Treinar para um voo espacial não estava nos planos de Ana Pires. Bem pelo contrário, já que o percurso académico e profissional da cientista de 38 anos esteve sempre ligado às geociências.

A bolseira do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) e investigadora do INESC TEC candidatou-se ao curso da Embry-Riddle Aeronautical University, na Flórida, EUA, pela curiosidade que tinha sobre a investigação em que havia participado Rui Moura, o primeiro cientista-astronauta português, que é professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. “Pareceu-me uma oportunidade para aprender mais e trazer o know-how dos EUA  para cá”, diz a também estudante do Mestrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores.

“Possum – Ciência Suborbital Polar na Alta Mesosfera” é o projeto que serve de pretexto à preparação de candidatos para um voo espacial suborbital como cientistas-astronautas. Estes profissionais devem acompanhar o piloto nos voos espaciais para apoiar a investigação. O programa recebeu centenas de candidaturas, mas Ana Pires ficou entre o grupo final que integrou 12 pessoas de países como França, Colômbia ou Porto Rico e de áreas tão diferentes como a medicina, engenharia aeroespacial ou física. “Além de aprender, a ideia é que cada um possa contribuir para o projeto com a especialidade que tem”, explica Ana Pires ao JPN.

O curso durou um mês e meio, no outono do ano passado, e começou com uma componente teórica ensinada remotamente, em que Ana estava em Portugal enquanto tinha aulas sobre “fisiologia humana, sistemas de suporte de vida nas naves espaciais, estudo da mesosfera, metodologias de aquisição de imagem e fatos espaciais”. Depois, seguiu para os Estados Unidos onde teve “uma semana intensa” de formação no terreno composta por aulas com instrutores e investigadores da NASA.

Cientista na pele de astronauta

“Tivemos uma série de experiências em que sentimos quase o que um astronauta sente”, recorda a geocientista, notando que “os treinos não chegam à intensidade daquilo que um astronauta tem de fazer”. A  simulação de uma missão com fato espacial ou a ida a uma câmara hiperbárica para observar os efeitos da falta de oxigénio foram alguns dos pontos da formação.

Ana Pires reconhece que “não tinha noção dos pormenores de vestir um fato espacial”. O processo, que demora cerca de meia hora, tem que ser feito quando se está sentado ou deitado e tem que considerar questões como a pressão do fato e o condicionamento da mobilidade. Especialmente desafiantes foram os dois vôos acrobáticos para experimentar a força G, que “simulam o que um astronauta sente no arrancar da nave”.

Além de continuar a investir no conhecimento na indústria espacial – regressa em maio aos Estados Unidos, desta feita ao Arizona, para um curso sobre geologia lunar e de  Marte –, Ana Pires quer estreitar ligações entre as equipas e projetos portugueses e norte-americanos, no sentido de trocar conhecimentos e desenvolver investigações em conjunto. “É preciso continuar a aprender e aumentar a nossa cultura espacial”, conclui.