Até esta segunda-feira, a Direção-Geral do Ensino Superior (DGES) recebeu cinco denúncias de “praxes consideradas abusivas e violentas”, informou o Ministério da Ciência Tecnologia e do Ensino Superior numa nota enviada às redações.

Ainda de acordo com os dados do MCTES, no ano letivo passado foram apresentadas 10 queixas, menos oito do que no ano anterior – 2016/2017 – quando 18 estudantes reportaram situações desta natureza.

O balanço ministerial surgiu a propósito de dois episódios recentes, relatados pela comunicação social. O primeiro, no vídeo abaixo, ocorreu em Évora e foi publicamente denunciado pelo Bloco de Esquerda que pediu explicações ao Governo, nomeadamente um balanço do programa Exarp, criado há dois anos com o objetivo de “dar a volta à praxe”, promovendo e incentivando atividades alternativas, sobretudo no domínio da cultura e da ciência, como forma de integração dos novos estudantes.

PRAXE | Tem a cabeça encostada ao chão de um terreno descampado. O seu corpo está todo dobrado e as mãos estão por baixo dos joelhos. Diz que não consegue aguentar mais e tem como resposta "não me interessa" e “desenmerde-se”. Um estudante que acabou de entrar na universidade está a ser praxado por mais velhos numa qualquer parte do país. Um homem confronta-se com a situação e começa a filmar para denunciar o que vê nas redes sociais. Um outro chega-se à frente com a mão e, com o seu corpo, tenta impedir qualquer gravação da praxe. Diz que não há permissão para filmar, quando se está num local público. Depois, e sem pudor, justifica o sofrimento do jovem com o “está a fazer porque quer” – o clássico argumento da livre vontade. “Ele quer fazer, não quer é ser filmado a fazê-lo”, acrescenta um outro na troca de argumentos.É apenas mais uma das tantas praxes que se vêem por esta altura do ano nas proximidades de uma qualquer universidade ou politécnico. Caloiros e caloiras todas pintadas com palavras homofóbicas ou misógenas gritam no metro e aos berros frases ordenadas por quem se submete a usar fatos pretos completos e uma capa com 35ºC. Estudantes levam na cara e no cabelo chibatadas com os braços de um polvo morto só porque lhes foi ordenado. Jovens rapazes e raparigas simulam gestos e posições sexuais em público só porque lhes foi ordenado. Caloiros e caloiras são vendidos em leilão e comprados por grupos de amigos como se fossem mercadorias só porque lhes foi ordenado. Sob a argumentação da integração, institucionalizam-se práticas e hierarquias que exercem violência sob o caloiro. É criada uma narrativa intimidatória que, caso não participe na praxe, o estudante não será integrado com sucesso durante os seus anos académicos. O medo do isolamento, esse, é a arma. A praxe existe pelo medo da não-integração e pelo vazio de alternativas que são apresentadas ao estudante. É também uma consequência dos tempos políticos em que vivemos, onde a academia já não é vista como um espaço de igualdade, de aprendizagem mútua e de troca de experiências. É cada vez mais um espaço hierarquizado e mercantilizado.

Publicado por Praxis Magazine em Terça-feira, 25 de Setembro de 2018

O segundo foi noticiado este domingo pelo “Correio da Manhã”. Dois estudantes da Universidade da Beira Interior (UBI) terão sido levados, de noite, para a Serra da Estrela, onde terão sido obrigados a despirem-se e a colocarem-se de cócoras, no âmbito de um alegado ritual iniciático para um “grupo secreto” da instituição. A UBI já confirmou ter recebido queixa de um aluno e confirmou que a enviou para o Ministério Público da Covilhã, além de ter aberto um processo disciplinar interno que poderá redundar na “interdição da frequência da UBI durante cinco anos”, segundo avançou à agência Lusa.

Ministro contactou reitores

A nota do Governo informa ainda que o ministro da tutela, Manuel Heitor, contactou “os reitores das Universidades da Beira Interior e de Évora, assim como o Diretor Geral do Ensino Superior (DGES), tendo já remetido toda a informação recolhida à Inspeção Geral da Educação e Ciência (IGEC) para que, no quadro das competências que lhe estão legalmente atribuídas, desenvolva a atuação adequada nas situações em apreço e no sentido de punir adequadamente todas as manifestações de poder, humilhação e subserviência associadas a praxes académicas”.

“O MCTES repudia as imagens degradantes que as praxes académicas transmitem à sociedade e considera que a integração dos novos estudantes deve ocorrer de forma positiva, em moldes que apresentem aos novos estudantes as vantagens da formação superior”, reforça ainda o MCTES.

Além do número global de queixas, o MCTES revela apenas o meio usado para a apresentação dessas participações, não dizendo contudo onde ocorreram ou que desfecho sofreram estes casos.