Penálti. Substantivo masculino entroncado no dicionário futebolístico. Segundo o dicionário online Priberam, o termo é descrito como “um castigo aplicado contra uma equipa por uma falta cometida por um dos seus atletas dentro da grande área e que corresponde ao direito a um remate que pode ser defendido apenas pelo guarda-redes”. A definição esquece, contudo, o recurso aos penáltis quando é necessário desempatar uma eliminatória.

Durante os primórdios do futebol moderno, as partidas que chegavam igualadas ao fim do prolongamento eram decididas pelo lançamento da moeda ou com recurso a um jogo suplementar. Assim aconteceu até ao final dos anos sessenta, quando a FIFA se propôs discutir as grandes penalidades como forma inovadora de desempate. O novo método só havia sido testado em competições de menor dimensão e passou a ser definitivamente implementado a partir de 1970. Oito anos depois foi introduzido no Campeonato do Mundo, mas só em 1982 passou da teoria da ação – a Alemanha venceu a França por 5-4 e apurou-se para o jogo decisivo do Mundial de Espanha.

De 1978 até 2014 foram disputados 134 jogos a eliminar nas fases finais. 46 foram resolvidos em tempo extra. 26 necessitaram do desempate através da marca dos onze metros, sendo que dois deles corresponderam às finais de 1996 e 2006. Participaram 26 países nesta saga mundialista das grandes penalidades. A Argentina é a seleção mais assídua (duas vezes em 1990, 1998, 2006 e 2014). A Alemanha totaliza o maior número de vitórias (1982, 1986, 1990 e 2006).

De um total de 240 penáltis cobrados, a taxa de conversão situa-se nos 70,8%. Uns defendem que é tudo uma questão de treino. Outros preferem sobrevalorizar o lado emocional do atleta, sem desprezar por completo alguns resquícios de fortuna. Seja como for, nem todas as seleções conseguem atingir os mesmos níveis de conforto durante a execução do castigo máximo. Os ingleses que o digam.

A seleção dos três leões vive aterrorizada com as grandes penalidades. O resultado é quase sempre um negativo, não importa as vezes que aconteça. Ao todo, a seleção principal de Inglaterra já teve de ir sete vezes às grandes penalidades para decidir uma eliminatória em provas internacionais. Só triunfou numa ocasião: nos quartos de final do Euro 1996, precisamente organizado pela pátria-mãe do futebol, com um 4-2 à Espanha. Terry Venables era o selecionador inglês, numa equipa em que pontificavam nomes como Alan Shearer, Paul Gascoigne ou Steve McManaman.

Agora, venham de lá os fracassos – três vezes em Campeonatos do Mundo (1990, 1998 e 2006) e outros tantos em Campeonatos da Europa (1996, 2004 e 2012). A sina começou nas meias-finais do Mundial de Itália, em 1990. A Alemanha bateu a Inglaterra por 3-4 nos penáltis, após tentos de Andreas Brehme e Gary Lineker no tempo regulamentar. Os germânicos converteram quatro pontapés, ao passo que Bodo Illgner defendeu com o pé direito o remate de Stuart Pearce e Chris Waddle atirou por cima. Começava aqui uma série que, 28 anos depois, parece não ter fim à vista.

O filme repetiu protagonistas e desfecho em 1996 (5-6 a favor da “Die Mannschaft”). Dois anos depois seguiu-se a queda aos pés da Argentina. Os sul-americanos começaram a ganhar, mas um grande golo de Michael Owen colocou os britânicos a vencer por 2-1. A equipa de Daniel Passarella reagiu e Javier Zanetti fez o empate em cima do intervalo. O marcador não voltou a alterar-se em Saint-Étienne, mesmo com David Beckham expulso desde os 47’ por agressão a Diego Simeone. Foi preciso ir à lotaria dos onze metros, onde Carlos Roa deteve mais um remate que David Seaman e apurou (3-4) a “albiceleste” para os quartos de final do Mundial 1998.

No novo século, Portugal assumiu-se como um dos principais responsáveis por este trauma à moda inglesa, ao ter afastado a seleção dos três leões nos quartos de final do Europeu 2004 e do Mundial 2006. No primeiro ato, concebido no Estádio da Luz, Ricardo tirou as luvas, defendeu uma grande penalidade e ainda foi à marca dos onze metros rematar para o fundo das redes. Os lusos venceram por 5-6. Dois anos depois, o guarda-redes das quinas não precisou de tirar as luvas para voltar a bater Inglaterra (1-3) e ser o único guarda-redes a defender três penáltis (Lampard, Gerrard e Carragher) num único desempate em Mundiais. O ramalhete ficou completo em 2012, com derrota por 2-4 frente à Itália.

Restringindo a performance ao Campeonato do Mundo, os três leões saíram derrotados dos três desempates em que entraram. A Itália é o país com registo mais aproximado: perdeu em 1990 e 1994, tendo ganho a final do Mundial 2006 à França através dos onze metros. Como se não bastasse, a Inglaterra só conseguiu converter metade das 14 grandes penalidades que já dispôs. Tudo somado, marcaram Alan Shearer, David Platt, Gary Lineker, Michael Owen, Owen Hargreaves, Paul Merson e Peter Beardsley. Já Chris Waddle, David Batty, Frank Lampard, Jamie Carragher, Paul Ince, Steven Gerrard e Stuart Pearce erraram o alvo.

Porém, desengane-se quem pensa que esta saga fica resumida ao escalão sénior. Trata-se, aliás, de uma problemática comum às diversas seleções inglesas. Os sub-21 já foram eliminados por penáltis nos Europeus da categoria de 2007 e 2017. Por sua vez, a equipa de futebol feminino também sucumbiu da marca dos onze metros no Euro de 1984 e no Mundial de 2011. Por precaução, antes da viagem para o Mundial russo, a federação inglesa implementou um projeto que aumentasse a taxa de sucesso na marcação de penalidades. A ideia é “encorajar os jogadores a demorarem o tempo que acharem necessário antes de bater o penálti”, constata o diretor Dan Ashworth.

O trauma intensificou-se nos últimos tempos porque o atual selecionador, Gareth Southgate, tem cadastro de cobranças erradas ao mais alto nível. Foi ele quem desperdiçou o penálti decisivo frente aos alemães nas meias-finais do Euro 1996. Ora, a imprensa local nem esperou pelo arranque do Mundial 2018 e fez uma lista com alguns jogadores que deverão ser chamados à conversão do castigo máximo, caso a Inglaterra precise dessa via para triunfar em solo russo. Harry Kane lidera as apostas feitas pelo jornal “Daily Mirror”, já que acertou 21 em 27 penáltis convertidos na sua carreira. Na cauda estão nomes como Eric Dier, Harry Maguire, John Stones, Kieran Trippier ou Kyler Walker. Tudo porque nunca bateram penalidades em jogos oficiais.

“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.