“As tecnologias constituem um meio de controlo e posse para parceiros abusivos”, mas a forma como a tecnologia influencia o mundo das relações vai muito além desse universo. E nem toda a influência é negativa. Os telemóveis, as redes sociais, a internet de um modo geral vieram alterar o modo como interagimos e disso não ficam imunes os casais. No Dia dos Namorados, celebrado a 14 de fevereiro, ouvimos a psicóloga clínica Filipa Jardim Silva sobre o tema.

Quando o smartphone é o terceiro elemento da relação

A tecnologia é hoje parte integrante da nossa vida. O grau de dependência varia, mas pode afetar o tempo de qualidade do casal: “Quando o telefone é o primeiro e o último objeto a que damos atenção, ao acordar e ao adormecer, inevitavelmente, adicionamos um terceiro elemento intruso entre um casal, o que não é positivo”, refere Filipa Jardim Silva. “Se numa refeição, os olhos não se afastam nunca inteiramente do ecrã, naturalmente que isso terá um impacto nefasto na partilha que é feita”, completa.

Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica. Cedida pela entrevistada

As tecnologias habituaram-nos à instantaneidade e à necessidade de uma atenção repartida e muitas vezes superficial. Para a psicóloga portuense isso reflete-se também na maneira de interagirmos com o outro: “Estamos tão habituados a estar em multitasking todo o dia, em permanente modo de atenção dividida e rodeado por mil estímulos que de alguma forma podemos destreinar o nosso músculo da atenção focada“.

Ao mesmo tempo, temos a perceção de que o nosso mundo de algum modo aumentou, seja porque temos centenas de amigos no Facebook, milhares de seguidores no Instagram, ou porque no geral tudo grita que não podemos ansiar por menos do que tudo. Isso “também nos pode influenciar numa busca incessante por mais e melhor, afetando as nossas relações”, comenta Filipa Jardim Silva. É “como se à primeira discussão ou conflito existisse a tentação de descartar o outro, assumindo que existirá melhor nesta montra global.”

Está numa relação com…

Há também a questão da maior ou menor exposição da vida privada a dois que as redes sociais vieram potenciar. O estado de uma relação, a publicação de fotografias a dois ou mesmo declarações públicas de afeto são hoje em dia bastante normais. É importante também que essa partilha de informação seja acordada a dois. No entanto, esse tipo de comportamento pode não refletir um casal saudável e apaixonado.

A psicóloga Filipa Jardim Silva afirma que é importante questionarmo-nos acerca de quais as nossas motivações reais para a partilha: “Quando a resposta que surge traduz insegurança na relação, preocupação com a perceção dos outros, vontade em projetar uma determinada realidade ou comparação/rivalidade com outras pessoas, então, poderá ser importante parar e refletir sobre a informação recolhida. Quando, por outro lado, a resposta encontrada traduz serenidade, afeto genuíno e alinhamento com a realidade real, então, possivelmente, é uma informação que aponta para uma partilha pública de afetos saudável e alinhada com características de personalidade”.

Comportamentos abusivos

De uma coisa os profissionais da área estão certos: “as tecnologias constituem um meio de controlo e posse para parceiros abusivos”. Como sempre, não é a tecnologia em si, mas a forma como é usada. As portas que abre. Através das tecnologias é possível controlar um parceiro ou obter informações acerca de ex-parceiros. Desde o stalking nas redes sociais, a aplicações que permitem saber se o parceiro está online no momento, passando pelo roubo de passwords ou até ao controlo de movimentos financeiros através de home-banking. São muitos os métodos e ferramentas que hoje em dia podem ser utilizados para controlar os movimentos das pessoas, com quem se interage e por onde se move.

Estabelecer limites e lidar com a insegurança

As nossas interações virtuais podem também gerar insegurança na relação, com base em coisas aparentemente inofensivas, de likes a sorrisos para o ecrã. Também as redes sociais são um meio fácil para nos conectarmos com outras pessoas. Filipa Jardim Silva sublinha a necessidade da importância de estabelecer novos limites: “As tecnologias e as redes sociais trouxeram a necessidade de se repensar na definição de traição e nos limites que cada um de nós coloca nas suas relações: sempre que nos envolvemos emocionalmente com alguém, que priorizamos a interação com essa pessoa em detrimento de outras atividades, que lhe confidenciamos aspetos íntimos da nossa vida e expressamos sentimentos, então estamos a criar um elo digno de ser considerado uma traição.” Independentemente de ser no mundo virtual ou real.

Tinder: swipe right, swipe left

Numa época em que as pessoas trabalham cada vez mais, estão mais sozinhas e ou sentem dificuldades na interação com pessoas na vida real, aplicações como o Tinder, que localizam pessoas emocionalmente disponíveis e geograficamente próximas, podem ser uma ferramenta útil para juntar pessoas. Estas plataformas, no entanto, funcionam apenas como “uma ponte”, na visão da psicóloga. “Só depois na vida real e ao vivo e a cores é que se poderá criar ou não uma relação amorosa verdadeira”, completa.

Amar à distância

O ditado já é antigo e como todos os ditados, não é necessariamente verdade. Porém é inegável que uma relação à distância é desafiadora. O potencial das tecnologias é particularmente vantajoso neste aspeto: faz esquecer a distância geográfica. “As tecnologias ao permitirem partilhas em tempo real seja por imagem, voz ou vídeo, ajudam muitíssimo a criar a sensação de proximidade mesmo na distância”, conclui Filipa Jardim Silva.

Artigo editado por Filipa Silva