É por acreditar que “muitas das mudanças que acontecem ao nível social começam nas esferas jovens, académicas e estudantis” que Diana Pinto, estudante de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto se juntou ao Coletivo Feminista de Letras (CFL), um grupo constituído por alunos (e alunas) que procura defender, incentivar e debater a causa feminista. Esta sexta-feira, Dia da Mulher, a jovem de 22 anos participa na primeira Greve Feminista em Portugal.

A greve, organizada pela Rede 8 de Março sob o mote “Se as mulheres param, o mundo para!”, tem quatro pilares: greve laboral, greve aos cuidados (e trabalho assalariado), greve ao consumo e greve estudantil. É nesta última que se concentram os alunos que decidiram esta sexta-feira, em defesa dos direitos da mulher, faltar às aulas. Apesar do dia ser, por norma, de menor carga horária e esta greve ser inédita, alguns coletivos feministas aderiram e estão a promover a greve nas faculdades de Letras, Direito e Belas Artes.

Em Letras, os membros do CFL estão a fazer um piquete nos portões da faculdade. Na Faculdade de Direito, o coletivo feminista FEMfdup tem vindo a sensibilizar estudantes para a greve e está também a distribuir panfletos, assim como o coletivo Fofolete Molotov, em Belas Artes. Para estes coletivos, o dia culmina às 18h30, na Praça dos Poveiros, com a participação numa das 13 manifestações feministas marcadas para esta sexta-feira pelo país.

O JPN procurou descobrir o que motiva três jovens mulheres a aderirem à greve e a promoverem a mobilização estudantil nas suas faculdades. A desigualdade salarial, a desvantagem no acesso ao mercado de trabalho e os comportamentos culturais opressivos em ambiente académico em relação à mulher foram os principais motivos apontados.

Começa aqui mudarmos o que esperamos ver de melhor no mundo do trabalho. E o grande objetivo é terminar, diminuir para terminar, as grandes opressões que ainda se vivem, como resultado do sistema patriarcal”, afirma Diana Pinto ao JPN.

“Olha para ela, que acha que sabe o que diz” | Diana Pinto, Letras

Diana Pinto é estudante de História. Nas aulas, conta, “a história ainda é contada do ponto de vista dos vencedores e esses são maioritariamente homens. As mulheres são faladas do ponto de vista de homens, as histórias das mulheres são contadas do ponto de vista de homens”.

A jovem de 22 anos, que desenvolveu o interesse pela luta feminista com as suas experiências diárias e por páginas de Simone de Beauvoir, juntou-se ao CFL motivada pela luta pela igualdade de género. No Coletivo, encontrou estudantes defensores de uma causa comum e um espaço de partilha. Apesar de nunca ter sido vítima de assédio na faculdade, Diana menciona o caso de uma colega. “Ainda há bem pouco tempo, uma colega minha sofreu de racismo e misoginia por um colega, dentro de uma sala de aula. E contou-nos. É algo que ainda acontece”, relata Diana Pinto.

No meio académico, vê desigualdades no salário e na constituição dos corpos docentes, maioritariamente constituídos por homens, “apesar de existirem mais alunas e mais alunas a formarem-se”. A perceção da capacidade intelectual de uma mulher ou de um homem também difere, na sua opinião. “A assertividade de uma mulher ainda é vista como ‘olha para ela, que acha que sabe o que diz’. Mas a assertividade de um homem é vista como inteligência, como lucidez. É admirável um homem ser assertivo e saber o que diz, dizê-lo com confiança, enquanto que a mulher ainda é vista como sabe-tudo, ou acha-que-sabe-tudo”, constata Diana.

O CFL motiva esta sexta-feira a adesão dos estudantes à greve e à participação na marcha ao final da tarde, que marcam o Dia da Mulher. À porta da faculdade, no Campo Alegre, entregam panfletos e estão disponíveis para falar sobre feminismo e todos os ismos, mitos e motivações que o rodeiam. “Tentamos ser uma força aglomeradora das pessoas que querem participar, estar presentes nas ruas e informar as pessoas do 8 de março”, para que “cada pessoa celebre da forma que achar melhor”.

Para Diana, este é o seu dever: “fazer um feminismo interseccional, porque tenho a voz para o fazer, tenho as possibilidades monetárias e financeiras para ter tempo para o fazer. Estamos num país que me permite fazê-lo, tanto quanto possível. Pelo menos a liberdade de expressão que tenho, acho que a devo usar nesse sentido”, conclui.

Estudantes de Letras à porta da Faculdade, esta sexta-feira. Foto: Diogo Gouveia

“Um bando de peixeiras aí na rua” | Bárbara Messias, Direito

Na Faculdade de Direito, penduraram-se fitas roxas, para assinalar o dia de forma simbólica. Quinze minutos depois, foram retiradas. “Realmente caracteriza a faculdade”, opina Bárbara Messias, aluna da Licenciatura em Direito e uma das coordenadoras do FEMfdup, o coletivo feminista da faculdade situada na Rua dos Bragas, que promoveu a ação.

Também neste lado da cidade alguns estudantes decidiram aderir à greve. Para Bárbara, a participação estudantil na greve é essencial. “São os estudantes que tomam as decisões importantes do amanhã” e é necessário que “estejam alertas e conscientes”, acredita a jovem de 19 anos.

O Coletivo que incentiva à greve estudantil na Faculdade de Direito tem cerca de cinquenta membros e surgiu no início do ano letivo, em setembro. Segundo Bárbara, não foi bem recebido. “A nossa faculdade é conservadora. Só pelo facto de existirmos, de sermos um coletivo feminista, já somos vistos como feministas radicais. As pessoas fazem muitas piadas”, conta. A aluna de Direito recorda-se de um episódio em que uma colega a questionava sobre o FEMfdup. Às respostas de Bárbara, a aluna terá respondido ‘Ah, é que eu estava cheia de medo que fossem um bando de peixeiras aí na rua’.

A falta de recetividade dos restantes alunos da Faculdade de Direito notada pelos membros do coletivo é, para Bárbara, sintoma da “falta de perspetivas feministas” na estruturação do curso e, consequentemente, na Justiça portuguesa. “A lei nem está muito mal, mas isso culmina na justiça machista. Nos últimos dias, tem havido imensa opinião pública fervida acerca do [juiz] Neto de Moura. É extremamente importante haver essa consciência de que a Justiça em Portugal ainda tem que evoluir muito no sentido da igualdade de género”, nota a aluna.

A ação feminista foi-lhe inspirada pela mãe. “Foi durante muito tempo uma mulher num mundo de homens”, revela. No setor agrícola, a mãe de Bárbara recebia menos do que homens que desempenhavam as mesmas funções. “Era uma coisa aberta na altura. ‘Recebe menos? É porque é mulher’ e pronto. Eram-lhe colocados obstáculos por ser mulher”.

Porém, Bárbara garante que “não é preciso ter uma mãe ou um pai como exemplo”. O feminismo “é uma questão que faz todo o sentido olhando para a sociedade atual, que ainda tem padrões muito antigos e vale mesmo a pena dar o salto”.

Divulgação da primeira Greve Feminista.

Divulgação da primeira Greve Feminista. Foto: Diogo Gouveia

“Não vejo que as mulheres tenham menos capacidade que os homens. Não têm, de forma nenhuma”, diz, completando: “porém, se formos ver quem está a frente das sociedades, quem tem os cargos políticos mais altos, quem coordena as jotas [juventudes partidárias], são sempre homens. Não tenho nada contra homens. Mas não é por as mulheres terem menos capacidades intelectuais que não estão nesses cargos. Portanto, de certeza que há algo mais a impedir as mulheres de evoluírem na carreira”.

Bárbara refere ainda um estudo que conclui que as mulheres portugueses estão exaustas e comenta: “Mas é claro. As mulheres trabalham exatamente as mesmas horas que os homens nos empregos, chegam a casa e ainda têm mais horas de tarefas domésticas. A divisão das tarefas domésticas está longe de ser uma realidade”. Apesar de não ser algo que a afete diretamente por enquanto, Bárbara afirma não querer esse destino. “Não quero que isso seja o futuro das mulheres. Não quero que seja a minha realidade, nem a de mais nenhuma mulher”. Cabe aos estudantes “estarem alerta hoje, para que amanhã façam algo de diferente”.

“A greve feminista é uma urgência” | Júlia Fávero, Belas Artes

Fofolete Molotov é o nome do coletivo feminista da Faculdade de Belas Artes, constituído em outubro. “É uma ironia, as fofoletes eram bonecas fofinhas vendidas no Brasil e extremamente populares”, explica uma das fundadoras, Júlia Fávero, de 21 anos.

O Coletivo quis também ser uma força mobilizadora no evento e esteve em contacto com a Rede 8 de Março, que ajudou o recém-formado grupo a desenvolver algumas ações de consciencialização. Durante esta sexta-feira, os membros do grupo têm estado a distribuir panfletos a alertar e a convocar estudantes para a greve e a manifestação.

A greve feminista é, para Júlia, “uma urgência”. Participar na greve que assinala o Dia da Mulher era óbvio. “Não foi tanto uma decisão quanto um movimento extremamente natural para nós. Não apenas como coletivo feminista, mas enquanto mulheres submetidas às opressões do sistema de género, também era nosso papel oferecer toda a ajuda que pudéssemos dar”, explica.

Para incentivarem os estudantes de Artes à greve, os membros do coletivo tentaram sensibilizar e trazer a discussão feminista para o espaço universitário. Da perspetiva da aluna, poucos foram os estudantes que apareceram hoje à faculdade junto ao Jardim de S. Lázaro, mas não pela primeira Greve Feminista: “houve uma festa ontem”.

Júlia frequenta a Licenciatura em Artes Plásticas e vê a Faculdade de Belas Artes como um espaço “extremamente apolítico”. “São poucos os alunos que de facto engajam na militância, pensam e discutem sobre questões sociais, mesmo ao nível da produção artística”, explica ao JPN. A aluna considera que a maior parte dos estudantes “não revela grande interesse”. “Talvez tenha a ver com a idade de muitos deles e uma falta de contacto palpável com as temáticas feministas”, tenta justificar.

O objetivo do coletivo feminista de Belas Artes passa agora por fornecer aos estudantes esse contacto com o feminismo e continuar a trabalhar na “criação de um espaço de diálogo, inclusão e debate”.

Artigo editado por Filipa Silva