As tendências estão marcadas. Na era do digital, os humoristas criam-se no online, ganham lá visibilidade e seguidores e saltam depois para os palcos. Do outro lado, os que se lançaram aos microfones antes da explosão da internet deparam-se com a necessidade de aumentar o público e de ter uma presença no digital.
Os meios, diferentes por natureza, são permeáveis à migração dos comediantes. O público segue-os e acompanha a adaptação. Sobe o número de seguidores e subscritores, esgotam-se as salas, mas não foram só os meios que mudaram. As referências de hoje também são diferentes. Os jovens humoristas já não falam no Herman ou em Solnado; referem antes Salvador Martinha, Rui Sinel de Cordes, Bruno Nogueira e o consensual Ricardo Araújo Pereira como fontes de inspiração. Destes, só o último não está conectado às redes.
O digital da visibilidade e da democratização
Sérgio Duarte (o Estagiário) e Bruno Henriques (o Doutor) dão vida ao projeto “Jovem Conservador de Direita”. “Quando se começou a falar da possibilidade de haver um governo da Geringonça começou a haver uma espécie de paranóia entre os grupos de direita. Decidimos fazer de conta que éramos uma pessoa de direita muito preocupada com o fim da democracia. Criamos a personagem a partir daí”, explica Sérgio.
A página de Facebook onde tudo começou conta já com mais de 70 mil gostos. “O Jovem Conservador de Direita” apresenta-se como uma personagem neo-liberal, dada às boas maneiras e bons costumes, suportados pelo capitalismo e conservadorismo. O projeto passou das publicações satíricas aos palcos, com paragem também pelo televisivo “canal Q” e pela edição de um livro. No fim de 2018, apresentaram o espetáculo “Previsões para o Ano que Passou” e preparam agora o “Supremacista Cultural”, a ser apresentado em Coimbra.
“A ideia sempre foi essa: passar para o mundo analógico e sermos reconhecidos como artistas que conseguem atuar ao vivo, para além de escrever”, explica Bruno Henriques, que encarna o Doutor. Por terem começado nas redes sociais, os humoristas sentem algum preconceito. “Sentimos isso em alguns comentários: ‘Estes gajos são gajos do Facebook, não faz sentido existirem ao vivo’”, como se fosse um “meio estanque que não permita a migração social”, observa o “Doutor”.
A maior vantagem das redes sociais é a visibilidade. “O que é que acontecia normalmente antes de haver a possibilidade de chegar a tanta gente? Era tudo muito centralizado em Lisboa. Conta muito estares próximo do poder e de onde existem os centros de audiovisuais, mas as redes sociais permitem uma certa democratização”, considera o ovarense Sérgio Duarte. O digital “dá-nos oportunidades e permite-nos chegar a pessoas que não chegaríamos de outro modo, mas não chega para ser uma carreira”, esclarece.
Diogo Faro é o “Sensivelmente Idiota”. O blogue surgiu há nove anos, mas Diogo já lá não escreve desde 2014, mantendo ativa a página de Facebook com o mesmo nome, criada em 2011. O ex-criativo em agências despediu-se para aplicar a criatividade ao humor a tempo inteiro e, “sem ser rico”, consegue pagar as contas, a renda, viver da comédia e ainda “sobra dinheiro para viajar e para cerveja, que é muito importante”, conta ao JPN.
“Nunca me arrependi de me ter tornado comediante e a verdade é que tenho cada vez mais portas abertas, porque tento fazer várias coisas”, garante Diogo. O humorista, além de alimentar as redes sociais com textos e alguns vídeos, escreve crónicas para a “Sapo24”, já lançou três livros, apresentou programas e estreou no início deste mês o seu primeiro espetáculo de stand up a solo, “Lugar Estranho”, que passa pelo Porto na próxima sexta-feira.
Diogo assume que o enfoque do seu humor são os “problemas sociais do mundo”, como o “feminismo, machismo, racismo”. Na comédia, reconhece, “há espaço para todos”.
O sucesso da página deveu-se a alguns vídeos virais publicados, mas o salto para os palcos foi desejado. “Não tenho paciência para fazer muitos vídeos. Gosto muito mais de estar em palco e, se for para a internet, gosto muito mais de escrever”, diz.
Entre os dois meios, há um preferido? São “diferentes”. O stand up tem um feedback mais imediato: “as pessoas estão ali a olhar para ti e ou riem ou não riem”. Nas crónicas, “eles publicam e está feito. Podem haver haters ou comentários bons, mas não é uma coisa que está lá à minha frente. Nesse sentido, o stand up é mais difícil, mas, se correr bem, é mais gratificante”.
“Se queres ser visto, tens de estar num sítio onde as pessoas te possam ver”
A velha expressão ‘nunca digas nunca’ aplica-se a Rúben Branco. “Assumi a muitos amigos meus que nunca iria para as redes. Nunca”. O lisboeta faz humor há quatro anos e começou em bares e pequenas salas a fazer stand up, a atuar para poucas pessoas, com “péssimos pagamentos”. “Estava mesmo no underground do stand up”, lembra, e viu-se obrigado a fazer a transição.
“Comecei a perceber que se não estás no digital, hoje em dia, não existes”, acredita o “Rei do Underground”, como é conhecido pelo seu público. “A partir do momento que descobres a plataforma que queres, aquela que se identifica mais com o teu registo ou com aquilo que queres representar, o grande desafio torna-se ‘Como é que vou espelhar isso no meu conteúdo e distanciar-me de tudo o resto?’ Há tanta oferta nas redes sociais que o grande desafio é seres único”, constata.
Atualmente, Rúben Branco já é considerado um youtuber. Mantém a presença nos palcos e escreve crónicas para a “Playboy Portugal”. A presença no digital foi o intermediário entre as salas pequenas e palcos maiores. “O Simpático”, o espetáculo que apresentou em janeiro no Cinema São Jorge, em Lisboa, vai passar pelo Teatro Sá da Bandeira, no Porto, a 12 de abril. “Se hoje em dia, ter 65 mil [subscritores] ajuda a vender bilhetes? Ajuda. Eu fui para o youtube porque percebi que se queres ser visto, tens de estar num sítio onde as pessoas te possam ver”, afirma.
O objetivo do digital é criar audiência e os assentos dos espetáculos são preenchidos por uma plateia que já sabe ao que vai. Nos bares, o público diversificado abre espaço a nervosismos dos comediantes. “Num espetáculo meu, eu sei que as pessoas vão lá para ver tudo aquilo que eu digo. Quando vou a um bar, é um processo de adaptação mais demorado”, considera Branco, que completa: “[nas salas] estou no meu recreio e posso falar do que eu quero, sem ter de explicar tudo às pessoas”.
“Se queres ser humorista, não chega fazer stand up“
Com cada vez mais espetáculos de humor, mais comedy nights, mais youtubers e páginas online humorísticas, seria de pensar que o negócio do humor estivesse a ficar saturado em Portugal, não? “Pelo contrário. Cada vez mais vejo público a ir por mais escolhas – nichos. Sinto que no Porto, hoje, temos mais comedy clubs do que tivemos a vida inteira. Para já, estranhamente, está a coabitar toda a gente, o que é bom”, esclarece Eduardo Marques, humorista, que organiza as noites de comédia na Casa do Livro, no Porto às quintas-feiras.
“Minimamente Conhecidos” é o seu mais recente projeto, assente no youtube. Eduardo Marques convida personalidades conhecidas do público português, que menospreza humoristicamente num talkshow que apresenta de boxers, robe e chinelos. Da lista de convidados já fizeram parte João Quadros, Guilherme Fonseca e Diana Nicolau.
Eduardo Marques sentiu a necessidade de estar também presente nas plataformas online, que alterna com os palcos. “Se queres ser humorista, não chega fazer stand up. Não consegues encher salas com stand up. Conheço muitos bons humoristas que, por não terem conteúdo digital, não conseguem encher salas”, conclui.
O programador de salas é da opinião que os meios digitais “ajudam toda a gente”. Ainda assim, o conteúdo humorístico deve adaptar-se aos diferentes meios. “Há coisas que não funcionam no stand up”, diz, e Rúben Branco completa a ideia, com o outro lado da medalha: “há conteúdo que só resulta no Youtube, pela forma como é consumido. Nem é pelas piadas, é pela sua orgânica e pelas suas respirações”.
O online tem também, para Sérgio Duarte, outra caraterística: uma “métrica” (através do número de likes e partilhas) que, “não sendo uma meta definitiva de sucesso”, permite avaliar o interesse do público. Porém, não é esta medida que motiva o duo do Jovem Conservador de Direita. “A única luta por relevância é tentarmos ser originais e, sobretudo, divertirmo-nos”, garante.
O digital, devidamente trabalhado, abre portas e possibilidades. “A única coisa que nos fecham são twitters de políticos, que estamos bloqueados por todos. Não sei porquê não gostam do que nós dizemos”, remata Bruno Henriques, o Doutor do Jovem Conservador de Direita.
Artigo editado por César Castro