O papel dos professores mudou e é tempo de encaixar a mudança. Para Hillary Hart, a mensagem da pedagogia moderna é clara: se o paradigma do ensino estava centrado na figura do professor, hoje o epicentro é o aluno e isso significa alterações na forma como é transmitido o conhecimento nas escolas.
A docente norte-americana sabe do que fala. Há dois anos que dirige o Faculty Innovation Center (FIC) na Universidade do Texas em Austin que tem por missão aproveitar os avanços tecnológicos e pedagógicos mais recentes para aplicá-los ao ensino, com o objetivo último de melhorá-lo.
Mas há resistência, muita resistência, mesmo do lado de lá do Atlântico. “O que ressalta da nova pedagogia [essencialmente pós-anos 2000] é que o papel dos professores mudou. O vosso papel principal passou de transmissores de conhecimento, do especialista que debita o seu profundo conhecimento na mente dos estudantes, para um facilitador da aprendizagem”, disse a docente aos presentes numa palestra dada esta semana na Universidade do Porto, integrada no Digital Media Summer Institute.
“Quando digo isto no FIC, muitos deles não gostam mesmo nada. Não gostam da expressão. ‘O que é que queres dizer com facilitador? Eu sou um professor, tenho conhecimento do conteúdo que tem de ser passado aos alunos para que eles aprendam os princípios básicos da Química ou da nossa História’. E isso é verdade. Mas a questão é como é que isso se faz e como é que colocamos os estudantes mais ativamente envolvidos na sua própria educação e aprendizagem”, acresentou a docente que está em Austin há mais de 30 anos.
Gerar motivação, diz, é fundamental. Promover a autonomia, a capacidade de reflexão e o envolvimento do aluno, também. Apostar no ensino experimental e transdisciplinar tem resultados demonstrados na fixação de conhecimento e o desenvolvimento de competências transversais. E, pelo caminho, podem e devem ser usadas as ferramentas digitais mais simples (e muitas delas gratuitas) para ir ao encontro do aluno.
No final da sessão, o JPN entrevistou a docente, que orientou também uma formação em “Adoção de Media Digitais para a Aprendizagem” no âmbito do mesmo programa de verão do Media Innovation Labs da Universidade do Porto.
O que é o FIC, o que é que ele faz e desde quando existe em Austin?
O Faculty Innovation Center é, na verdade, o herdeiro do que era o Centro para o Ensino e a Aprendizagem da Universidade do Texas em Austin. Fomos a segunda universidade dos Estados Unidos, há 40 anos já, a ter um Centro para o Ensino e a Aprendizagem. A que se dedica? A missão deste grupo foi mudando ao longo do tempo e há dois anos, quando fui contratada para o lugar, pareceu ser a altura de dar um passo em frente e começar, realmente, a dizer à universidade: “Ok, esta é a realidade dos estudantes e nós achamos, de facto, que vocês deviam ir ao encontro deles”. E isso não é dizer: ‘vamos fazer tudo o que os estudantes quiserem’. Eu acredito que há ferramentas pedagógicas com resultados provados, que desde que sejam usadas com inteligência – e há uma série delas no mercado – são simples, mas funcionam. Por outras palavras, era tempo de sermos mais inovadores no nosso ensino.
Pode dar alguns exemplos de iniciativas que estejam a ter lugar em Austin com essa preocupação de inovação?
Mais aulas online do que tínhamos antes. Os meus colegas disseram-me “Oh, eu não quero dar aulas online”. Eles achavam que tinham de fazer um MOOC [Massive Open Online Course]. Que teria de ser um MOOC ou nada. E resistiram muito.
E não é o caso?
Não. Já não se fazem muitos MOOC atualmente, porque não funcionam tão bem quanto pensavamos que funcionariam. Se for um tópico realmente interessante…
Mas há quatro ou cinco anos as universidades mais prestigiadas falavam de forma muito entusiástica dos MOOC. Qual é a realidade agora?
Eu não sei qual é o estado da arte. Sei que recuamos nos nossos, isso de certeza. Há alguns que fazem dinheiro. Há alguns que os professores aproveitaram até para fazer pequenos negócios em torno deles, porque têm os tais tópicos realmente interessantes. Por exemplo, o [professor] Michael Webber, que é um especialista da área da energia – e sabemos que as alterações climáticas trouxeram assuntos destes para a ordem do dia – ele conseguiu cobrar um valor residual, não muito, mas conseguiu. Recorde-se que os MOOC eram inteiramente gratuitos inicialmente, mas isso não é sustentável a longo prazo. Não vão abrir novos porque as universidades os estavam a financiar. Harvard estava a financiar uma centena de MOOC. Não era sustentável e se Harvard não o consegue suportar, ninguém pode.
Então voltemos às coisas práticas que os professores podem fazer nas aulas para aproveitar os media digitais no ensino.
Então, eu iria às aulas híbridas. Era o que eu promoveria. Falo de aulas parcialmente dadas online e noutra parte dadas presencialmente. O que se coloca online é o conteúdo. Coisas para ler, vídeos para absorver informação e trabalhos para fazer. Depois, os alunos vão às aulas e fazem atividades à volta disso. Os estudantes não se sentam e ouvem muito da conversa do professor. Eles fazem atividades. Por isso, se tiverem lido um livro – imagine-se, o “Orgulho e Preconceito” para a aula de Inglês – e tiverem um trabalho associado sobre um capítulo específico, por exemplo. Depois vão às aulas, discutem-no com os pares e escrevem o seu mini paper ou algo do género. Assim, o tempo da aula é baseado em colaboração, discussão, aprendizagem com os pares, revisão pelos pares, de vez em quando alguns exercícios de avaliação, coisas que é melhor fazer presencialmente.
Falou na sua apresentação de algumas palavras-chave que associa à pedagogia moderna. Pode falar-nos disso?
Está tudo relacionado com esta mudança de paradigma: agora “centrado no estudante” e não “centrado no professor”. Está focado no aluno e em empoderar o aluno para o futuro, empoderá-lo não só para aprender o conteúdo do seu curso mas para ir além. Foi nisto que começamos a pensar, que as universidades começaram a pensar. Por exemplo, tivemos um grande estímulo há seis anos para aumentar os nossos cursos de quatro anos, para conseguir ter os alunos formados em quatro anos, porque é mais rentável… enfim. Conseguir pô-los lá fora [em menos tempo]. E, claro, temos de ter em consideração o que lhes vai acontecer quando sairem da Universidade. Na Universidade do Texas em Austin temos uma escola secundária para preparar os alunos para a universidade – podem fazer cursos duais lá e assim somar créditos mesmo antes de entrarem. E temos Ensino ao Longo da Vida. E aí é muito sobre saber como aprender, saber como recuperar informação, literacia digital. E outras coisas que não têm a ver com disciplinas em específico. São essenciais em todas as disciplinas, se quisermos empoderar os estudantes. E empoderamos os alunos dando-lhes autonomia, para tentar e falhar, para refletirem.
Não é só o curso, percebe? Há tanto tempo que os matemáticos tentam criar outros matemáticos, ou professores de Inglês que tentam criar estudantes super letrados que sabem o cânone, ou mais do que o cânone, uma especialidade. Ou seja, em larga medida, eles estão a tentar replicar-se a si próprios pelo menos os de pensamento mais antiquado. E nós estamos a tentar mudar essa direção. Fazer a universidade perceber que ela tem uma obrigação de ajudar os seus alunos a serem bem sucedidos. Não estamos a tentar fazer da universidade uma universidade para um emprego, mas que atenda a essas competências mais gerais como o pensamento crítico. Só desenvolvemos isso dando-lhes alguma autonomia, deixando-os falhar, deixando-os ir além da sala de aula. E para isso temos de os motivar também.
Porque é que acha que encontra nos professores a resistência de que falou há pouco?
Porque é difícil. Se está habituada a dar a mesma aula durante um período longo… Um dos problemas é a avaliação do ensino. Na Universidade do Texas não o avaliamos muito bem. Estamos dependentes de um inquérito aos alunos no final e devíamos estar a fazer muito mais avaliação pelos pares, observação pelos pares, de uma forma não ameaçadora. Como aos nossos estudantes. Nós também lhes pedimos para se comportarem como pares e reverem os trabalhos dos outros. Devíamos pedir o mesmo a nós.
Não deviam ter medo de o fazer…
Não, até porque é assim que surgem ideias novas. Mas se simplesmente virmos qualquer coisa online e dissermos: ‘hmm, não me apetece gastar o meu tempo para fazer isto’. [O trabalho no FIC] é um trabalho par a par. Se convencermos aqui o doutor John, e se o conseguirmos entusiasmar à volta de uma qualquer tecnologia digital, talvez ele entusiasme o doutor Smith do gabinete ao lado e aí entramos e fazemos uma demonstração ao departamento inteiro tentando fazer ainda mais pessoas entusiasmadas.