Vinte anos depois do primeiro título planetário, coube à Alemanha Ocidental receber a décima edição do Campeonato do Mundo. No campo a “Mannschaft” apresentava um conjunto baseado em dois blocos: o do Bayern de Munique (campeão europeu de 1973 a 1976) e do Borussia Mönchengladbach (tricampeão germânico entre 1974 e 1977). Da sua junção, dois anos antes, tinha resultado a seleção que vencera com autoridade o Europeu da Bélgica.

Ao mesmo tempo, consolidava-se uma das maiores potências do jogo, a Holanda. O país voltava ao Mundial após 36 anos de ausência, desde a sua segunda participação, em 1938. Em território alemão apareceu de cara lavada, envergando um laranja berrante que celebrizaria a última grande revolução tática no futebol. A imprensa chamou-lhe “futebol total”. Rinus Michels, que entrou para o comando técnico três meses antes do torneio, idealizou a reunião coletiva do talento individual. Para isso articulou os modelos distintos de Ajax (tricampeão europeu no começo dos anos setenta) e Feyenoord (portador de quatro títulos continentais), colocando 22 almas a pensar o jogo da mesma forma.

No relvado, o capitão Johan Cruyff era o cabecilha de onze futebolistas irrequietos dispostos num tradicional 4-3-3. O maestro perfeito de uma das mais inovadoras orquestras da história do jogo, que se perpetuou sob a alcunha de “Laranja Mecânica”. O equilíbrio tático era fundamental numa equipa montada através da desmultiplicação de tarefas entre executantes. Qualquer um estava autorizado a exceder o seu habitual raio de ação, desde que tivesse um companheiro capaz de compensá-lo automaticamente.

O futebol atrativo justificava o favoritismo holandês ao cetro mundial. A Alemanha Ocidental, a jogar perante o seu público, apresenta-se como único adversário à altura, mesmo protagonizando um arranque adormecido. Se a Holanda passeou na primeira fase, a RFA sofreu para bater Chile e Austrália. Pelo meio, sofreu um golpe na autoestima perante a vizinha República Democrata Alemã. “A derrota com a RDA foi a batalha de Waterloo da Alemanha Ocidental”, admitiu o capitão Franz Beckenbauer. Jürgen Sparwasser desfez a diferença no marcador e tornou-se figura mítica a leste do Muro de Berlim.

As duas Alemanhas avançaram na prova, mas experimentaram sortes distintas. A RFA ultrapassou Jugoslávia (2-0), Suécia (4-2) e Polónia (1-0) para carimbar a passagem à final. Do outro lado da tabela, a RDA sucumbiu aos pés da Holanda (0-2), que goleara a Argentina (4-0) e mandaria o Brasil de volta a casa (2-0). Estava confirmado o tão aguardado confronto decisivo.

No Olímpico de Munique, a geopolítica mundial voltava à tona por causa da bola. Vítimas da Segunda Guerra Mundial, os holandeses estavam dispostos a humilhar os alemães no seu reduto. Aliás, prova disso é que Willem van Hanegem, que perdeu inúmeros familiares durante a ocupação nazi, recusou participar no banquete posterior à final.

A máquina de Rinus Michel arrancou a todo o gás. Uma série de quinze passes encadeados após o pontapé de saída terminaram com Cruyff derrubado na área germânica. Neeskens converteu o penálti e assinou o golo mais rápido de todas as finais. A RFA via-se a perder antes de ter sequer tocado na bola. Estavam decorridos apenas 56 segundos de jogo. A partir daí, acusando a importância do momento, a Holanda hesitou entre o controlo do resultado ou a extensão da vantagem.

Os germânicos reagem de forma implacável e dão a cambalhota antes do intervalo. Aos 25 minutos, Hoelzenbein cai na outra área e o inglês Jack Taylor aponta para a marca de grande penalidade. Paul Breitner bate Jan Jongbloed e restabelece o empate. Até que aos 43’, o instinto de predador de Gerd Müller encerra o marcador. A Holanda dispôs de duas oportunidades soberanas na etapa complementar, ambas travadas por Sepp Maier.

Depois de perder a final de 1966 e ter ficado em terceiro no Mundial do México, Beckenbauer ergue finalmente a taça de campeão do mundo – um novo troféu banhado de ouro, que veio substituir a Jules Rimet. Tal como se passou em 1954 diante da Hungria, a Alemanha Ocidental ficava nos livros como desmancha-prazeres de outra das melhores seleções da história.

Pela vitória no Mundial, cada jogador alemão recebeu 50 mil dólares. Os holandeses auferiram o dobro, mas, acima de tudo, garantiram o respeito eterno de todos os que assistiram àquele vendaval de ataque. Aos 27 anos, tendo no bolso o troféu de melhor futebolista do Mundial 1974, Cruyff gravava para sempre o número catorze na memória dos adeptos. Nunca mais voltou ao Campeonato do Mundo, mas corporizaria, como jogador, treinador e teórico, a face revolucionária do futebol.

“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.

Artigo editado por Filipa Silva