É um coletivo recente e ainda pequeno, mas já com impacto nos círculos feministas em Portugal. Integra a Rede 8 de Março, plataforma que reúne coletivos que defendem diversas causas sociais e organizadora de protestos no Dia da Mulher espalhados um pouco por todo o país. Chama-se A Coletiva e afirma-se como interseccional e anticapitalista. Tem base no Porto, mas também ligações em Coimbra, Braga, Vila Real e Lisboa.

Patrícia Martins, d’A Coletiva, conta ao JPN que “entre finais de 2015 e 1 de maio de 2017” algumas das mulheres do grupo “faziam parte do Contrabando, um espaço físico associativo onde diferentes coletivos e associações se encontravam, não só para fazer reuniões, mas também debates ou festas”. Patrícia descreve o Contrabando como um “espaço de contracultura no Porto” constituído por “uma rede de ativistas” diversificada, dado que “não circulavam só as questões feministas, mas também do clima, dos sem-abrigo ou do antirracismo”.

O espaço acabou por fechar depois do senhorio não querer renovar o contrato. “Dados os obstáculos que o problema da habitação no Porto nos colocou, não tínhamos possibilidade de alugar um novo espaço, mas continuámos a dinamizar as nossas iniciativas”, explica.

No final de 2016, surgiu uma chamada internacional para a organização da Marcha das Mulheres, uma iniciativa nascida nos Estados Unidos e que teve lugar depois da tomada de posse de Donald Trump, em janeiro de 2017. “Como já tínhamos um grupo de ativistas no Porto ligadas ao feminismo, decidimos criar reuniões abertas para organizar uma manifestação”, revela Patrícia. “Criamos assim a plataforma Parar o Machismo, Construir a Igualdade, que serviu para organizar mobilizações específicas à volta dos direitos das mulheres. Achámos depois que era um nome muito longo e que não servia os nossos propósitos, por isso mudamos para A Coletiva.”

O ativismo

Preferem o termo “ativismo” a “voluntariado”. “O ativismo implica uma ação mais empoderada sobre aquilo que defendemos. Mesmo não sendo uma ação partidária, (o ativismo) não deixa de ser uma causa política”, afima Patrícia. “As pessoas ligadas à Coletiva ajudam num regime de voluntariado no sentido de ser trabalho não pago, mas como é um coletivo e não uma associação, o trabalho é informal”. A gestão é orgânica e não há direção ou financiamento. “Aquilo que nós fazemos é muitas vezes uma resposta à agenda social e mediática”, adiciona a ativista de 30 anos.

As ineficiência da prevenção da violência, as polémicas com o juiz Neto de Moura, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto sobre a violência doméstica e violações e a recente lei da paridade salarial são alguns dos temas relacionados com igualdade de género mais badalados em Portugal no momento. Para Patrícia Martins, uma das prioridades deve ser a “questão da violência doméstica” porque é “estrutural”. “Temos de olhar para a questão do trabalho, porque enquanto as mulheres forem as pessoas que têm menos rendimentos ou menos acesso a apoios sociais” há obstáculos à “autonomia necessária que as permita sair das relações de violência ou terem sequer tempo de pararem e procurarem ajuda”.

Relativamente a estratégias de divulgação dos ideais feministas, considera que “todas são importantes” mas que “cada grupo se dedica a coisas diferentes”.

“Por exemplo, A Coletiva não é uma associação com o projeto de ir às escolas dar formação sobre igualdade de género, até porque achamos que é da competência do Estado criar políticas públicas para que no sistema educativo haja essa formação. Acaba por ser uma forma de exploração usarem-se as associações voluntárias para ocupar esse papel”, reforça.

O método mais usado pelo núcleo é a manifestação, que Patrícia Martins caracteriza como “muito importante”: “são uma ocupação do espaço público e uma forma de dar visibilidade àquilo que é muito privado, mas que na verdade é altamente coletivo e altamento político”, justifica. “Nós usamos mais esse tipo de ação, porque é aquele com que mais nos identificamos”, conclui.

Sobre o decreto do Dia de Luto Nacional pelas vítimas de violência doméstica, Patrícia é direta: “O responsável por fazer essa reação social não devia ser o Governo, devia ser toda a sociedade. Neste momento, o Governo devia ter todos os ministérios reunidos para tentar perceber como atuar rapidamente sobre a violência doméstica, não marcar datas simbólicas, porque a data simbólica já é hoje (8 de março). E simbólico é o que as associações e os coletivos fazem”.

As lutas inteligadas

A interseccionalidade da causa feminista com outras lutas de justiça social é também uma parte fundamental da filosofia d’A Coletiva. “É inevitável também a questão do antirracismo”, começa Patrícia Martins. “Não é possível falar-se de uma revolução da consciência social sobre aquilo que as mulheres representam em Portugal se não houver uma mudança no racismo estrutural e, sobretudo, uma afirmação dos coletivos feministas de mulheres negras que existem e que, muitas vezes, são subvalorizados face a outros grupos, como por exemplo o nosso”. Todas as constituintes d’A Coletiva no Porto são brancas e isso dá-lhes “um privilégio que outros grupos feministas não têm”.

A oposição ao sistema capitalista é outro dos pilares do grupo. “Na questão da desiguldade salarial, não podemos olhar só para as carreiras de topo, temos de olhar para todas as camadas sociais”, sublinha Patrícia Martins. A desigualdade “tem muito a ver com o sistema económico que está subjacente à forma como nós vivemos e como aprendemos a viver, que é altamente injusto” e “perpetua a escravatura contemporânea”, considera.

“Quando o feminismo é só uma palavra estampada numa camisola”

A explosão de popularidade do feminismo nos últimos anos deu aso ao crescimento de uma corrente opositora que frequentemente apelida a causa de desnecessária, autoritária ou demasiado radical. “Primeiro, dentro do feminismo há várias correntes e o feminismo radical é uma corrente dos anos 70 e tem a ver com a necessidade das mulheres serem um sujeito político. Esse feminismo radical foi evoluindo e nós não nos identificamos tanto com ele, mas sim mais com a corrente anticapitalista”, esclarece Patrícia. Além disto, “ser radical signifca ir à raíz dos problemas e não ficar só pela ponta do iceberg”.

“Quando o feminismo é só uma palavra estampada numa camisola da H&M ou uma frase no Instagram, incomoda muito pouco e o próprio capitalismo apropria-se das lutas para as incorporar na moda e as tornar trendy”, continua Patrícia Martins.

Também há mulheres machistas”, acrescenta. “Mulheres e homens são educados no mesmo sistema, não é só por sermos mulheres que vamos ter acesso a aprendizagens feministas e os homens não. Portanto, é natural que as mulheres também expressem atitudes e ideias machistas, porque assim é o sistema”, remata.

O futuro

E depois da greve, o que está nos planos? “Ainda vamos no início, mas estamos a planear um projeto para o verão inspirado pela caravana feminista da Marcha Mundial das Mulheres. O que nós queremos é levar debates relacionados com feminismo ao interior do país e aproveitar os contactos que já temos com associações lá para abordar as questões dos direitos das mulheres a aldeias ou vilas mais pequenas”.

Para A Coletiva, o Dia da Mulher “é um dia para celebrar os direitos conquistados e para reivindicar todos os que ainda faltam”.

Artigo elaborado para a unidade curricular de Públicos e Audiências e publicado no site WikiTribune aqui.

Artigo editado por Filipa Silva