Foi com o sotaque britânico do moderador da sessão, Gareth Evans, que a convidada foi apresentada. Ainda mais conhecida, atualmente, pelo sucesso da serie The Handmaid’s Tale, inspirada no livro que escreveu na década de 80, com o mesmo nome, Margaret Atwood foi apresentada ao público como a autora de mais de 60 livros.

Entrou no palco sob uma chuva de aplausos de uma plateia jovem que encheu o Grande Auditório do Rivoli. A autora, com quase 80 anos, colocou-se diante da audiência e brindou-a com um humor que não se esgotou durante a hora e meia que se seguiu.

Conseguiu arrancar risos, aplausos e perguntas pertinentes das centenas de pessoas que ali se reuniram naquela noite de quinta-feira.

Trazida ao Fórum do Futuro para falar sobre os mitos na sua obra, Atwood começou por mostrar, através de fotografias e ilustrações, a influência da mitologia na sua vida.

Filha de uma “maria-rapaz, que adorava andar a cavalo e não gostava de trabalho doméstico, roupas, chapéus, luvas ou festas de chá” e de um aventureiro entomologista florestal, Margaret teve uma infância diferente: cresceu na floresta do Quebec, no Canadá, sem eletricidade ou água e tudo o que tinha era construído pelo pai.

Foi por causa disso que a escritora começou a sua viagem pelo mundo da mitologia. Como forma de distração, e por influência do seu irmão, Margaret Atwood começou a desenhar. O mais velho escrevia e ilustrava contos mitológicos e ela seguia-lhe os passos. Disse que “aos 12 anos, o que queria era ser pintora” – tinha as suas personagens e mais tarde começou a ilustrar as suas capas e até a realizar autorretratos.

Apresentou ao público um deles, uma criatura híbrida: metade Margaret e metade peixe. Os seres híbridos sempre a encantaram, era um dos motivos pelos quais lhe interessava a mitologia.

“Nunca me disseram que eu não podia ser escritora”

Mesmo antes de chegar à faculdade, já lia clássicos como “As Mil e Uma Noites”, “Ilíada” e a “Odisseia”, servindo este último título como inspiração para “A Odisseia de Penélope(Editorial Teorema), uma obra de 2005, que descreve a odisseia do ponto de vista da esposa de Ulisses.

Margaret Atwood Foto: Sara Amorim

Em resposta a uma pergunta do público, a escritora explica que a mitologia é uma ferramenta para qualquer escritor. “Se estás a tentar praticar qualquer arte ou engenho, precisas de saber quais são os teus ‘materiais de trabalho’. Tens de conhecer o que os escritores da tua geração estão a fazer, mas também tens de conhecer estas histórias, que são à prova do tempo”, respondeu.

A escritora foi ainda interrogada sobre o que “há no Canadá”, para que dele surjam tantos talentos. A resposta da escritora foi simples: “Acho que a razão por trás disso é que ninguém nos disse que não podíamos fazer o que quiséssemos. Nunca me disseram que eu não podia ser escritora, mesmo sendo mulher nos anos 50.” Acrescentou que, quando chegou aos Estados Unidos é que se apercebeu que as mulheres a viam como uma mulher audaz e que se achavam incapazes de escrever. “No Canadá, ninguém nos queria empurrar para dentro de casa, como era habitual na América.”

Neste seguimento, teve ainda tempo de se debruçar sobre o ato de escrever. Não acredita no chamado “bloqueio de artista” – “Quando me acontece é simplesmente um sinal de que a história não está a funcionar”.

Outra das questões do público centrou-se na emblemática vestimenta vermelha das aias de The Handmaid’s Tale (“A História de uma Serva”, na versão portuguesa, com edição da Bertrand), que se tornou, depois do grande sucesso da serie, num símbolo de força e resistência feminista.

Atwood explicou que a obra foi inspirada em vários pontos: o formato da roupa foi inspirado nas freiras medievais, o chapéu branco na mulher da lata de um detergente holandês (Old Dutch Cleanser), na qual figurava uma mulher de vestido azul com um chapéu branco, igual ao das aias, e a cor surge da icnografia cristã, que representa Maria Madalena.

Para além das gargalhadas arrancadas ao público, a sessão deixou alguns expectadores à espera de mais. Ricardo Fonseca, um jornalista de 43 anos, reparou que o tema escolhido para esta edição do Fórum do Futuro tem sido pouco abordado – “tenho sentido isso noutras conferências que tenho assistido. Os oradores fazem uma referência breve, mas não desenvolvem muito o tema.”

Raquel Nogueira, de 20 anos e estudante da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, foi incentivada pelos professores a assistir à sessão. Admite que também ficou interessada quando leu a sinopse, uma vez que também ela quer inserir a mitologia na sua obra. Encantada com a simplicidade e histórias da infância da escritora, a estudante admitiu que gostava de ter visto a autora a explorar outro território: “gostava que ela tivesse falado mais sobre o papel da mulher que ela impõe nas suas histórias.”

O Fórum do Futuro, este ano dedicado às manifestações da Antiguidade Clássica na cultura contemporânea, terminou no domingo, depois de mais uma semana dedicada ao pensamento nas mais variadas áreas da sociedade. Volta em 2019 para a sua sexta edição, desta vez com o tema “Viagem”, para assinalar os 500 anos da circum-navegação.

Artigo editado por Filipa Silva