Foram quase três horas de um debate ativo, num auditório cheio de estudantes. O Dia Mundial da Rádio, comemorado na quarta-feira, foi o pretexto para juntar quatro apaixonados do meio e profissionais do setor, convictos que a rádio se tem sabido adaptar ao presente e que terá de o saber fazer no futuro.
Rita Colaço, jornalista da Antena 1, defendeu a necessidade de dar renovada atenção aos ouvintes mais jovens: “Precisamos de saber como é que vocês estão a procurar conteúdos de rádio. O desafio passa por ir buscar a vossa linguagem, a vossa interatividade e também procurar temas mais inovadores, menos tradicionais”, argumentou perante uma plateia preenchida por estudantes universitários.
Por outro lado, Pedro Mesquita, da Rádio Renascença, relembrou que apesar de ele próprio ter acompanhado uma transformação da rádio ao longo dos tempos – tem mais de 30 anos de carreira -, existe uma necessidade, independentemente dos formatos, de o jornalismo seguir uma linha: “Jornalismo é jornalismo e jornalismo é rigor. As redações só estão envelhecidas quando não se conseguem adaptar, mas enquanto eu conseguir entrar no vosso meio e contar uma história, acho que não há envelhecimento nas redações.”
A resistência da rádio, como meio de comunicação tradicional, ao online foi um assunto abordado. Miguel Midões, da TSF, não tem dúvidas que a rádio se tem adaptado muito bem ao digital: “Quando estou a fazer um texto para o online, o foco principal da notícia vai sempre para o áudio. As coisas podem e devem complementar-se, não esquecendo que estamos a trabalhar para a rádio.”
Vanessa Rodrigues, jornalista freelancer, rematou que a rádio tem sido o meio que mais tem inovado nos formatos mais híbridos. Partilhou uma situação antiga quando, na faculdade, a propósito das primeiras tentativas da rádio na internet, um professor lhe disse: “Nós não sabemos bem onde isto vai dar, mas sabemos que temos de lá estar”, contou. “A rádio tem sido um grande exemplo dessa tentativa de inovar nos novos tempos, sem nunca deixar de fazer aquilo que é primordial. O jornalismo com os seus valores.”
A rádio que fala “só para mim”
Rita Colaço também se pronunciou: “Eu acho que o online tem sido um amplificador da rádio. Numa certa altura, a televisão surgiu em jeito de ameaça, mas nós tivemos sempre a vantagem de ser ouvidos a qualquer hora, em qualquer lugar. Antigamente a rádio falava para a família, atualmente fala só para mim, para os meus ouvidos, numa relação intimista.”
Uma espécie de “Antena Aberta” foi instalada. Ao longo do debate, várias pessoas, de forma interventiva, iam pondo a mão do ar, à espera de fazerem a próxima pergunta.
Jornalismo imparcial
A imparcialidade jornalística, relacionada com o desligar das emoções foi um ponto tocado várias vezes durante o encontro. Sobre este aspeto, Vanessa Rodrigues explica que “o jornalista é completamente epidérmico. Mas envolve-se sempre de alguma forma. Tens um código deontológico e elementos de jornalismo que te permitem fazer o teu trabalho de acordo com essas coordenadas. A pessoa que tu és não se mistura, mas ao mesmo tempo há que perceber quando somos capazes, ou se estamos demasiado envolvidos em determinado assunto que nos faça não fazer um bom trabalho.”
Pedro Mesquita concluiu: “Há momentos em que nós nos envolvemos de tal forma que parece impossível ser imparcial, mas há outros em que estranhamente me senti a pessoa mais fria do mundo.”
Afunilamento das notícias
A opinião foi unânime quando questionados a respeito da seleção dos temas diários e da existência, ou não, de um afunilamento das notícias nos comunicação social. Os quatro jornalistas concordaram que existe: “Sim, sinto esse afunilamento das temáticas. Mas quando nós nos dedicamos, aquela é a história do dia. E depois custa ouvir que só temos um minuto para falar, quando há tanta coisa para dizer, mas é mesmo assim”, respondeu Pedro Mesquita.
Rita Colaço contrapôs dizendo que a reportagem lhe dá mais margem para contar os detalhes que trazem riqueza à rádio: “No direto, perdem-se tantos olhares… Eu prefiro ter mais tempo para contar as histórias”, admite. “O processo de convencer os editores que temos a história da manhã é que é mais complicado. Por vezes, temos medo de não ir atrás de um chamado ‘jornalismo de carneirada’, mas podemos ir atrás da nossa história, temos é de investir nela e não deixar que seja apenas um momento fugaz”, considerou.
Vanessa Rodrigues reforçou a importância de ouvir um “não” e da maneira como se deve transformar essa fraqueza numa força: “As propostas que fazemos têm muito a ver com as nossas inquietações como seres humanos e cidadãos ativos e isso relaciona-se com o tipo de jornalismo que vamos fazer. A reportagem é o género jornalístico onde se corta mais nas redações. Por vezes, é mesmo um grande luxo. A vantagem de ser freelancer quando vou a outros países é descobrir ângulos que ainda não foram explorados”, conclui. Miguel Midões rematou: “A nossa forma de ser e estar no jornalismo” deve ser a mesma de ser e estar na vida. Seguir a intuição é fundamental.
Antes do arranque da conferência, os quatro jornalistas partilharam com o público o percurso que fizeram até chegarem à rádio, meio pelo qual nutrem um enorme apego.
Miguel Midões, que aos sete anos distribuía notícias pelas caixas de correio da aldeia onde cresceu, nunca se esquece de levar o gravador na bagagem quando vai de férias. Rita Colaço, que ajudou a construir uma rádio local com o pai, falhou por décimas o curso de Jornalismo – é licenciada em Geografia – mas tanto insistiu que arranjou um estágio na TSF. Já soma dois Prémios Gazeta da Rádio. Vanessa Rodrigues confessou-se uma viajante incurável e à escala do planeta que tenta ir buscar as suas histórias. E Pedro Mesquita, o convidado com mais anos de experiência na rádio, relembrou os tempos em que a internet não existia e os dias que passou em cenários de guerra, do Iraque a Timor. A maior emoção, a de todos os dias, encontra-a contudo noutro plano: entrar em direto, na antena da rádio, é a sua “grande paixão”.
A conferência “Diálogo, Tolerância e Paz”, organizada pelo GT de Rádio e Meios Sonoros da SOPCOM, decorreu na quarta-feira, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Artigo editado por Filipa Silva