O futuro da imprensa em papel é uma incógnita, recuperar a confiança da audiência será a maior batalha, conseguir um equilíbrio entre jornalistas especializados e polivalentes é necessário e previsível. Ainda a propósito dos 15 anos celebrados pelo JPN na última sexta-feira, desafiámos alguns docentes e profissionais da área a fazerem as previsões possíveis sobre o futuro próximo do jornalismo.

No domínio do futuro dos media tradicionais, António Granado, professor do Departamento de Ciências da Comunicação  da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, sublinha que há uma tendência para vender “cada vez menos jornais em papel” e “o fecho de vários” títulos em banca indicia que estes “estão condenados”. Já a rádio, para o professor universitário, “continuará a ter o seu papel” no futuro e que esta pode “reinventar-se mais uma vez”.

Quanto à televisão, o antigo jornalista do “Público” considera que esta “já é uma ficção no que diz respeito ao seu modelo de negócio”, porque “os publicitários pagam por anúncios que ninguém vê”. A capacidade de ver on demand fez com que “muita gente já não veja televisão ao mesmo tempo que ela está a acontecer, por isso, aceleram os anúncios”.

Fernando Zamith, professor de jornalismo na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), considera que, analisando as tendências mais recentes, “os meios tenderão a ficar tecnologicamente mais híbridos”, “de tal maneira que se calhar até temos mais dificuldade em separar o que é rádio, televisão, imprensa, online“.

Contudo, o professor da FLUP acredita que nem todos os suportes vão sobreviver. “A evolução dos jornais e das revistas já os está a transportar para qualquer coisa que é não terem suporte em papel”, conta o professor que chega mesmo a afirmar que “com certeza que daqui a 15 anos não chamaremos imprensa, ou se chamarmos já não vai estar no papel”.

Segundo o docente, “a produção já é digital há muito tempo” e “a impressão a papel e a sua distribuição são entraves tremendos” para as redações.

Ainda assim, Fernando Zamith não prevê o desaparecimento de todos os meios tradicionais. A par da rádio, “a televisão tem um grande futuro”, nomeadamente através da sua fusão com a internet, algo “claro e irreversível”.

Helder Bastos, diretor do curso de Ciências da Comunicação da FLUP, acredita que a sobrevivência dos meios tradicionais depende “em quase tudo do modelo de negócio, sustentável a longo prazo”, mas também “das audiências e dos novos hábitos de consumo de informação”. Segundo o professor da FLUP, se as novas gerações “não mostram grande interesse pelo consumo de notícias produzidas por jornalistas profissionais, será muito difícil renovar as gerações de leitores“.

O docente crê que “terá de haver algum tipo de intervenção do Estado nesta matéria”, porque “o mercado por si só poderá não ser capaz de garantir a informação de qualidade de que os cidadãos precisam”.

Redação do jornal “Público”. Foto: Inês Aparício

“Os jornalistas estão a ser correias de transmissão de interesses”

Um dos maiores problemas que as redações enfrentam na atualidade é a desconfiança dos cidadãos. Para Fernando Zamith, “a audiência hoje está mais cética do que no passado” e a confiança nos meios de comunicação social “já desceu tanto que será difícil descer mais”. Segundo o docente, o jornalismo já foi uma das profissões em que a sociedade mais confiava e tal “tem que ser recuperado e vai, certamente, ser recuperado”.

Contudo, para Helder Bastos, a confiança pode ainda “vir a diminuir significativamente se o jornalismo não conseguir reafirmar a importância do seu papel nas sociedades democráticas e inverter alguns erros de trajetória”. O antigo jornalista do “Jornal de Notícias” e do “Diário de Notícias” afirma que nos últimos tempos o jornalismo “tem cedido a algumas tentações perigosas para si próprio”, como a de se tornar mais “leve”, pouco rigoroso e sem valor.

Helder Bastos partilhou com o JPN que a perda de audiências levou a uma “adulteração na pesagem daquilo que é notícia“, de maneira que “temas cruciais para a sociedade são muitas vezes ofuscados” por “escândalos irrelevantes”. O professor universitário afirma que muitas vezes os jornalistas dão “palco a “notícias” falsas apanhadas à pressa” nas redes sociais e que é necessário “recentrar o jornalismo nos seus princípios e práticas mais nobres”.

António Granado considera que “em muitas áreas os jornalistas estão a ser correias de transmissão de interesses”. Segundo o antigo redator do “Público”, “o jornalista serve os leitores, não os poderes instituídos, os clubes de futebol, os partidos políticos ou sindicatos”.

Para Luís António Santos, docente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, as cartas estão nas mãos dos jornalistas. “A confiança vai depender daquilo que o jornalismo quiser ser no futuro”, comenta o profissional que começou na Rádio Universitária do Porto e que é da opinião que “se o jornalismo quiser funcionar na base de cliques não tem grande futuro”.

Por outro lado, o antigo correspondente em Londres do “Diário de Notícias” revela-se um otimista e considera que “as pessoas sentem necessidade do jornalismo”.

Para Fernando Zamith, “com certeza que daqui a 15 anos não chamaremos imprensa, ou se chamarmos já não vai estar no papel”. Foto: Sara Pires

Jornalismo “low cost” produz jornalismo “fast food”

De acordo com Helder Bastos, assim como “o excesso de polivalência mata a qualidade jornalística”, “o excesso de velocidade no tratamento de cada notícia é inimigo do rigor”. O antigo jornalista do “Jornal de Notícias” defende que “fazer jornalismo com equipas reduzidas ao mínimo e a trabalhar em ritmos acelerados só pode dar em jornalismo de fraca qualidade”, ou “jornalismo fast food”.

Para Pedro Miguel Santos, diretor do Fumaça, um projeto editorial recente, os jornalistas serem “forçados a fazer tudo” não é “muito inteligente nem produtivo”. “Alguém que tem de gravar, filmar, editar uma peça em vídeo, tratar do áudio e tirar fotografias já não está a ouvir as pessoas e os detalhes”, partilha o jornalista.

Luís António Santos reconhece que “às vezes há vantagens em ler um trabalho de um jornalista que é especializado numa área, mas vai ser sempre necessário ter gente curiosa, inquieta e que não se contenta com a primeira resposta“. Uma tendência, segundo o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, é também “as redações terem no seu seio áreas profissionais que achamos estranho que estejam ligadas ao jornalismo”.

“A polivalência já foi um risco maior do que é hoje”, confessa Fernando Zamith. Segundo o professor da FLUP, “havia um receio bastante grande que de repente o jornalismo fosse feito apenas por profissionais polivalentes”, mas não parece que haja risco de “nos próximos 15 anos a polivalência se acentuar”.

Contudo, “um jornalista não pode pensar que até ao final da sua carreira vai fazer exatamente a mesma coisa, tem que estar desperto” e ser um “canivete suíço”, partilha o professor.

No final de contas, o equilíbrio acaba por ser a palavra de ordem para Fernando Zamith. “Haverá sempre muita procura de polivalentes, porque são uma mais-valia fantástica para as redações, mas também é muito bom ter especialistas que dominem bem uma certa área”, remata.

Secção online do “O Jogo”. Foto: Filipe Rodrigues Ferreira

Modelo de negócio do futuro é uma incógnita

Os tempos em que as pessoas se juntavam à volta do rádio para ouvir os seus programas favoritos já vão longe. Segundo Fernando Zamith, “estamos cada vez mais num jornalismo mais fragmentado, as audiências já não consomem todas a mesma coisa”, o que levanta um problema quanto ao modelo de negócio.

Para o professor da FLUP, restam “mais alguns anos” para “tentar perceber como é que vamos atingir a viabilidade económica do jornalismo”, mas “mais tarde ou mais cedo a sociedade vai acabar por reconhecer que precisa mesmo do jornalismo e por isso a própria comunidade irá encontrar uma forma de viabilizar o trabalho dos jornalistas”.

O crowdfunding tem sido uma aposta dos media, segundo Helder Bastos, bem como “o patrocínio de conteúdos, a organização de eventos e o reforço das assinaturas digitais”. O docente manifesta a sua preocupação com “um período de transição complicado, durante o qual as receitas das novas fontes de financiamento não consigam compensar as perdas nas receitas da publicidade.”

Luís António Santos, ainda que admita que não é possível “fazer grandes previsões para a frente”, refere que “é possível antecipar que alguns dos modelos de funcionamento do jornalismo passem pela criação de associações, que de alguma maneira tenham veículo para trabalho jornalístico”.

O professor universitário acredita que “eventualmente vamos ter mais jornalismo dependente da relação de maior proximidade entre quem lê, ouve ou vê o produto jornalístico” e que “vamos ter vário modelos de fazer jornalismo e nem todos eles corresponderão à perceção que nós hoje temos do exercício da profissão”.

Artigo editado por Filipa Silva