Passaram quase 200 anos desde que em 1829 William Morgan Kinsey descreveu o Porto como uma “cidade encantadora e pitoresca”, com as suas “ruas estreitas” e “casas altas” no livro “Portugal Illustrated”, mas não se estranharia se o escrito fosse do mês corrente.

A vida na cidade do Porto em nada se assemelha à vivida no século XIX, mas são muitos os exemplos de características da cidade que agora como então sobressaem do retrato que o visitante faz da Invicta.

É o que nos mostra a exposição “Porto Sentido de Fora”, patente na Mezzanine da Galeria Municipal do Porto, desde o passado dia 8. É uma exposição organizada por quatro professores da Universidade do Porto – de Letras e Belas Artes – feita a partir de livros e guias de viagem dos séculos XIX e XX publicados no estrangeiro.

O elogio à mulher do Porto

De um conjunto de mais de 300 livros – maioritariamente da coleção particular de Vasco Ribeiro, da FLUP, mas também do acervo da Biblioteca Municipal do Porto – extraíram-se frases, gravuras, fotografias e ilustrações que mostram como a cidade era vista por quem a visitava.

São esses excertos que podemos observar nas paredes da galeria, divididos por quatro períodos da História portuguesa – Monarquia Constitucional, Primeira República, Ditadura Militar e Estado Novo. Muitos dos guias e livros de onde foram extraídas as frases e imagens, podem também ser vistos nas mesas que ocupam a zona central da exposição.

Exposição vai estar patente até 23 de setembro e está integrada na programação da Feira do Livro do Porto.

Exposição vai estar patente até 23 de setembro e está integrada na programação da Feira do Livro do Porto. Foto: Filipa Silva

A escolha de excertos privilegiou “frases que evocam o sentir da cidade do Porto: os cheiros, a paisagem, o que caracteriza o Porto e as suas gentes”, explicou Elisa Cerveira, uma das curadoras, na visita guiada à exposição feita esta quinta-feira.

Vasco Ribeiro, de cujo trabalho de investigação para o doutoramento acabou por nascer este projeto, nota “a centralidade dada à mulher” em muitas das referências encontradas. Uma, de 1934, fala de “mulheres esculturais”, outra não esquece as “peixeiras de Miragaia, padeiras de Avintes, estivadoras do Douro”.

Emília Dias da Costa, também do grupo de curadores e responsável pelo design gráfico da exposição, destaque o papel “cada vez mais impactante” que a fotografia vai assumindo nos livros e guias, o que resulta em alterações no texto produzido, que passa a ser mais “objetivo” perdendo “algum romantismo”.

Os guias vão assim também eles evoluindo ao longo do tempo: “ficam mais práticos, feitos a pensar mais em quem viaja, até chegarmos aos chamados guias de bolso no final do século XIX”. São desses exemplo os famosos guias Michelin.

O “delírio” do São João

Vasco Ribeiro sublinhou ainda que esta “não é uma exposição apologética do Porto”. “Também há críticas ao Porto e ao país”, disse. Há relatos críticos sobretudo do período do Estado Novo: “Portugal – Terra de Palácios e pobreza, sol brilhante e censura”, lê-se numa das frases.

As ruas estreitas e inclinadas, o rio e as pontes, o comércio e o vinho são referências constantes dos relatos expostos. Entre os mais curiosos estão a descrição da festa de São João como um “delírio universal” feita por um italiano em 1850 ou ainda a de um viajante alemão de 1972: “(…) o portuense não se fecha aos prazeres da vida. Bebe bem – não cerveja Sagres, mas, sim, vinho do Porto – e come bem”.

A exposição “Porto Sentido de Fora” está patente na Galeria Municipal do Porto até 23 de setembro e tem entrada livre.