Eram amigos e tinham uma conversa recorrente. Ricardo, Tomás e Maria não encontravam na comunicação social os temas que gostavam de ver seguidos, da forma como gostavam que fossem tratados, com respostas às dúvidas e questões que queriam ver respondidas. Vai daí, decidiram: “Vamos fazer nós as perguntas”.

Enviaram emails a três personalidade públicas com a ideia de lançar um podcast de entrevistas. Convidaram Daniel Oliveira, Rui Tavares e José Pacheco Pereira. Os dois primeiros responderam e protagonizaram os dois primeiros episódios do “É Apenas Fumaça”. Estávamos em junho de 2016.

Dois anos volvidos, a equipa alargou-se – agora tem nove elementos – e os formatos dos conteúdos produzidos também, mantendo-se o áudio como meio primordial.

Este sábado, foi dado um novo passo na breve mas bem sucedida história deste projeto com a apresentação do novo nome – “Fumaça” – e de uma nova identidade gráfica já vertida no renovado site.

“Não lhe chamava desencanto”

Pedro Miguel Santos é jornalista e o atual diretor do projeto editorial. Não fez parte da equipa fundadora, mas teve uma entrada curiosa: “Entrei no projeto depois de ter sido entrevistado por eles”, conta ao JPN.

No estatuto editorial do “Fumaça” – desde a semana passada registado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social – há crítica latente ao jornalismo mainstream.

O recém-oficializado órgão refere que “não acredita em jornalismo-espetáculo”, “rejeita a lógica do entretenimento e do sensacionalismo na informação” além de que “não pratica a ditadura da rapidez”.

Novo logotipo

“Não lhe chamava desencanto”, responde Pedro Miguel Santos. “O que há é uma necessidade de reivindicar um regresso às raízes e à função do jornalismo, que é escrutinar a democracia, servir de contra-poder, questionar os mais poderosos e que é dar voz às pessoas mais frágeis e que não têm tanta voz”, completa.

Neste último capítulo, inscreve histórias como a que deu origem à “Revolta dos apanhadores de laranjas”, como batizaram um trabalho feito há mais de um ano, no Algarve, a propósito de uma greve de duas semanas de trabalhadores imigrantes.

“Quantos profissionais, quanto investimento poderia ser usado para contar histórias e fazer jornalismo de investigação de outras coisas que interessam à vida concreta das pessoas se não andássemos todos os dias atrás do Presidente da República só para ouvi-lo a fazer de comentador”, questiona.

Bolsa marcou ponto de viragem

Se em fevereiro, o projeto ganhou enorme visibilidade graças à entrevista que fizeram ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, é em abril, que o “Fumaça” dá o salto, com a conquista de uma bolsa de 80 mil euros, atribuída pela Open Society Foundation.

Com o dinheiro, arrendaram um espaço, construíram um estúdio, fizeram contratos para os membros da equipa, renovaram a identidade e o site, mas sobretudo viram alargadas as possibilidades no campo da reportagem.

“Acho que o nosso público são pessoas que estão fartas de coisas tratadas pela rama”

Assim haverá mais possibilidades para o desenvolvimento de conteúdos como a série documental que lançaram em maio, “Palestina, História de um país ocupado”, resultado de uma viagem de 10 dias à Palestina feita em setembro passado por Maria Almeida e Ricardo Esteves Ribeiro.

O trabalho resultou numa série de seis episódios, onde o conflito israelo-palestiniano é enquadrado, desde as suas origens.

“Quando falamos de profundidade e de ter tempo e espaço para dedicar a temas e áreas que não são tão faladas na comunicação social, é disto que estamos a falar”, diz Pedro Miguel Santos.

No site do “Fumaça” podemos encontrar atualidade, reportagem, opinião e entrevistas – dois podcasts distintos: o “É Apenas Fumaça” para entrevistas de fundo, vai manter-se com o nome original do projeto; e mantém-se também o “Passos Perdidos” feito com parlamentares, num projeto em parceria com o portal Hemiciclo. A estes deve juntar-se, “depois de verão”, um telejornal online, em vídeo.

A frase de Pinheiro de Azevedo, que adotaram inicialmente para o projeto, foi revista, mas o propósito mantém-se intacto: procurar fazer um jornalismo que classificam como “independente, progressista e dissidente”, num dos podcasts informativos mais ouvidos em Portugal.

Já lançaram mais de 150 episódios, dos quais resultaram 360 mil audições e recebem bom feedback de um público que, acreditam, vai para além dos mais jovens. “Acho que o nosso público são pessoas que se preocupam com determinado tipo de temas, que querem vê-los explorados em profundidade e que estão fartas de coisas tratadas pela rama”, observa Pedro Miguel Santos.

No modelo de negócio pelo qual optaram, para já, a publicidade não entra nem o financiamento de empresas privadas. Restam os donativos individuais de seguidores, que são insuficientes, pelo que o financiamento via fundações é também bem-vindo. É uma forma, dizem, de assegurar independência editorial: “A Open Society deu-nos o dinheiro, mas não diz como o devemos gastar. Não há interferência editorial e é assim que queremos continuar a trabalhar. Se algum dia vamos ter publicidade? Não sei. Neste momento não queremos ter”, conclui o diretor do “Fumaça”.