Maria Fernandes nasceu e cresceu em Vila Real. Desde os 6 anos que se recorda de dizer que queria ser freira. Na altura, apenas tinha a noção de que as freiras estavam ligadas a Deus, mas não sabia o que elas faziam. Começou a sua vida como religiosa aos 15 anos e foi freira por mais de duas décadas, até que decidiu abandonar o convento.
“A saída foi muito difícil, sobretudo porque sempre quis ser freira e foi algo vivido intensamente, durante muitos anos, de forma feliz e gratificante”, afirma em entrevista ao JPN.
Foram várias as razões pelas quais Maria decidiu deixar de ser freira. Invoca, entre outros, o excesso de trabalho e a falta de respeito de que acusa a instituição religiosa onde esteve integrada (e que preferiu não identificar) para com os seus membros, em questões como o direito à saúde.
O processo de saída do convento não foi fácil. “Não aprendi como gerir a vida, porque entrei num convento aos 15 anos e saí aos 40. Passado tanto tempo, venho para fora e tenho de ter uma conta no banco, tratar de arranjar uma casa e muitas outras coisas que não sabia fazer”, recorda. Começar a morar sozinha despertou-lhe inseguranças e fobias: “Na minha família, sempre vivi com os meus pais e com três irmãs e na congregação chegávamos a ser trinta pessoas numa casa”, explica Maria Fernandes.
Embora tenha saído do convento, durante quatro anos continuou com as promessas e votos de freira. “Estive fora, mas sendo freira na mesma. Tinha os mesmos direitos e deveres das outras freiras, tirando o facto de ter de usar o hábito”, conta ainda.
Nessa altura, mesmo fora do convento, Maria não podia ter nada em seu nome, como conta bancária ou uma casa. “Um dos votos que fazemos é o voto de pobreza e isso é limitador, porque não podemos ser proprietárias nem detentoras. A minha vida ficou muito condicionada e tive de ter esse suporte de alguém exterior”.
Arranjar trabalho e ter um contrato era difícil porque Maria continuava a ser “funcionária” da congregação. “Digamos que eu nunca tinha rescindido o contrato, nem me tinham despedido. Continuava como trabalhadora da congregação em termos legais”, esclarece.
No início, Maria tirou a licença para estar fora do convento apenas um ano, mas foi renovando ano após ano. Percebeu que viver como uma cidadã comum na sociedade era melhor para si. “Dentro da instituição religiosa, as pessoas são exploradas em trabalho físico ou mental. Nem há cuidado para perceber se uma pessoa tem o tempo necessário para descansar. Estando fora, conseguia gerir o meu equilíbrio”, afirma.
Passados quatro anos, Maria optou por desvincular-se da congregação. “Fiquei desligada dos meus compromissos para com a congregação e vice-versa”.
Foi aí que Maria se lançou como trabalhadora independente. Começou por trabalhar com coach e lançou um escritório virtual, a par de outros projetos.
De freira a empreendedora
O curso de coach surgiu da necessidade de trabalhar num plano de ajuda ao melhoramento do outro, aproveitando toda a sua formação anterior. “Ao certificar-me em coaching, podia ganhar novos conhecimentos e fazer melhor proveito de tudo o que já tinha aprendido anteriormente”, diz.
“Agora o coaching está na moda, mas na altura, em 2012, ainda estava a surgir em Portugal”, recorda. A receita, contudo, revelou-se insuficiente como forma de sustento: “Uma sessão de coaching pode rondar os 100 euros, mas eu fazia sessões por 20, porque o meu objetivo não era explorar as pessoas”. Por isso, teve de pensar em novos projetos.
Há dois anos, criou um escritório que presta serviço virtual em vários domínios, da revisão de trabalhos escolares a marcações de férias. Esta é uma forma de conseguir clientes em qualquer parte do país e do mundo. “Dá a liberdade para trabalharmos quando assim o decidimos e para podermos gerir o nosso próprio negócio. Além disso, há tarefas muito interessantes e diversificadas”, reflete.
Outro projeto criado por Maria foi uma plataforma de apoio à mulher artesã. Foi pensado para “ajudar pequenas artesãs portuguesas que não dominam as redes sociais e que precisavam de apoio para se lançar no meio virtual”. Assim, Maria criou um site onde estas mulheres podem divulgar e vender os seus artigos.
Soma a estes projetos ainda algum “dinheiro na venda de produtos, sobretudo de saúde e não tanto de cosmética”, conclui.
Maria Fernandes teve de empreender para sobreviver e dá-se por satisfeita. Agora com 46 anos, acredita que sair do convento foi a melhor decisão que poderia ter tomado.
Artigo editado por Filipa Silva