No ano passado, a violação foi o único crime violento que registou um aumento em Portugal. Nos 84 casos que seguiram para acusação, 90,7% das vítimas eram mulheres.
No Porto, há, desde maio, um Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual. Criado pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), é apenas o segundo do país. “Nestes poucos meses desde que começámos, temos quase uma dezena de vítimas que vieram ao centro”, declarou ao JPN Ilda Afonso, diretora técnica do Centro.
Apesar de já considerar este número significativo, a responsável refere que a amostra não é representativa devido à pouca divulgação do centro, que faz parte do projeto Emancipação, Igualdade, Recuperação (EIR).
Quanto ao perfil das mulheres que ali têm procurado ajuda, Ilda Afonso afirma que “são mulheres jovens, a mais velha com menos de quarenta anos, são mulheres que foram atacadas por pessoas conhecidas, todas em ambiente noturno – em saídas à noite -, e todas aqui no Porto”. “Algumas delas são até vítimas do mesmo agressor, no mesmo local”, conclui.
Com dois centros abertos em Portugal, a resposta oferecida a este nível está ainda longe da recomendada pelo Conselho da Europa, de pelo menos um centro de crise por cada 200.000 mulheres.
“O que nós queremos é que as vítimas sintam que têm um espaço onde são compreendidas”
Por enquanto, esta iniciativa ainda está a funcionar no mesmo espaço que o centro de atendimento para vítimas de violência doméstica – Rua do Paraíso, nº 250 -, que já existe há mais de dez anos e recebe, em média, 100 utentes por mês.
Nos dois, é dado apoio psicológico, jurídico e social às vítimas, adaptado minuciosamente a cada caso – “o que nós queremos é que as vítimas sintam que têm um espaço onde são compreendidas, onde podem falar sobre o que lhes aconteceu, onde vão receber informação jurídica sobre o que acontece se fizerem queixa, o que é que acontece se não fizerem, como é que as coisas se processam, o que é que vai acontecer a seguir. E também estamos disponíveis para num momento de crise as vítimas ligarem para nós a perguntarem: ‘o que é que faço?'”, explica a técnica ao JPN.
Ilda Afonso reitera que todo este processo é realizado por profissionais escolhidos a dedo antes da abertura do centro e que cada caso é tratado com integridade e retidão, mas que mesmo assim pedir ajuda é extremamente difícil para a maioria das vítimas. “O que acontece, normalmente, é que as vítimas vêm depois das coisas já terem acontecido e, muitas vezes, muitos meses ou até anos depois, porque é muito difícil no momento” e refere que isto se torna especialmente problemático no que toca à questão jurídica, devido ao prazo para apresentação de queixa ser de apenas seis meses.
“Não podemos permitir que continue esta lei que julga primeiro a vítima e só depois vai julgar o agressor”
Em relação à legislação penal portuguesa, a responsável considera indispensável que se esclareça a questão do “consentimento da vítima”, que ainda há bem pouco tempo voltou a ser notícia por causa de um acórdão da Relação do Porto, sobre o caso de uma jovem que foi violada numa discoteca em Vila Nova de Gaia.
“Tem de ser alterado. Porque nós até podemos estar perfeitamente conscientes e não querermos que aquele ato aconteça e por termos medo pela nossa vida naquele momento, não vamos dizer “não”, nem vamos reagir para nos defendermos e isso não significa que não tenhamos sido violadas e, portanto, isto tem de ser alterado na lei. Não podemos permitir que continue esta lei que julga primeiro a vítima e só depois vai julgar o agressor”, considera Ilda Afonso.
A responsabilidade do Estado
No que toca à possível abertura de novos centros, Ilda Afonso refere que a cargo da UMAR é bastante difícil, em virtude da dimensão relativamente pequena da organização, mas que o Estado se devia encarregar muito mais destas matérias. “Quem tem de lutar contra o crime é o Estado e se o Estado não consegue proteger as mulheres, terá depois de lhes dar uma resposta – um apoio – quando elas são vítimas. Queremos, em primeiro lugar, que este crime seja combatido; em segundo lugar, que seja castigado para que os agressores se retraiam; e, em terceiro, que haja mais resposta para as vítimas.”
Um dos grandes desafios da UMAR é assegurar que o financiamento não se esgote. O apoio que recebem, por exemplo, neste projeto, chega via Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (POISE), e acabará em setembro de 2019. “Nenhuma vítima de violência sexual, ou muito poucas, vão terminar o seu processo de acompanhamento antes de setembro de 2019, porque são situações muito complexas, que trazem grande sofrimento, grandes traumas para as vítimas e elas precisam deste acompanhamento e não podemos defraudar a vítima e fechar-lhe a porta e acabou a resposta porque acabou o financiamento”, observa.
Ilda Afonso remata que não interessa a organização por detrás dos centros – interessa, sim, que sejam criados mais, e que tenham o devido financiamento e divulgação e que, principalmente, que a violência sexual seja cada vez mais combatida, quer cultural, quer social, quer judicialmente.