Bastonária da Ordem dos Nutricionistas desde 2012, Alexandra Bento iniciou a sua formação na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP). Antes de atingir o cargo mais elevado da Ordem que agora dirige, foi, durante mais de uma década, presidente da Associação Portuguesa dos Nutricionistas.

Foi no seu escritório, no Porto, que recebeu o JPN.

Dados da Direção-Geral de Saúde revelaram que 60% dos portugueses são obesos ou pré-obesos e que mais de metade das causas de doença e morte em Portugal estão ligadas à alimentação. A que hábitos alimentares dos portugueses é que acha que se deve esta situação?

Deve-se a hábitos alimentares inadequados. O padrão alimentar nacional tem sofrido grandes modificações que em nada abonam para a nossa saúde. Um retrato sistemático demonstra que os portugueses têm vindo a aumentar de uma forma muito visível o consumo de alimentos de origem animal, em detrimento do consumo de alimentos de origem vegetal. Isso leva a outro problema, que é o aumento do consumo de gorduras. Desde o momento em que estamos a consumir alimentos de origem animal, temos a gordura do próprio alimento e a gordura que adicionamos para a confeção culinária.

E não temos conseguido ter um consumo suficiente de frutas e hortícolas para respeitar aquilo que é a recomendação da Organização Mundial de Saúde. Acresce que o consumo de açúcar também é muito superior à recomendação da OMS.

Por último, e não menos importante, o consumo de sal também é praticamente o dobro daquilo que é a recomendação máxima. Tudo isto somado faz com que tenhamos um cenário alimentar que se repercute na realidade presente de doenças. Dizer que mais de metade da população tem peso a mais é preocupante. Destes 60%, cerca de 22% são obesos e a obesidade é uma doença crónica, portanto, temos aqui um problema em termos de saúde pública.

O excesso de peso é fator de risco para muitas outras doenças, nomeadamente, doenças cardiovasculares, que é a principal causa de mortalidade, e vários tipos de cancro, que ultimamente têm vindo a aumentar a sua prevalência. A relação da alimentação com a ocorrência de diabetes tipo 2 também não tem parado de aumentar. Sabemos que 13% da população tem diabetes, mas que haverá muitos outros indivíduos ainda não diagnosticados.

O que acha, então, que devemos começar por modificar?

Essa questão não é isenta de complexidade. Melhorar os hábitos alimentares da população portuguesa implica mexer em todo o sistema alimentar. É preciso pensar neste sistema como um todo, desde a produção de alimentos, quer sejam provenientes da agricultura, da produção animal ou da indústria alimentar, e, depois, pensar na produção das próprias refeições pela restauração coletiva. Tudo isto é um fluxo até chegar à boca do individuo.

Nós costumamos dizer que o sistema alimentar deve ser trabalhado do prado até ao prato, mas também deve ir para além do prato. Até ao prato, é prevenir, é trabalhar a montante. E, quando temos os problemas relacionados com a alimentação, é trabalhar a jusante, ou seja, para além do prato. Não nos podemos sentir confortáveis com um país que tem esta dimensão de doenças relacionadas com a alimentação e não dispormos de um sistema de saúde eficiente para as tratar. Precisamos de sistemas eficientes para aceder à saúde que merecemos ter.

Alexandra Bento Foto João Couraceiro

Falou no aumento do consumo de proteína animal. Quanto a estilos de alimentação alternativos, como o vegetarianismo e o veganismo, qual é a sua opinião? Serão saudáveis?

O padrão alimentar que é salutogénico, aquele que guarda relação com a saúde e aquele que nós devemos querer promover, é claramente a dieta mediterrânica. É uma forma de comer que guarda relação com a nossa tradição, com a nossa cultura e que tem alimentos próprios da nossa zona geográfica. É o padrão alimentar do qual há mais evidência científica de que é uma forma saudável de comer.

Quanto a outras formas de comer, como o caso do vegetarianismo, quando é decisão de um determinado indivíduo optar por essa forma de estar e comer, é evidente que esse individuo deverá ter o devido conhecimento ou socorrer-se do auxílio de um nutricionista para que não tenha défices nutricionais. Porque excluir da nossa alimentação as fontes de origem animal pode conduzir a deficiências nutricionais, desde logo a falta de vitamina do complexo B. Cada um deve tomar as decisões que deve tomar, mas que sejam decisões bem informadas. Uma coisa são as decisões individuais, que temos de respeitar e auxiliar. No caso de um nutricionista que se encontra perante uma pessoa que quer excluir qualquer tipo de alimento da sua alimentação, ele só tem de esclarecer e auxiliar na elaboração do seu plano alimentar.

Relativamente a decisões para a sociedade, o que se tem de apregoar são padrões alimentares salutogénicos que guardem relação com a cultura, com a tradição, e sejam sustentáveis do ponto de vista ambiental, em termos das práticas utilizadas. Há muitas formas saudáveis de comer pelo mundo fora. Não me parece que seja correto estarmos a aculturar-nos e a transportar para o nosso país novas formas de comer que possam ser saudáveis, mas não sejam nossas, quando nós temos um padrão alimentar muito saudável, que é o caso da dieta mediterrânica.

Recentemente, saiu um estudo de âmbito mais ambientalista, mas que também entra no campo da nutrição. E referia que, para salvarmos o planeta, teríamos de deixar de comer 90% de carne de porco e 75% carne de vaca. Acha que seria concebível pensar numa realidade em que toda a gente teria de adotar esse tipo de padrão alimentar?

Uma coisa é certa: o consumo de alimentos de origem animal, seja carne de porco ou de vaca, carne de coelho ou qualquer tipo de fonte proteica de origem animal, é em quantidade excessiva. Em 40 anos, duplicámos a disponibilidade de carne. Estamos, claramente, a consumir mais proteínas de origem animal do que aquilo que é desejável para que o nosso padrão alimentar seja saudável. Uma boa medida é todos nós pensarmos na quantidade de carne que estamos a comer e, porventura, reduzir essa quantidade, para termos uma alimentação mais saudável, mas também mais sustentável do ponto de vista ambiental.

Coisa diferente é dizer que a população deve colocar completamente de lado a carne e outros produtos de origem animal, como é o caso do leite. Na alimentação tudo tem importância, logo, quando excluímos alimentos, não estaremos a ter um princípio que seja saudável. Variar o mais possível e incluir o máximo de alimentos na nossa alimentação é, certamente, a melhor atitude.

Um outro estudo fala sobre o quotidiano dos portugueses, e revela que cerca de 17% dos portugueses almoça à secretária, ao passo que 22% trabalha e almoça em simultâneo. Acha que esta realidade que se vive no nosso país impossibilita uma alimentação saudável? Que torna comer bem em algo difícil?

Torna claramente comer bem em algo difícil, porque para uma alimentação ser saudável deve ser feita com tranquilidade. Dar tempo à refeição. Afinal, nós temos de ter prazer à mesa e utilizar o momento das refeições para convívio, para estar com quem nos é próximo, sejam familiares, colegas de trabalho ou colegas da escola, no caso das crianças. O espaço da refeição deve ser um espaço de prazer.

O padrão alimentar que é salutogénico (…) é claramente a dieta mediterrânica (…). É o padrão alimentar do qual há mais evidência científica de que é uma forma saudável de comer. 

As refeições devem ser feitas sentadas, mas não é sentado à secretária. É sentado na mesa de comer. Nós devemos parar e comer. Há algumas refeições que devem demorar mais tempo, as chamadas refeições principais, o almoço, o jantar. E as outras refeições, como o pequeno-almoço e a refeição que fazemos a meio da manhã e da tarde, são mais rápidas. Mas nem por isso devem ser tão curtas. Se o fizermos com calma e tranquilidade, eu acho que é um bom princípio para termos uma alimentação que seja saudável. 

Classificou a Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável como um “marco histórico”. No entanto, esse conjunto de medidas, proposto pelo governo, nunca chegou a sair do papel. De que forma é que a Ordem dos Nutricionistas tem insistido para que o executivo cumpra aquilo que aprovou?

A Estratégia para a Promoção de uma Alimentação Saudável foi publicada mesmo no final de 2017, em dezembro. Ela tem vários eixos para serem levados a efeito. Algumas das ações estão a ser iniciadas, e eu quero acreditar que não será para ficar na gaveta. De resto, eu acho que nós já vamos muito atrasados em relação ao que deveria ser a velocidade.

Ainda esta semana, dizia que o que eu espero é que haja ritmo e intensidade na aplicação das medidas que estão na Estratégia, e acho que todos têm de fazer esforço nesse sentido e ser uma voz ativa para que a estratégia saia verdadeiramente do papel. Não nos podemos esquecer que uma estratégia como aquela tem de ser colocada em ação com o envolvimento de todos os ministérios, desde logo o da Saúde, mas não só. E, depois, com todos os parceiros à volta da Saúde, como é o caso da indústria alimentar e do setor da restauração.

Eu acredito que não vai ficar na gaveta. Da minha parte, vou fazer tudo o que esteja ao meu alcance, quer seja denunciando a situação pelos meios possíveis, nomeadamente utilizando a comunicação social, quer seja promovendo reuniões com os diversos ministérios. A Ordem, numa das suas atribuições, deve colaborar com a administração pública no desenho das políticas públicas de saúde e agilizar a sua operacionalização.

Relativamente ao Orçamento de Estado 2019, existe alguma proposta da Ordem para ver reforçada a promoção de uma alimentação saudável?

A Ordem dos Nutricionistas tem vindo a alertar que, no nosso país, a percentagem alocada para a prevenção está abaixo dos valor médios da OCDE. Nós temos um valor que ronda os 0,2%. E a média da OCDE é 3%. O que nós temos vindo a reclamar é que se aumente os gastos do nosso sistema de saúde em medidas preventivas. E temos vindo a reclamar, para dar um caso concreto, a taxação que está no terreno, e que se encontra novamente prevista no Orçamento de Estado, para as bebidas açucaradas.

A verba que é arrecadada está adstrita ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), e a Ordem dos Nutricionistas entende que esta verba deveria ser exclusivamente utilizada em promoção da saúde. O que é certo é que ela tem vindo a ser gasta no SNS de uma forma indiscriminada, tanto em promoção da saúde, como em tratamento da doença. Nesta matéria, utilizando dois ditados populares, eu acho que “o caminho se faz caminhando” e a “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, pelo que nós vamos continuar a dizer aquilo que entendemos, tendo a noção de que muitas das reivindicações que apresentamos acabam por não surtir efeito, mas muitas delas acabam por prosseguir.

Eu tenho a forte convicção de que a Ordem teve uma contribuição muito expressiva para aquilo que foi a publicação da Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável, assim como a taxação das bebidas com açúcar. A Ordem teve um contributo muito forte nesse sentido. Na negociação que o Ministério tem levado a cabo, a Ordem assume-se como um parceiro e faz um compilar da evidência científica.

Temos esta dupla função: acautelar os interesses dos nutricionistas e acautelar os interesses do cidadão. Tentamos fazê-lo com responsabilidade, com sentido de serviço público de dever. E eu, Alexandra Bento, é assim que quero estar até final do meu mandato.

Fernando Araújo foi, enquanto secretário de Estado Adjunto e da Saúde, uma figura decisiva na criação de políticas de redução do consumo de sal e açúcar. Como encara a sua substituição no cargo?

Tenho muita pena de não continuarmos com Fernando Araújo enquanto secretário de Estado Adjunto e da Saúde. De facto, soube perceber que a alimentação é um determinante de saúde importantíssimo. E, como soube perceber esse facto, trabalhou esse determinante de saúde, desde logo desenhando uma política de alimentação e nutrição que acabou por ser consubstanciada na Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável.

Além disso, teve o arrojo de colocar no terreno algumas medidas que não são tão populares como isso e que, portanto, não são tão fáceis de serem colocadas – como é o caso da modificação da oferta alimentar no Serviço Nacional de Saúde. Por isso, vai ficar o marco deste Secretário de Estado. E, por marco, entende-se que deve ser positivo. O secretário de Estado saiu, deixou a obra feita; agora, é preciso que quem vem agarre essa obra e consiga levar por diante a enorme quantidade de medidas que é preciso pôr em marcha.

Dados recentes revelaram que entre 20 e 40% dos alimentos servidos nas cantinas escolares vão para o lixo. Acha que este desperdício se deve apenas à fraca qualidade das refeições, ou há algum outro fator a considerar?

Há vários fatores em jogo. É uma matéria complexa. Por um lado, fica a dever-se aos hábitos alimentares das crianças, que não são os desejáveis nem os corretos; as crianças não têm os conhecimentos suficientes ou a atitude que se deseja face à alimentação e, portanto, não se reveem naquilo que é a oferta alimentar que a escola lhes fornece. Por outro lado, o não se reverem também pode estar ligado ao facto de a qualidade das refeições não ser aquela que é desejável.

Nós temos de trabalhar a dimensão da alimentação escolar no seu todo, ou seja, temos de ter uma oferta alimentar que seja apelativa, saborosa e, claro, equilibrada nutricionalmente. Mas não vale de muito ser equilibrada se não é saborosa ou não vai de acordo com os gostos e preferências das crianças; ou se decorre num espaço que não é aprazível e parece uma continuidade das salas de aula, com as mesmas mesas e cadeiras, um ambiente barulhento e funcionários que não estão despertos para a temática da educação alimentar. Afinal, os próprios funcionários também têm de colaborar.

Temos esta dupla função: acautelar os interesses dos nutricionistas e acautelar os interesses do cidadão (…). E eu, Alexandra Bento, é assim que quero estar até final do meu mandato.

E os professores. Infelizmente, muitos estão sobrecarregados na altura da refeição, o que faz com que não haja uma presença assídua destas figuras no refeitório. É, portanto, uma questão que tem de ser puxada por várias pontas e, quando o Ministério da Educação acordar com vontade de resolver o problema, sabe que terá de o abordar nestas frentes todas.

Em fevereiro deste ano, a Ordem apresentou uma proposta concreta à Dr.ª Alexandra Leitão [Secretária de Estado Adjunta e da Educação], na qual a sintetiza a visão que tem da alimentação escolar e aquilo que entende que está mal, sugerindo um modelo para melhorar aquilo que é a alimentação das crianças. Esse modelo está focado na criança e pretende trabalhar aquilo que são as noções que ela tem de uma alimentação saudável. Nós temos de ter uma cultura em que o saudável é divertidoapelativo e não aquela coisa chata, sem sabor e que não interessa. E, por outro lado, o ambiente da escola tem de ser verdadeiramente saudável. Eu tenho de ir ao bar da minha escola e a oferta alimentar que eu tenho tem de ser apelativa, bonita e interessante. O que eu peço tem de saber bem. Não é entrar e ter uma oferta alimentar em que eu olho e tenho uma quantidade de alimentos nos quais não me revejo ou, porventura, até são os que eu desejo de imediato mas não me fazem bem à saúde. Portanto, para trabalhar esta “cultura” do saudável, é preciso envolver as crianças.

Veja-se o exemplo da reciclagem. As crianças foram muito facilmente envolvidas naquilo que é a educação ambiental, a separação do lixo. E levaram para casa como é que se fazia a reciclagem. É algo que não contestam, acham que é normal. Bem sei que isso não mexe nas suas atitudes, comportamentos e estilo de vida. Mas, de qualquer forma, é uma boa maneira de nós conseguirmos perceber que, quando lhes explicamos as coisas e quando as envolvemos, elas respondem muito bem.

No entanto, quando falou na proposta que apresentou em fevereiro, é importante salientar que, até ao momento, não obteve resposta por parte do Governo. Estranha ainda não o terem feito?

Claro que sim. O desejável era ter resposta e mais: resposta afirmativa. Até porque a proposta que a Ordem dos Nutricionistas avançou é uma proposta muito compreensiva e exequível, porque nós sabemos que, muitas vezes, aquilo que é ótimo é difícil de alcançar. Então, a nossa proposta é a desejável e aquela que se conseguiria operacionalizar caso houvesse vontade política. O feedback que temos por parte do Ministério da Saúde é esse mesmo, que se trata de uma proposta coerente. Daí até ela estar em ação, ainda vai muito.

Mas posso acrescentar uma coisa que, significando pouco, já significa qualquer coisa: recentemente, num debate quinzenal na Assembleia da República, o primeiro-ministro foi interpelado relativamente a essa matéria. E respondeu, dizendo que o Governo estava a equacionar a presença de, pelo menos, um nutricionista em cada uma das direções regionais. Contas feitas, são cinco, o que é muito, muito, muito pouco. É quase impossível nós acharmos que aquilo que propusemos, aquilo que estava explicitado na nossa proposta, pode levar-se a efeito com cinco nutricionistas. Mesmo assim, esperamos que esses cinco sejam colocados para se iniciar o desenho daquilo que se pretende operacionalizar e, depois, se caminhe para alterar o cenário alimentar nas escolas. Ver que 20 a 40% da comida nas cantinas vai para o lixo é uma dor de alma. É comida que as crianças não comem e é dinheiro de todos nós que vai para o lixo.

Ver que 20 a 40% da comida nas cantinas vai para o lixo é uma dor de alma.

Este modelo que nós temos em Portugal, e que eu acho muito interessante, pode revelar um certo desinteresse se não for bem aplicado. Afinal, há alguns países nos quais as refeições não são gratuitas ou subsidiadas. Já nós, temos um modelo em que as nossas crianças ou comem de graça, ou então são subsidiadas e pagam pouco. Há, aqui, um esforço do Estado muito grande para providenciar as refeições escolares. E os alimentos que estão à venda no bar não visam lucro… No fundo, é dinheiro de todos nós que é colocado anualmente no Orçamento de Estado para uma matéria que me parece importantíssima, mas se este dinheiro não for bem utilizado…

O que é que tenciona fazer caso não lhe respondam?

Continuar a insistir. Continuar a denunciar a situação. É isso que está ao nosso alcance, não podemos fazer mais que isso. É o estrito respeito por aquilo que são as nossas atribuições: o que está bem, dizer que está bem; o que está mal, auxiliar na sua resolução. Assim como venho a público aplaudir e dizer que se tratou de um marco histórico quando o Ministério da Saúde desenhou uma estratégia interministerial para a promoção da alimentação saudável, também refiro as medidas que tardam em avançar.

Por falar em algo que está mal: concorda com o modo como os atuais manuais escolares abordam a questão da alimentação? De que forma se poderia trabalhar a literacia alimentar e nutricional das escolas face à que é feita atualmente?

Os manuais escolares podem ser um bom instrumento para melhorarmos a literacia alimentar das crianças. Há algumas disciplinas, nomeadamente as Ciências da Natureza, que contemplam algumas questões na área alimentar. Mas o que me parece, é que, muitas das vezes, essas matérias são abordadas de uma forma excessiva do ponto de vista nutricional e pouco compreensiva do ponto de vista alimentar. O que nós queremos é que, no final do dia e dos seus estudos, as crianças tenham os instrumentos para optar por melhores escolhas alimentares. Nesse sentido, os manuais escolares já precisavam de ter uma volta.

Mas é preciso, para além dos manuais, ter outras estratégias para aumentar a literacia das crianças. Grandes campanhas, em termos da educação alimentar, seriam interessantes e desejáveis. E ter uma disciplina específica, que abordasse várias componentes para a criança cultivar bons comportamentos ao longo do seu dia, também. Quando o Ministério da Educação se preocupar mais com a educação e não só com o ensino, e perceber que as questões comportamentais das crianças são de uma importância estrutural, aí vamos estar, provavelmente, num bom momento. Agora, será que não é pedir demais ao Ministério da Educação? Será que não deveria haver uma secretaria de Estado específica para esta matéria? Porventura. Mas é preciso que se desenhe o que deveria acontecer para termos crianças com mais literacia e maior capacidade de fazer escolhas alimentares saudáveis. É evidente que as crianças são os adultos de manhã. E, se eles não tiverem os instrumentos suficientes para serem cidadãos informados, não vamos ter a sociedade que desejamos.

O projeto de intervenção alimentar Ver Para Querer, desenvolvido pela Ordem na escola EB 2/3 de Amarante, procurou alertar os jovens para o desperdício alimentar.  Foi, ainda, responsável pela decoração da cantina, tabuleiros e tigelas, assim como pela elaboração das ementas por um nutricionista. Qual o balanço que faz desse projeto?

Foi um gosto implementar esse projeto-piloto. Os professores estiveram muito envolvidos e, apesar do curto espaço de tempo, os resultados foram muito interessantes. E preocupa-me se não puder ser dado seguimento àquilo que foi o início do projeto, porque acaba por contemplar as várias áreas que devem ser trabalhadas numa escola em matéria alimentar. Posso avançar que vai ser replicado numa ou duas escolas do Porto e, modelos como este, também existem em outras escolas do país. Mas nós não podemos ficar satisfeitos que uma, duas, quinze ou vinte escolas tenham projetos como este.

Só podemos ficar satisfeitos quando dissermos que a totalidade das escolas portuguesas tem uma cultura alimentar saudável. Há, portanto, ainda muito trabalho pela frente. Não podemos ter a presunção de dizer que se fez tudo o que havia para fazer. Se a ação não for continuada, é certo que, daqui a um mês ou um ano, vamos entrar nas escolas e o cenário alimentar vai ser o mesmo do passado. Essas iniciativas e estratégias têm de ser contínuas; não podemos conceber que se trate a matéria alimentar hoje e esta fique resolvida para o futuro. As crianças de hoje não são as mesmas de amanhã e as matérias que dizem respeito aos comportamentos alimentares têm de ser sempre trabalhadas.

Artigo editado por Filipa Silva