É preciso mais investimento, falta regularidade na participação dos estudantes, mas, ainda assim, há tempo e espaço para a experimentação. Estas foram algumas das ideias saídas do 1º Encontro de Ciberjornalismo Académico (ECA), que decorreu na sexta-feira, no Polo de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
O primeiro painel de debate, reunido sob o mote “Como melhorar o ciberjornalismo académico feito em Portugal?“, juntou atuais e antigos responsáveis por alguns projetos de ciberjornalismo académico do país, que apontaram avanços, mas sublinharam também que há caminho por fazer.
Margarida David Cardoso, antiga diretora do JUP-Jornal Universitário do Porto, e Pedro Dinis Silva, diretor do jornal académico “A Cabra“, de Coimbra, realçaram a necessidade de uma maior iniciativa por parte dos estudantes. “Era importante haver uma mudança cultural nos estudantes”, afirmou a jornalista do “Fumaça” que recorda nos tempos do JUP a existência de “um nicho de alunos que se interessavam em produzir”.
“É ali que fazemos e experimentamos. É preciso aprender e falhar“, sublinhou perante uma plateia essencialmente formada por estudantes de Ciências da Comunicação. Pedro Dinis Silva apontou também para a importância de “dar a conhecer os jornais académicos“, apelando à união entre eles.
A falta de investimento em projetos ciberjornalísticos foi unânime entre o painel. Teresa Abecasis, uma das fundadoras do projeto “REC-Repórteres em Construção“, considera que há falta de reconhecimento da atividade jornalística académica e que é importante investir a sério em projetos que a promovam. Rafael Mangana, chefe de redação do “ornal online na Universidade da Beira Interior, diz que é possível envolver mais “os meios com a comunidade” académica e de proximidade da academia, por exemplo, através de parcerias.
Ideia semelhante defendeu Pedro Jerónimo na conferência “Ciberjornalismo Académico e na proximidade: dos media regionais às universidades e politécnicos e vice-versa” que precedeu o painel. O investigador do Remedia.Lab da Universidade da Beira Interior, mentor do encontro, sublinhou que pode “ser interessante” para os cibermeios académicos “trabalharem com os media regionais“. O docente sublinhou ainda a necessidade de, por um lado, os alunos trabalharem em equipas multidisciplinares e, por outro, ser feito um investimento em recursos multimédia. “Há boas histórias que podem ser bem contadas através da junção de todos os meios que constituem o multimédia”, salientou.
De volta ao debate, Ana Isabel Reis, docente do curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto e diretora do JPN, alertou o painel, a partir da plateia, para a falta de um enquadramento legal dos meios académicos. A chamada de atenção encontrou eco nos oradores, que apontaram ser algo importante para o reconhecimento e responsabilização dos trabalhos jornalísticos universitários.
Rui Barros, antigo diretor do “ComUM“, dos estudantes de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, presente no painel, lembrou alguns episódios em que sentiu, na qualidade de estudante de jornalismo, a falta de ter uma habilitação que o identificasse, deixando no ar uma sugestão: “Acho que deveria existir uma carteira para os estudantes“.
Jornalismo “ao sabor do calendário letivo”
Ainda que sejam várias as questões em falta, “a proximidade que temos entre estar a aprender jornalismo e a pôr isso em prática” é a vantagem que Pedro Dinis Silva considera ser mais notória quando se fala nas potencialidades do ciberjornalismo académico. Além da aprendizagem, o espaço e o tempo para criar e corrigir, pensar e experimentar, de forma a fugir aos constrangimentos do jornalismo convencional, é o que marca este tipo de projetos universitários.
Rui Barros, agora jornalista de dados na Rádio Renascença, acredita que os cibermeios académicos são um espaço privilegiado para criar ferramentas e para as desenvolver e, por isso, deixa uma questão: “Porque é que não há uma plataforma na universidade para desenvolver esses meios?”.
A sazonalidade do trabalho, apontada pela maioria dos oradores, é um dos principais problemas comum a todos os projetos. “Viver o ciberjornalismo a nível académico é viver ao sabor do calendário do ano letivo“, afirmou Pedro Jerónimo na sua apresentação. Os conteúdos noticiosos dos projetos académicos são produzidos por estudantes e, por isso, a sua produção é normalmente interrompida em períodos de férias letivas. Este é um grande entrave, tendo em conta que a constante atualização noticiosa é um ponto fulcral ao exercício do jornalismo.
Também a falta “de memória” é uma dificuldade que acompanha os projetos ciberjornalísticos. A rotatividade de estudantes ao longo dos anos não ajuda à preservação da história de cada um dos projetos, leva a oscilações na identidade, e pode ainda quebrar a cadeia de transmissão de conhecimento, afetando em última análise a evolução no tempo do próprio órgão.
A “novidade” REC
Um dos projetos ciberjonalísticos que teve também lugar no ECA foi o REC-Repórteres em Construção. Teresa Abecasis, uma das fundadoras e jornalista multimédia do “Público”, explicou que o projeto junta estudantes de jornalismo, jornalistas e professores de jornalismo, que agora trabalham “com mais regularidade” depois de um período ainda longo de desenvolvimento.
A funcionar desde janeiro, o REC é o projeto de ciberjornalismo académico mais recente em Portugal. A ideia é apostar em trabalhos mais desligados da atualidade noticiosa para serem feitos com “mais tempo”, e com a orientação de professores e jornalistas para “todos juntos, tentarem fazer jornalismo de forma diferente”, acrescentou Teresa Abecasis.
Para além de um programa de rádio mensal – emitido no primeiro domingo do mês na antena da Rádio Renascença – e de um site, o REC também disponibiliza formação a alunos de jornalismo. Rita Pais Santos, que fez parte da formação, considerou a experiência “muito enriquecedora”. A aluna destacou a importância do contacto com outros estudantes de comunicação e com profissionais da área. “Faz-nos pensar quem é que nós seremos no futuro e se alguma vez vamos ser um destes profissionais, que agora admiramos e olhamos de uma forma tão especial”, concluiu.
O 1º Encontro de Ciberjornalismo Académico serviu também para celebrar os 15 anos do JPN, um dos projetos de ciberjornalismo universitário mais antigos do país. Fernando Zamith, que fez parte da equipa fundadora do JPN, lembrou que a “ligação umbilical” entre o curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto e o JPN foi “a chave” para que o projeto tenha funcionado até agora. Num debate integrado por parte da equipa fundadora do projeto, foram recordados momentos históricos do projeto lançado no ano de 2004.
Do #ECA fez ainda parte Anne Driscoll, uma jornalista norte-americana que veio ao Porto sublinhar o papel que a investigação jornalística pode ter em casos de condenações judiciais injustas na conferência “Losing Innocence and Finding Justice in the Age of the Internet“.
O encontro, organizado pelo Observatório de Ciberjornalismo e pelo JPN, com o apoio da FLUP, da American Corners Portugal, do CIC Digital e da FCT, tem segunda edição assegurada: será organizado no próximo ano na Covilhã.
Artigo editado por Filipa Silva