O mais antigo grupo de teatro da cidade do Porto celebra uns respeitáveis 70 anos. O JPN foi ver a nova peça, saber mais sobre a programa de comemorações e tomar o pulso ao momento atual do grupo. O TUP “está bem, está fresco, está jovem, está a renascer outra vez”.
“Nós estamos aqui.” A frase, que parece encerrar um manifesto, ouvimo-la num ensaio de “O Espetáculo”, a criação de Tiago Jácome para o Teatro Universitário do Porto (TUP), que estreia esta quinta-feira, 13, no UPTEC-PINC, em pleno dia de aniversário do grupo. O TUP faz 70 anos.
Em 45 minutos, António, Fábio, Inês, Maria João e Tiago tomam as rédeas de uma viagem pelos interstícios da criação artística, viagem-dialética que acaba a explorar a identidade, individual e coletiva, do TUP.
“É um espetáculo que olha para si mesmo”, explica Tiago Jácome ao JPN. “Mas olha para si mesmo também enquanto entidade que só existe através destas pessoas que o compõem”, completa.
E essas pessoas são muitas: “daquelas que vêm aqui todos os dias abrir as portas deste espaço, até aos atores e às pessoas que são externas ao TUP”, refere.
“Eu queria que ‘O Espetáculo’ fosse construído a partir dessas pessoas, mais do que trazer uma coisa pré-concebida e encaixar as pessoas naquelas funções. (…) queria que tivessem uma experiência criativa, que sentissem que no processo eles não são só mandados fazer determinadas coisas, mas que pudéssemos ser um coletivo que pensa junto, que discute”, remata.
Sendo a peça que assinala os 70 anos do TUP, “O Espetáculo” não é um espetáculo comemorativo dos 70 anos, adverte Tiago Jácome. Não no sentido de ser “um espetáculo que faz uma retrospetiva histórica, que vai ao baú, a procura nunca foi essa”, explica ao JPN. “É pensar o agora, com estas pessoas, mas acredito que haja algum curto-circuito entre o particular, que são estas pessoas, e depois o geral, que se possa pensar numa ideia de coletivo e o que é um indivíduo dentro desse coletivo”, remata.
O desafio de criar a peça foi feito a Tiago Jácome ainda pela anterior direção do TUP, liderada por Joana Mont’Alverne. Com duas premissas: que o trabalho partisse de leituras ligadas à Internacional Situacionista, movimento cultural e político de finais dos anos 60, e que o espetáculo não fosse apresentado numa sala convencional. Que assumisse, quase, um caráter de “ocupação”, de “instalação”.
“Os situacionistas tinham um conceito ligado à Arquitetura e à Psicogeografia que era a deriva e [os professores Joaquim Moreno e Pedro Bandeira] trouxeram-nos esta imagem de viajar por uma cidade com o mapa de outra. E, então, comecei a pensar nisto de dois espaços formalmente muito diferentes”, explana Tiago Jácome.
A escolha acabou por recair sobre dois espaços da Universidade do Porto – o que “não foi propositado” – com características muito distintas, quase “dicotómicas” em alguns aspetos: o UPTEC-PINC (onde a peça passa a 13 e 14) e a Biblioteca do Fundo Antigo da Universidade do Porto, na Reitoria (onde estará a 19 e 20). “O Espetáculo” será o mesmo. Mas será o mesmo? “Hão-de ser dois espetáculos diferentes”, acredita o encenador.
Fanzine e sessão solene
Além da estreia d’”O Espetáculo”, os 70 anos do Teatro Universitário do Porto vão ainda ser assinalados em dois momentos, ambos agendados para o dia 15, sábado.
Às 17h00, na Livraria Flâneur será apresentada a “S/CISMO”, uma fanzine que propõe “refletir criticamente o aqui-e-agora que vivemos” e que para o efeito desafiou quem quisesse a enviar textos, fotografias, desenhos ou outros materiais para essa discussão. Vai agregar 35 propostas.
“Foi bastante interessante perceber que mesmo com uma chamada muito abstrata, onde cabiam muitas questões e inquietações, vendo o conjunto, há assim um espírito em que as coisas se tocam”, descreve ao JPN Orlando Gilberto-Castro, atual vice-presidente do TUP e coordenador do projeto.
Ainda no sábado, a partir das 21h00, haverá na Reitoria da Universidade do Porto uma sessão solene. Além de alguns convidados, que vão recordar outras fases da vida do TUP, haverá uma exposição com cartazes do grupo, o mais antigo dos quais de 1979. “E vamos ter uma projeção de vídeo de alguns espetáculos de 2011 até 2018”, explica Daniela Araújo Braga, aluna do curso de iniciação teatral de 2014 que assumiu a presidência do TUP em setembro.
A vida aos 70 anos
Apesar dos seus respeitosos 70 anos de atividade ininterrupta, e de ser hoje o grupo de teatro mais antigo da cidade do Porto, o TUP ainda anda de malas feitas de instalação provisória em instalação provisória.
Com a venda do antigo Colégio Almeida Garrett, onde o grupo ensaiava desde 2014, anunciada pela Universidade do Porto em 2017, foi preciso encontrar novo poiso. Mais um novo poiso. A solução encontrada pela anterior equipa reitoral passava pela reabilitação do antigo edifício dos SASUP, na Rua da Boa Hora.
“[O edifício] ia receber uma intervenção profunda no sentido de corresponder às nossas necessidades, era a primeira vez que íamos ter um espaço pensado e reabilitado para nós”, conta Orlando Gilberto-Castro. Mas a intenção não se concretizou, porque se realizaram eleições este ano e a equipa reitoral mudou.
“Contrariamente ao que era esperado, não vamos mudar-nos para a Rua da Boa Hora. Vamos permanecer aqui [antigas instalações do CIIMAR]”, confirma Daniela Araújo Braga. Contudo, sublinha, “a nova equipa Reitoral mostrou interesse e disponibilidade para tornar este espaço um espaço com condições para o funcionamento do TUP, nomeadamente, termos uma sala para oficinas, uma sala para construção de figurinos e cenografia, e uma sala de ensaios”. “Para um funcionamento integral, temos de ter outras condições. Mas à partida irá correr tudo bem”, remata.
A dirigente frisa que o TUP também serve de apoio a outras estruturas da cidade. E há ainda um enorme espólio que anda em permanente movimento e que precisa ser catalogado e protegido. “É uma coisa em que gostava muito de investir para o ano”, afirma Daniela.
Tiago Jácome, que acompanha o TUP desde os tempos de estudante na ACE, quando se mudou de Viana do Castelo para o Porto, aproveita para acrescentar: “uma companhia de teatro, independentemente de ser universitária ou profissional, com 70 anos, não é uma coisa que exista! Eu, como ator profissional, já ensaiei no espaço do TUP muitas vezes. No panorama de atividade artística teatral, mesmo circunscritos ao Porto, o TUP é uma peça fundamental. O que me faz muita impressão nisto, agora já não é o Tiago que encena o espetáculo, mas uma pessoa da cidade ligada ao meio, é que tem havido uma falta de tato, diria até de inteligência, pela falta de proteção que esta companhia tem.”
“É uma organização muito importante, cujo espólio não pode ser perdido nem andar por aí à deriva debaixo da chuva, com pessoas que têm de fazer mudanças de ano para ano”, conclui o ator.
Resiliente como qualquer nómada, o TUP assume-se como um organismo em constante renovação. Um organismo energizado a cada dois anos com a realização dos já conhecidos e exigentes cursos de iniciação teatral. Este ano, o TUP “fez” 15 novos atores amadores e sente-se em forma.
“Acho que o espírito do TUP vem daí. Nunca nada está propriamente definido. Estamos há 70 anos a mudar de casa. (…) Esse desconforto, de certa forma, também faz com que tenhas uma certa energia”, analisa Daniela Araújo Braga, para acrescentar com convicção: o TUP “está bem, está fresco, está jovem, está a renascer outra vez”.
Pronto para assegurar a sua missão? A palavra soa desajustada aos presentes. Pesada, talvez, numa entidade em permanente mutação. Mas há uma identidade. Nas palavras de Orlando Gilberto-Castro, que também já foi presidente (e quase tudo o resto, na verdade): “o TUP é um espaço particular de liberdade. De liberdade criativa e artística, mas acho que também de liberdade pessoal. Uma coisa que se nota muito nas pessoas que passam por cá, são processos de descoberta pessoal e há muita gente que muda de carreira porque de repente percebeu que gostava de outra coisa, ou pessoas que estão numa determinada fase das suas vidas e encontram aqui uma forma de lidar com isso”.
Para 2019, o plano de atividades ainda vai ser aprovado, mas parece certo que este septuagenário está longe de ter metido os papéis para a reforma. A ideia é levar “O Espetáculo” a festivais; a S/Cismo, a feiras de publicações; e o grupo está ainda a trabalhar com a Reitoria, com a vice-reitora Fátima Vieira, num projeto que visa homenagear Paulo Cunha e Silva, e que terá lugar em abril e maio.
“Independentemente do tema e da forma, estamos empenhados em continuar a fervilhar”, conclui Orlando Gilberto-Castro.
O Teatro Universitário do Porto apresenta “O Espetáculo” esta quinta e sexta-feira, no UPTEC-PINC (Praça Coronel Pacheco, nº 2) a partir das 22h00. À mesma hora, “O Espetáculo” vai a cena na Biblioteca do Fundo Antigo da Reitoria, a 19 e 20 de dezembro. Informações e reservas através do email [email protected].