatro adversários para driblar Shilton e depositar a bola na baliza inglesa. “Fiz a jogada para dar a bola ao Valdano, mas quando cheguei à área, fiquei cercado e não tinha espaço. Por isso tive de continuar a jogada e terminá-la sozinho”. Numa conjugação de habilidade, raciocínio e inspiração, o “Golo do Século”, como veio a ser designado em 2002, serviu para coroar “D10s” como o melhor jogador do Mundial mexicano.
A tardia aparição de Gary Lineker, artilheiro-mor do Mundial 1986, só serviu para maquilhar o resultado. Enquanto a Argentina caminhava a passos largos para voltar à final de um Campeonato do Mundo, Maradona transformava o duelo com os ingleses numa questão política. “Embora tivéssemos dito antes do jogo que o futebol não tinha nada a ver com a guerra das Malvinas, sabíamos que os ingleses tinham matado muitos argentinos lá. Só pensei na minha mãe, nos que me querem e, acima de tudo, no orgulho de ser argentino e ganhar à Inglaterra. Foi vingança”, atirou “El Pelusa”, para desespero dos ingleses.
Um bis do centrocampista sobre a Bélgica atirou a “Albiceleste” para o jogo decisivo com a Alemanha Ocidental. Numa edição marcada pelo bom futebol, a final não defraudou as expectativas. Aos 55 minutos, os argentinos chegaram ao 2-0 por intermédio de José Luis Brown e Jorge Valdano. A resposta germânica apareceu pelo pé direito de Karl-Heinz Rummenigge e pela cabeça de Rudi Völler. O prolongamento parecia inevitável, até ao minuto 83: depois de passe fabuloso de Maradona, Jorge Burruchaga fez o 3-2 final.
“D10s” estava no auge quando, quase sozinho, ofereceu o segundo título mundial à “Albiceleste”. Do céu viria a descer ao inferno em pouco tempo. Ainda assim, as polémicas extrafutebol não o impediram de jogar mais de dois Mundiais e de aparecer noutro, como selecionador nacional. Momentos de celebração universal do único jogador que foi mais importante do que a bola, qual palmo e meio de talento sobrenatural.
“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.