No Dia Mundial da Poesia, o JPN dá voz a poemas e poetas que fizeram das suas composições um exercício de descoberta da essência do Porto. Por entre interjeições e deslumbramentos, prepare-se para embarcar numa viagem sonora ao centro da Invicta.

“A Bucólica Margem”

Sento-me então a olhar o rio,
os pensamentos formam cardumes
que contra a corrente se insurgem
mas as águas são inexoráveis;
olhando-as, a superfície cintila,
propaga-se como se fossem notas
de um piano na garupa de um cavalo
que se dirige para o mar.

O Douro bebe as cores da cidade,
sobre elas eu abro o coração
em que te encontras, as colinas
emolduram as raizes que à terra
nos ligam. Para os meus olhos
é momento de pausa: as coisas
que interrogo não resistem à maré,
não dão respostas; perdem-se no mar
como tudo o que a memória não reteve.

de Egipto Gonçalves

“Balada do Rio Douro”

Que diz além, além entre montanhas,
O rio Doiro à tarde, quando passa?
Não há canções mais fundas, mais estranhas,
Que as desse rio estreito de água baça!…
Que diz ao vê-lo o rosto da cidade?
Ó ruas torturadas e compridas,
Que diz ao vê-lo o rosto da cidade
Onde as veias são ruas com mil vidas?…
Em seus olhos de pedra tão escuros
Que diz ao vê-lo a Sé, quase sombria?
E a tão negra muralha à luz do dia?
E as ameias partidas sobre os muros?
Vergam-se os arcos gastos da Ribeira…
[…]
E o rio passa torturado, aflito,
Sulcando sempre o seu perfil nas almas!…

de Pedro Homem de Mello

“Nasci no Porto”

Nasci no Porto. (…)
Ali o cais, a Ribeira, os rostos, as vozes, os gritos, os gestos.
Uma beleza funda, grave, rude e rouca.
(…) Histórias de naufrágios, de barcos perdidos, de navios encalhados.
Por isso nas noites de temporal se rezava pelos pescadores.
Ouvia-se ao longe o tumulto do mar onde navegavam os pequenos barcos da Aguda tentando chegar à praia.
Quando a trovoada estava próxima, a luz apagava-se.
Então se acendiam velas e se rezava a Magnífica.
(…) Porque nasci no Porto sei o nome das flores e das árvores e não escapo a um certo bairrismo.

de Sophia de Mello Breyner Andresen

“As noites do Porto”

Shakespeare podia ter vivido aqui. Podia
ter dançado na noite de S. João, quando o rio
transborda para as ruas nas correntes
humanas que as inundam. Podia ter escrito
nos invernos de ausência o que a noite
ensina sobre a privação. Podia ter
ensinado, à beira do cais, que o tempo lascivo
corre como a água, levando o que não há-de
voltar e trazendo o que nunca terá nome
nem corpo. As almas, que empalidecem quando
o sol poente se reflecte nos vidros,
cantam bruscamente o verão.
(…)
Mas o que ele cantou, podia
tê-lo cantado aqui. Todos os lugares são,
afinal, lugar nenhum para quem não habita
senão a própria voz.
(…)

de Nuno Júdice

Serenata ao Douro

Ao luar, o Douro dança
Esquecendo as mágoas
Sem mais lembrança
Acalentando, jovens sonhos de estudantes
Enamorados, pelo olhar de uma donzela
Que os faz cantar assim.
Essas ruas velhas são o berço que me embalam noite dia
Essas casas sóbrias são senhoras com olhares de nostalgia
É, noite cerrada, pela calçada
Desce à ribeira.
O Porto acorda, raiado e fresco
Sentindo orgulho, em cada gesto
Em cada casa, loja, tasca ou viela
No olhar de uma criança
No pregão de uma varina
Que teima em desvendar.
O Porto namora às escondidas com as águas desse rio
Lança o seu olhar de luz corada que ilumina o casario
Já, é madrugada, pela calçada
Desce à ribeira.

de Tuna Feminina de Letras

Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de Técnicas de Expressão Jornalística Audiovisual/Rádio – 2º ano