O grande auditório do Teatro Municipal do Rivoli foi o palco escolhido para a visualização de “Laranja Mecânica”, uma adaptação do livro homónimo de Anthony Burgess em 1962, perante uma sala cheia e uma audiência manifestamente mais jovem que o próprio filme.

“Laranja Mecânica” conta a história de Alex DeLarge, um adolescente sociopata que vive com os pais nos subúrbios de Londres. Ele e o seu gangue de amigos têm como passatempo noturno favorito deambular pela cidade em busca de violência. Até ao dia em que Alex é condenado a 14 anos de prisão por homicídio de uma colecionadora de arte. No entanto, através de uma nova experiência científica desenvolvida pelo governo, o protagonista tem a oportunidade de se converter num bom cidadão e voltar à liberdade.

Alex, contudo, tem de passar por uma série de experiências que se baseiam na visualização de filmes violentos. O protagonista não pode fechar os olhos e, ao mesmo tempo, é-lhe administrada medicação para o seu corpo sentir repulsa perante atos de violência. Após passar pela experiência com distinção, Alex está curado e volta à sociedade.

Numa série de reviravoltas na trama, Alex reencontra personagens do passado que agora pretendem vingar-se dele. Num ato desesperado tenta o suicídio e volta ao seu estado violento normal. Entretanto, o governo oferece-lhe emprego se colaborar com o sistema contra adversários políticos e Alex aceita.

Usando uma linguagem muito específica, “Laranja Mecânica” é uma distopia e uma comédia negra sobre a violência social, a arte como obscenidade sexual e a incapacidade da sociedade e do sistema político em lidar com o problema criminal de forma consistente. A ação é passada num futuro distante numa sociedade altamente tecnológica, mas onde os valores éticos e morais permanecem arcaicos.

Alex é manipulado física e psicologicamente, transformando-se um fantoche para ser usado para fins políticos, neste caso do ministro do Interior que procura ser reeleito. No fundo, o político pretende reabilitar Alex, tornando-o um modelo anti-violência para a sociedade. A questão fulcral é que Alex transforma-se num robô sem autonomia de escolha.

O seu mal-estar físico torna-se insuportável perante cenários de violência, mas também perante a música (a 9ª sinfonia de Beethoven que tanto idolatra) ou mesmo o sexo. O título do filme remete-nos para esta alusão à “Laranja Mecânica”, uma espécie de mundo orgânico modificado para funcionar de forma mecânica, como o próprio protagonista da história.

O espetador cria uma ligação emocional com Alex que se apresenta como uma espécie de anti-herói violento e sem escrúpulos, mas ao mesmo tempo culto, sedutor e inteligente, o que o distingue do resto do seu grupo de amigos. O resto dos seus droogs são boçais e meros seguidores do líder.

Os atos de violação, roubo ou espancamento não são branqueados, mas antes cómicos de assistir. “Laranja Mecânica” torna-se, assim, num filme onde a ironia impera e onde Stanley Kubrick abre azo a várias interpretações finais. Em ordem do homem se tornar um ser mais perfeito, terá ele mesmo que sacrificar a sua liberdade em prol do bem comum?

A genialidade do realizador vai além da adaptação literária. Na película, para além da majestosa música clássica que serve de pano de fundo à história (de Gioachino Rossini a Ludwig Van Beethoven), os detalhes com os cenários e os trajes de época futuristas são impressionantes, até para os nossos dias. Percebe-se que o filme não é datado, o que é notável, uma vez que já passaram 48 anos desde o seu lançamento oficial.

Em Portugal, o filme estreou apenas em 1974 no período pós-revolucionário, já que ” Laranja Mecânica” foi banido em vários países europeus devido aos momentos de violência presentes na película. No Reino Unido, o filme foi banido depois da estreia, após uma onda de crimes supostamente inspirados no filme. Devido a esse facto, o realizador Stanley Kubrick proibiu que o filme fosse vendido no Reino Unido até à sua morte, em 1999.

Artigo editado por César Castro