Por muito que sejam vizinhos, Áustria e Suíça cresceram em contextos díspares. Enquanto Viena foi invadida e anexada pelo Terceiro Reich da Alemanha Nazi, Berna preferiu conservar posições neutrais face à geopolítica mundial. Uma vez que foi dos poucos países europeus não afetados pela Segunda Guerra Mundial, a Suíça albergou a quinta edição do Campeonato do Mundo, em 1954.

Na fase de grupos, a anfitriã venceu a Itália (2-1) e perdeu frente à Inglaterra (0-2). Devido à igualdade pontual com os transalpinos foi necessário um jogo de desempate, que redundou em novo triunfo (4-1). Nos quartos de final, a seleção helvética encarou a Áustria, que passou incólume pela fase de grupos com vitórias sobre Escócia (1-0) e Checoslováquia (5-0). A eficácia ofensiva dos visitantes dava-lhes um maior favoritismo face à precisão defensiva dos visitados. Previa-se um jogo animado, mas sem que houvesse golos em profusão.

Pois bem, num jogo realizado em Lausana perante cerca de 35 mil espetadores, a Áustria derrotou a Suíça por 5-7. Os 12 golos marcados construíram o estatuto de jogo mais produtivo na história dos Mundiais. Os anfitriões venciam por 3-0 aos 19 minutos, com golos de Robert Ballaman e Josef Hügi, que bisou. Nem o mais fanático adepto helvético esperava um começo tão perfeito. Mas o que viria depois seria ainda mais surpreendente.

A resposta dos austríacos começou a ser desenhada a partir dos 25’ e foi simplesmente arrasadora: cinco golos em dez minutos. Theodor Wagner e Robert Körner bisaram, enquanto Ernst Ocwirk colocou a “Das Team” a liderar pela primeira vez a contagem. Nunca uma seleção tinha recuperado de uma desvantagem de três golos no Campeonato do Mundo. Antes do intervalo, Ballaman reduziu para a Suíça e Alfred Körner desperdiçou uma grande penalidade para a Áustria. Os dois países iam para os balneários com 4-5 no marcador.

A etapa complementar foi menos agitada, mas continuou recheada de espetáculo. Wagner e Hügi protagonizaram hat-tricks, antes de Erich Probst finalizar o resultado em 5-7 aos 76 minutos. Pelo caminho, Roger Bocquet entrou em colapso. O capitão helvético já necessitava há muito de uma cirurgia que resolvesse um tumor no cérebro. Contrariando todas as recomendações médicas, esteve presente no Mundial 1954, temendo que aquelas fossem as suas últimas partidas. Depois do torneio, Bocquet foi operado e viveu mais quarenta anos.

A partida é conhecida pelo seu nome em alemão, “Hitzeschlacht von Lausanne” (em português significa “A Quente Batalha de Lausana”), devido aos 40ºC de temperatura e aos 80% de humidade em que foi disputada. De facto, a meteorologia ajudou a explicar parte desta avalanche de golos. É que o guarda-redes austríaco sofreu insolação no primeiro tempo e não foi autorizado a ser substituído, de acordo com as regras então vigentes. Isso influenciou naturalmente o seu desempenho, fazendo uma singela figura de corpo presente vestido com longos e pesados tecidos negros.

Já depois de ter sofrido cinco golos, Kurt Schmied desmaiou ao intervalo e passou toda a segunda parte a ser assistido à socapa atrás da sua baliza, com esponjas embebecidas aprontadas pelo preparador físico austríaco. O guarda-redes continuou em campo agarrado ao poste, até que soasse o apito final. Aí perguntou a um companheiro quem tinha vencido, desmaiou novamente e foi hospitalizado.

Ao longo da partida, o calor apertou enquanto o fôlego minguava. A Suíça estava desgastada fisicamente por ter disputado um jogo de desempate, ao passo a Áustria seguiu para as meias-finais num estado semelhante. Viria a ser goleada (6-1) pela Alemanha Ocidental, antes de terminar o Mundial 1954 no terceiro lugar, com vitória (3-1) sobre os detentores do título: o Uruguai. Depois daquela medalha de bronze, nunca mais a Áustria conseguiu ir tão longe num campeonato do Mundo.

“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.