França e Alemanha Ocidental chegaram às meias-finais do Mundial de Espanha em estados de graça contraditórios. Por um lado, os gauleses, liderados por Michel Platini, souberam recuperar da derrota inaugural com a Inglaterra para encetar uma série de quatro jogos sem perder. Em sentido inverso, os germânicos tinham acabado de afastar a anfitriã do torneio, já depois de terem granjeado polémica na primeira fase.

Quando República Federal Alemã e Áustria entraram em campo para a derradeira partida do seu grupo sabiam de antemão que uma vitória alemã por um ou dois golos apurava os dois países europeus. Mal a “Mannschaft” agitou o marcador, gerou-se um cessar-fogo aparentemente premeditado. A Argélia, que tinha batido a Alemanha no primeiro jogo, acabaria eliminada de forma controversa.

Para compensar, os germânicos ainda foram a tempo de integrar o jogo com mais emoção do Campeonato do Mundo de 1982. Setenta mil adeptos pintaram as bancadas do Ramón Sánchez Pizjuán, em Sevilha para assistir ao duelo entre RFA e França. Mal o juiz holandês Charles Corver deu o apito inicial, começava a caça a um dos melhores jogos da história do futebol, somente três dias depois da queda da melhor versão brasileira aos pés da Itália.

Mesmo com Karl-Heinz Rummenigge sentado no banco por problemas físicos, a Alemanha arrancou a todo o gás. Pierre Littbarski começou a mexer no marcador aos 17’, depois de uma primeira investida de Klaus Fischer travada pelo guarda-redes Jean-Luc Ettori. A resposta dos “Bleus” demorou dez minutos e foi escrita sob a forma de grande penalidade, como mandam as regras: Harald Schumacher para um lado, esférico para o outro. Platini igualava as contas e o resultado não se desfez até ao intervalo.

Para a segunda parte, Michel Hidalgo refrescou a equipa francesa com a entrada de Patrick Battiston. Azar dos azares, o defesa do Saint-Étienne só esteve singelos sete minutos em campo. Platini tinha a bola colada ao pé e bastou levantar a cabeça para ver Battiston a aproveitar o espaço concedido pelos centrais germânicos, Manni Kaltz e Stielike. A bola seguiu em profundidade com conta, peso e medida. Schumacher deixou a baliza a alta velocidade, mas não evitou que o adversário tocasse primeiro. O remate saiu fraco e ao lado, mas por esta altura já o guarda-redes alemão tinha atropelado o adversário dentro da área.

O choque foi tão violento que Battiston ficou inconsciente no relvado, tendo ainda perdido dois dentes e fraturado três costelas. Platini abria os braços para o árbitro, enquanto os franceses pediam assistência com urgência. Anos depois, o médio francês assumiu ter pensado que o defesa estava sem vida: “Ele não tinha pulso. Estava tão pálido”. O defesa foi levado depois de maca e transportado diretamente para o hospital. Schumacher permanecia impávido e sereno, à espera de autorização para marcar o pontapé de baliza. Saiu completamente ileso do lance e sem qualquer sinal de arrependimento, para indignação da bancada sevilhana.

“Eu sabia que o guarda-redes ia sair. Eu vi-o mas era tarde de mais. Eu estava desesperado para marcar”, afirmou Battiston em entrevista à página oficial da FIFA, assumindo não ter muitas recordações daquele lance. “Eu saí da baliza e o Patrick vinha a correr em direção a mim. Eu tinha os meus braços, pernas e joelhos bem abertos e saltei na sua direção. Virei-me para que o impacto não fosse tão forte”, relatou Schumacher à mesma plataforma.

O jogo só voltaria a ter golos no prolongamento. A França chega ao 3-1, com golos de Marius Trésor (92’) e Alain Giresse (98’). Foi a gota de água para o técnico alemão Jupp Derwall, que colocou a carne toda no assador ao fazer entrar Rummenigge. Mesmo com uma lesão na coxa, o dianteiro do Bayern de Munique não fez por menos e cinco minutos depois já tinha recolocado a Alemanha na discussão do resultado (102’). Klaus Fischer empataria aos 108′ num pontapé acrobático e precipitava o primeiro desempate por penáltis da história dos Mundiais.

Giresse marca o primeiro, mas Didier Six e Maxime Bossis falham, e Hrubesch não perdoa, fechando a contabilidade dos remates dos onze metros em 5-4. A RFA seguia para final, na qual seria vergada pela Itália de Paolo Rossi (3-1). Já a França, que se consagrará campeã da Europa dois anos mais tarde às custas de Portugal e Espanha, ficou afastada do pódio do Mundial 1982, ao perder com a Polónia (1-0) no jogo de atribuição do terceiro e quarto lugares.

“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.

Artigo editado por Filipa Silva