“A tecnologia está a virar do avesso tudo aquilo que tomávamos como certo acerca do trabalho, da política, da vida”. Para Paddy Cosgrave, diretor executivo do Web Summit, que arrancou esta segunda-feira, em Lisboa, a inovação tecnológica tem um papel fundamental no progresso da sociedade. O fundador da convenção deu as boas-vindas começando com um exercício conjunto: as pessoas presentes na plateia deveriam levantar-se e cumprimentar quem as rodeasse. São “demasiadas caras desconhecidas”, disse Paddy Cosgrave. Afinal, entre 5 e 8 de novembro, vão passar pelo Altice Arena mais de 70 mil visitantes e mil oradores.

#ForTheWeb

Paddy Cosgrave deixou o palco para dar lugar a Tim Berners-Lee. O britânico, criador da World Wide Web, foi alvo de uma ovação de pé e vénias dos visitantes. “Estamos num momento em que quase metade do mundo está online“, começou por salientar Sir Tim. Numa altura em que o crescimento de utilizadores da Internet é superior ao crescimento da população mundial, o pai da web sublinhou também os riscos adjacentes. Fake news, cyberbullying, abusos de privacidade, entre outros problemas, são das principais adversidades atuais para Berners-Lee. “Precisamos da vossa ajuda”, apelou.

Surge assim o movimento #ForTheWeb. O projeto, promovido pela Fundação World Wide Web e liderado por Tim Berners-Lee, tem como intuito principal “proteger a web aberta tal como um bem público e um direito básico para todos”. Para tal, o cientista fala em “contratos pela web“. Governos, empresas e cidadãos devem colaborar de forma a moldar a web “à sua maneira”.

Sir Tim Berners-Lee quer promover uma Internet aberta e livre.

Sir Tim Berners-Lee quer promover uma Internet aberta e livre. Foto: Rui Costa

O governo deve “respeitar a privacidade e garantir a conexão fácil à Internet para toda a população”. A empresa deve “desenvolver tecnologias benéficas para a humanidade” e torná-las “acessíveis para todos”. O cidadão deve “criar”, deve “respeitar a dignidade do próximo” e “lutar pela web”. É em torno destes princípios que Sir Tim Berners-Lee convida a plateia a juntar-se à causa. “O contrato pela web é uma revolução”, rematou o inventor.

Mounir Mahjoubi, secretário de Estado dos Assuntos Digitais da França, afirmou que o país “é o primeiro a assinar o contrato pela web”. Para o político gaulês, a “tecnologia deve sempre servir os humanos e não o contrário”.

Pode a realidade virtual ser uma arte?

Darren Aronofsky afirmou a importância da realidade virtual para a evolução da indústria de filmes. O cineasta, realizador de “O Cisne Negro” (2010), refere que, com recurso a este tipo de inovação, filmes que “nos anos 80 e 90 eram feitos só por Spielberg”, podem agora ser produzidos mais facilmente.

No entanto, isso não significa que a realidade virtual não seja, por si só, uma arte. Para Aronofsky, são trabalhos distintos: “quando estás a ver um filme, estás a criar empatia com a personagem, que te leva numa viagem. Na realidade virtual é mais experiencial e sentes mais por ti, não é necessário transferir a experiência de uma outra pessoa para ti”.

Quanto à Inteligência Artificial, o artista não tem dúvidas de que há diferenças entre a máquina e o ser humano. “É difícil para a Inteligência Artificial decifrar as emoções dos humanos, porque exige distinção do contexto”, disse Darren Aronofsky.

Proteger o planeta ou um bom negócio “é um falso dilema”

Os holofotes do Web Summit apontavam agora para Lisa Jackson. Trabalhou cinco anos como administradora da Agência de Proteção Ambiental norte-americana, durante o governo de Obama. Agora, apresentava-se em palco como diretora ambiental da Apple.

“Vim aqui hoje para ser inspirada por vocês. Esta sala está cheia de pensadores, mas também de fazedores”, principiou Lisa Jackson. Trabalhar para a administração Obama deu-lhe uma nova perspetiva, de como “as políticas que nós criamos e desenvolvemos apontam para futuros esperançosos”. Esse futuro, para a diretora ambiental da Apple, passa pelo preservação do planeta Terra.

Lisa Jackson salienta a importância da política ambiental numa das maiores empresas do mundo, a Apple. Foto: Rui Costa

Lisa considera que existe um “falso dilema” entre proteger o mundo ou um bom negócio: “parece existir uma mensagem subliminar de que preservar o ambiente é mau para a empresa”. Arriscou com o exemplo da Apple: todas as instalações da marca norte-americana funcionam a partir de energias renováveis, assim como os produtos inutilizados são reciclados.

A educação é outro setor privilegiado pela empresa. “Educar é um direito fundamental”, frisou Lisa Jackson, em referência ao apoio dado ao Fundo Malala, suficiente para dar apoio escolar a mais de 100 mil raparigas.

Tecnologia usada para o bem

A agitação na plateia do Web Summit cresceu com o anúncio do próximo orador. O secretário-geral das Nações Unidas pisava o púlpito central da convenção. “A minha preocupação é que as Nações Unidas usem a tecnologia de ponta para melhorar a vida das pessoas e aproveitar melhor os recurso”, salientou António Guterres.

O diplomata português valorizou o progresso das novas tecnologias, que têm “dado voz a muitas pessoas marginalizadas”. No entanto, referiu ainda as consequências mais negativas, como o “discurso de ódio, a invasão da privacidade, a censura” e a tecnologia de guerra. “As armas que podem tirar vidas humanas são politicamente inaceitáveis, eticamente reprováveis e devem ser banidas por lei internacional”, exclamou, para aplauso do público espectador.

Para António Guterres, a inovação tecnológica tem que ser usada para o bem.

Para António Guterres, a inovação tecnológica tem que ser usada para o bem. Foto: Rui Costa

Para o engenheiro, as empresas devem “unir-se para discutir as tecnologias, protocolos, acordos” para que estes sejam usados com um único objetivo: o bem-estar.

“Lisboa volta a ser capital do mundo”

“Começámos há 600 anos a conectar o mundo”, sublinhou António Costa. O primeiro-ministro português, agora perante a plateia do Altice Arena, deu as boas-vindas aos visitantes e destacou Lisboa como “um ponto de encontro de pessoas e de culturas”. “Com esta conexão, abrimos um caminho para a globalização”, disse.

Para o antigo presidente da Câmara de Lisboa, apenas a liberdade permite “a inovação tecnológica e o empreendedorismo” necessários para que a humanidade “enfrente novos desafios globais”.  António Costa ainda uma palavra de encorajamento às empresas portuguesas, “embaixadores” de Portugal no Web Summit.

O primeiro-ministro português, António Costa, falou de Lisboa e Portugal como "um ponto de encontro entre culturas" de todo o mundo.

O primeiro-ministro português, António Costa, falou de Lisboa e Portugal como “um ponto de encontro entre culturas” de todo o mundo. Foto: Rui Costa

“Vão conhecer uma das cidades mais antigas da Europa e do Mundo”, apontou Fernando Medina. O atual presidente da Câmara de Lisboa seguiu a linha de discurso apresentada pelo primeiro-ministro português, ao destacar a cidade como um ponto histórico de globalização. “Queremos que Lisboa seja a capital da inovação, da tecnologia e também da tolerância, sem discriminação”, reforçou Medina.

No final, houve tempo ainda para Paddy Cosgrave receber uma lembrança de Lisboa. O diretor executivo foi presenteado com um quadro de Fernão de Magalhães, autor da primeira circum-navegação ao globo, num dos exemplos de globalização promovida pelos portugueses. Graças ao Web Summit, “Lisboa volta a ser capital do mundo”, concluiu Fernando Medina.

Artigo editado por Filipa Silva