De acordo com a estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), publicada em 2017, 264 milhões de pessoas sofriam de perturbação de ansiedade em todo o mundo, sendo esta a sexta doença mental que mais afeta a atividade produtiva. O número é referido no relatório “Depressão e Outras Perturbações Mentais Comuns” compilado pela Direção-Geral da Saúde e no qual se refere, também, que Portugal, de um conjunto de nove países europeus, é aquele com maior prevalência de perturbações de ansiedade (16,5%).

Mas quais são os fatores que predispõem alguém a passar por uma doença mental? Para Joana Fernandes, licenciada em Psicologia Clínica, com Mestrado em Psicologia da Dor e 15 anos de experiência profissional, “as doenças mentais são, na maior parte das vezes, o reflexo das crises, dos traumas, dos problemas vividos ao longo da vida. O desenvolvimento do indivíduo, desde o nascimento até à vida adulta, é determinante para tudo na sua vida”, refere a especialista, que acrescenta: “O estilo de vida também vai influenciar grandemente o surgimento destas crises. Esta busca desenfreada de sucesso e de resolução dos problemas pela via aparentemente mais fácil, própria dos tempos atuais, é um dos principais fatores para o surgimento destas doenças.”

Patrícia  insere-se no grupo de doentes cujas patologias se devem a um trauma durante a infância. Após ter vivido abusos por parte de um tio quando era criança, e de ter perdido diversos familiares, foi diagnosticada em 2005 com Transtorno de Ansiedade e Agorafobia.

Joana Fernandes afirma que “por vezes, a ansiedade corresponde a uma reação patológica a um acontecimento traumático, que pode desencadear sintomas constantes e incapacitantes. As experiências traumáticas da nossa vida podem condicionar a forma como sentimos e agimos. O trauma pode levar a fobias, que originam ansiedade e até mesmo o pânico”, explica.

Esta busca desenfreada de sucesso e de resolução dos problemas pela via aparentemente mais fácil, própria dos tempos atuais, é um dos principais fatores para o surgimento destas doenças.

Hoje, Patrícia tem 42 anos e dois filhos mas, em testemunho enviado ao JPN, a mulher, de origem brasileira, admite que a doença a impede de tomar conta das crianças sozinha: “sempre tem que ter alguém comigo para me ajudar, senão não dou conta”.

Há algumas linhas de apoio

Linha SOS Voz Amiga, mais conhecida pelo “Telefone SOS”, disponível diariamente das 16h às 24h, através dos telefones 213 544 545 / 912 802 669 / 963 524 660 ou pelo Facebook;

Conversa amiga, das 15h às 22h, pelos números 808 237 327 ou 210 027 159;

SOS Estudante, das 20h à 01h, pelo telefone 239 484 020;

Voades – Vocês Amigas da Esperança, acedível das 20 às 23h pelo número 22 208
07 07.

Em caso de emergência, recomenda-se o contacto com a Linha Saúde 24 (808 24 24 24) ou a deslocação a um serviço de urgência hospitalar com valência de Psiquiatria.

O que caracteriza a ansiedade

De facto, a ansiedade, bem como outras doenças mentais, atingem não só o indivíduo mas todas as suas atividades rotineiras bem como as pessoas que o rodeiam. “O indivíduo que sofre de ansiedade pode ser incapaz de ter uma vida e uma rotina normais. Por vezes, a ansiedade põe em causa atividades tão simples como sair de casa e ir ao café. A pessoa tem medo de manifestar os sintomas de ansiedade em público, acabando por se isolar e ter medo de estar com os outros.”, lembra Joana.

Mas o que é a ansiedade e o que separa alguém que está nervoso ou stressado de alguém que sofre de uma patologia que deve ser tratada?

Para a especialista, “a ansiedade é caracterizada por um sentimento de tensão, preocupação e medo. Em níveis normais e adaptativos, a ansiedade é considerada um mecanismo normal. Quando não está associada a nenhuma razão aparente, ou quando é sentida de uma forma excessiva e continuada, acaba por se tornar num problema de saúde grave e incapacitante. A ansiedade manifesta-se como um estado afetivo de desprazer acompanhado por sintomas físicos característicos que correspondem ao aparelho circulatório e respiratório, como a palidez, ou o rubor, a dispneia, e os batimentos cardíacos acelerados.”

Medicada por um psiquiatra, porém não acompanhada por um psicólogo, Patrícia sente que os medicamentos atrapalham o seu bem estar interferindo até com a sua libido sexual. “A minha vontade de curtir a vida acabou”, diz ao JPN.

Segundo Joana Fernandes, “a medicação é um recurso rápido e ‘fácil’ de utilizar, o que leva a um exagero e a uma cronicidade na utilização da mesma, quase sempre desadequada. Cada caso é um caso, mas em todos eles o apoio psicoterapêutico é essencial e obrigatório”, considera a psicóloga. Quanto à necessidade de medicação, ela deve ser “bem avaliada e a duração do tratamento deve ser o mais curta possível, de forma a evitar a dependência e a adição”, acrescentou.

A chegada à Universidade

Para Ana, nome fictício,  a ansiedade apareceu quando entrou para a faculdade em 2010, deixando a família no Algarve e passando a viver sozinha em  Lisboa.

No testemunho dado ao JPN, Ana conta o seu primeiro episódio de ansiedade: “Estava na faculdade há pouco tempo, há poucos meses. Quando estava a adormecer acordei de sobressalto, não conseguia parar quieta, tive que me levantar, senti uma espécie de corrente elétrica, choques, suores… entretanto aquilo não parava, comecei a sentir sensação de desmaio. Liguei ao meu padrinho, que mora perto de mim, e ele veio ter comigo de madrugada. Comecei a vomitar, enfim. Posteriormente a este episódio fui à psiquiatra que disse que seria uma crise de ansiedade e receitou-me medicação SOS. Estas crises pararam durante uns tempos, começaram a voltar de vez em quando, até que começaram a ser muitos mais intensas e recorrentes… fui diagnosticada com Síndrome do Pânico”, revela.

Para Joana Fernandes, esta situação é comum uma vez que “a universidade é um momento crítico na vida de um indivíduo, pois corresponde a uma das fases mais importantes da sua vida. Claramente, esta pressão vai ser uma causa muito frequente de doenças deste foro.”

Patrícia e Ana são apenas duas das 264 milhões de histórias sobre a ansiedade no mundo.  Em Portugal, os números continuam a crescer, entre 2011 e 2016 tanto os casos de ansiedade como os de depressão praticamente duplicaram. Para além deste facto, Portugal continua a ser o país europeu que mais consome benzodiazepinas, um tranquilizante que, segundo o relatório da Direção-Geral de Saúde, “induz tolerância (necessidade de aumento progressivo da dose para se manterem os resultados esperados) e dependência (sintomas físicos e mentais consequentes à suspensão abrupta).”

Artigo editado por Filipa Silva