Tiago Girão assumiu recentemente a direção de informação do Porto Canal, depois de dois anos a trabalhar em conteúdos do Futebol Clube do Porto. Na sede do canal, na Senhora da Hora, o jornalista falou com o JPN sobre os objetivos para a informação do canal, a experiência no programa “Universo Porto da Bancada” e o que o levou a ser jornalista.

JPN: Como surgiu a oportunidade de ocupar o cargo de diretor de informação do Porto Canal?

TG: Surgiu de uma forma muito inesperada. Não estava à espera de vir a ocupar ou de ter um convite para este cargo. É verdade que já tinha tido uma passagem pela informação do Porto Canal, mas estava há algum tempo a fazer os conteúdos do Futebol Clube do Porto (FCP) e programas ligados ao FCP, especificamente dois durante a semana.

O convite surgiu da parte da direção-geral da Porto Media, a empresa que detém o Porto Canal, porque houve o entendimento de que era necessário fazer uma mudança na direção de informação, sobretudo porque queriam dar uma nova linha editorial ao canal. Consideraram que tinha características para ocupar este cargo, uma vez que já tinha passado pela informação do canal e tinha estado nos conteúdos do FC Porto. Esta ligação com o FCP tem de continuar a existir e deve ser aprofundada. Até porque [o FCP] é o dono do canal e é uma marca, os conteúdos do FCP têm muita audiência e são uma parte muito importante daquilo que é hoje o Porto Canal. Portanto, eu teria facilidade de fazer a ligação com esse universo do Futebol Clube do Porto.

Esteve dois anos no programa “Universo Porto da Bancada”, que tem tido um papel muito interventivo particularmente no último ano. O que retirou dessa experiência?

O “Universo Porto da Bancada” é um programa que procura falar a verdade do futebol português, embora no início não tivesse muito esse objetivo, mas acabou por ter por força das circunstâncias, da questão dos e-mails, etc. Pelo menos, dar a conhecer uma outra realidade do futebol português, à luz daquilo que é o entendimento do Futebol Clube do Porto, obviamente. Outros terão outro entendimento. Faz parte da vida.

Foi feito um caminho, e o mérito desse caminho tem de ser totalmente dado ao Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FCP, que foi a pessoa que vestiu e continua a vestir com grande visibilidade essa camisola. Quem lá passou também, e quem está lá neste momento enquanto comentador, quer o Pedro Bragança, quer o José Cruz.

A experiência que tive nesse programa ajudou-me a ter maior capacidade para discernir aquilo que é importante do que não é à luz dos interesses do FCP, o que é ou não notícia. É preciso ter essa sensibilidade neste cargo, porque há coisas que nos interessam cobrir e outras que não, assuntos que são mais importantes para nós e que para os outros [canais] não.

Há zonas comuns e que se cruzam, assuntos que não têm nada a ver com o desporto. Dando um exemplo concreto: olhar e fazer o escrutínio daquilo que são as decisões do poder central em Lisboa é a nossa função. O Futebol Clube do Porto e o presidente Pinto da Costa sempre tiveram muito esse papel. Essa também é uma das nossas funções, fazer o escrutínio daquilo que acontece no nosso país de uma forma objetiva e pragmática, sem qualquer tipo de barreiras mentais.

Apesar de uma redução no número de trabalhadores no ano passado, está prevista alguma alteração para que o Porto Canal possa surgir como um contrapeso ao centralismo?

Os objetivos mais imediatos da informação do Porto Canal estão bem definidos: uma linha editorial virada para o território é uma das nossas prioridades a partir de agora. Quando digo território não digo só o Porto nem o Grande Porto. Um território que é muito vasto, ao contrário do que se possa pensar. A região Norte vai de Aveiro para cima. Estamos a falar de quase três milhões de pessoas, quase tantas quanto as que vivem na Grande Lisboa. Estamos a falar de um território muito vasto que é nosso, porque acreditamos que são essas pessoas que veem o Porto Canal e são essas pessoas que têm apetência para ver o Porto Canal, mesmo que não o vejam neste momento.

Por outro lado, depois de definida esta linha editorial, há um outro objetivo que para nós é fundamental: retomar rapidamente os jornais ao fim de semana. Foi uma coisa que terminou nessa altura em que houve essa mudança de política. Vamos retomá-los agora. Entendemos que temos de ter informação presente na grelha do canal durante o fim de semana. Nesse sentido, vamos ter de reforçar a equipa. Não conseguimos fazer jornais ao fim de semana com a que temos atualmente. O processo de recrutamento está em andamento.

Vamos também ter a mudança do jornal das oito para as nove da noite, todos os dias de segunda a domingo. À segunda-feira é um jornal mais especial, vamos tentar trazer para a antena temas que são fraturantes. Temas que queremos que passem a estar na agenda dos outros canais e órgãos de informação. Vamos regressar com as médias reportagens, para já, e depois vamos ver se conseguimos estender a uma grande reportagem. É um projeto que já tivemos quando o diretor de informação era o Domingos Andrade.

Este modelo vai arrancar dia 1 de abril e posso já adiantar que o primeiro tema que vamos tratar será o da Regionalização. Está na ordem do dia e é um tema que nos é caro, tendo em conta o enquadramento que nós temos.

Estas são as grandes modificações que vamos fazer. Vamos tentar que as nossas notícias tenham o olhar de quem vive aqui e nesta envolvência. Queremos perceber o que os deputados que são eleitos pelos círculos aqui do norte andam a fazer pelo norte, porque é que os políticos tomam determinadas decisões e não outras. Vamos andar atrás deles e chateá-los, no bom sentido da palavra.

Tiago Girão apresentou e foi coordenador do programa "Universo Porto da Bancada" durante dois anos.

Tiago Girão apresentou e foi coordenador do programa “Universo Porto da Bancada” durante dois anos. Foto: Porto Canal

Passou de um programa como o “Universo Porto da Bancada” para um cargo na chefia de informação do Porto Canal. Pode existir algum tipo de desconfiança no que diz respeito à isenção jornalística?

Não, de todo. E a razão principal para isso, na minha opinião, é uma coisa muito simples: o “Universo Porto da Bancada”, apesar dos temas e da forma como os tratou, foi um programa que tratou sempre as coisas de uma forma rigorosa. Desde o primeiro momento que isso foi uma mensagem passada do Francisco J. Marques para toda a equipa. Havia uma regra para cumprir escrupulosamente: nada ia para o ar sem que fosse inteiramente verdade e verificado. E preservando sempre a vida privada das pessoas, e isso também foi passado para toda a gente e cumprido até hoje.

A minha função como apresentador nunca foi igual àquela que vemos noutros canais, nomeadamente de clubes, na BTV, onde os apresentadores vão além daquilo que é o papel deles, tomando posições e alimentando determinadas coisas. Aqui [no Porto Canal] somos diferentes e assumimos essa diferença com muito orgulho. Tenho muito orgulho de ter passado pelo “Universo Porto da Bancada”. Fizemos um excelente trabalho, de grande rigor e a equipa que está neste momento vai continuar esse caminho, com certeza. E acho que vamos colher esses frutos muito brevemente, se Deus quiser.

Qual vai ser o maior obstáculo aos objetivos que se propõem a atingir?

A maior dificuldade talvez seja o acesso às pessoas que estão em Lisboa. Infelizmente, estamos num país em que, apesar de pequeno, a distância ainda cria muitos problemas. Acontece quase todos os dias. Se queremos obter a reação de um ministro, secretário de estado, um deputado, estão todos em Lisboa e, muitas vezes, nem estão disponíveis para falar ao telefone, o que ainda é mais ridículo. Essa é uma dificuldade que vamos tentar contornar. Vêm aí eleições. Sabemos que os políticos vão andar mais pelo Norte nos próximos tempos. Portanto, vamos tentar apanhá-los por cá e iremos questioná-los naquilo que entendemos que devem ser questionados.

Outra dificuldade que podemos ter é a presença no território. Já tivemos muitas delegações, como é sabido, [mas] hoje em dia não temos tantas quanto aquelas que gostaríamos de ter, mas vamos tentar arranjar uma forma de estarmos mais presentes no território. Isso está a ser trabalhado e espero poder resolver a questão nos próximos tempos.

O processo de aumentar a redação também prevê a reabertura de delegações?

Neste momento, não. O reforço de redação vai ser feito aqui na sede, é a nossa prioridade. Não quer dizer que no futuro não possamos reativar algumas dessas delegações. Isso é um processo que até está nas mãos do Júlio Magalhães. Paralelamente a isso, estou a fazer algum trabalho no terreno, no sentido de tentarmos ter alguma proximidade com esses territórios, quer através com parcerias, quer enviando equipas. Estamos aqui no Porto, mas estamos relativamente perto. Temos bons acessos. Mas isso para nós não é suficiente, queremos ir além disso.

No plano mais pessoal, começou por trabalhar no Eurosport…

Eu comecei por entrar para o Eurosport ainda durante o curso, em 2001, creio eu, por uma mera coincidência. Acabei por ficar lá até vir embora de Lisboa. Foi o sítio onde estive mais tempo. Paralelamente a isso, passei ainda por uma rádio local em Lisboa, a rádio Horizonte, em Loures, que não sei se ainda existe. Passei pela revista Família Cristã, dirigida pelo meu amigo José Carlos Nunes, que ainda hoje é diretor da revista e que foi meu colega de curso na Católica de Lisboa. Depois de passar por isso tudo, decidi que onde me sentia bem era na televisão. Nesse sentido, já estava no Eurosport nessa altura e quando acabei o curso fui estagiar para a SIC, e por ali fiquei durante oito anos. Acumulei sempre esse trabalho na SIC com o Eurosport.

Numa outra entrevista disse que o jornalismo nunca tinha sido um objetivo da sua vida. Como surgiu essa carreira?

De facto, o jornalismo nunca foi uma prioridade minha, mas também não tinha prioridade nenhuma. Era aquela fase parva em que nunca sabemos muito bem o que queremos da vida. Na altura, surgiu a possibilidade de entrar para o curso de Comunicação Social. Achei interessante e que tinha perfil para isso. Era uma pessoa que gostava muito de Português, sempre fui bom aluno na disciplina e achava que tinha alguma qualidade nessa área. Depois houve um lado pessoal que também teve muito peso. Na altura, em 1997, não me passava pela cabeça ir para Lisboa. Sempre fui uma pessoa muito agarrada ao Porto, nunca pensei sair daqui. Amo a minha cidade acima de tudo. Mas a minha mulher já estava em Lisboa a tirar o curso nessa altura e, portanto, quis juntar o útil ao agradável e quis ir ter com ela. Acabei por concorrer à Católica em Lisboa, ainda estive indeciso entre Marketing e Comunicação Social, decidi pela segunda, acabei por concorrer e entrei na Católica em Lisboa. Foi juntar o útil ao agradável, fazer o curso que acabei por escolher, independentemente de ter sido à última hora, e juntar o lado pessoal, ir ter com a minha mulher que já estava em Lisboa.

Os anos que passou em Lisboa podem ser uma mais-valia para o canal e para alcançar os objetivos a que se propõem?

Espero que seja uma mais-valia, é o meu objetivo. Quem esteve em Lisboa tem uma vantagem grande, esteve por dentro da máquina e do mundo que é Lisboa. Isso dá-nos alguma vantagem sobre quem nunca lá esteve. Conhecemos os meandros da coisa, sabemos como são as dinâmicas. No meu caso, que vivi lá bastantes anos, permite-me ver como é que as coisas acontecem, a rapidez com que são resolvidas.

Viver em Lisboa é diferente de viver no Porto, em Braga, em Vila Real, é muito diferente. As pessoas que vivem no Norte não têm as mesmas oportunidades que as pessoas que vivem em Lisboa. E é preciso percebermos isso. O problema não é que as pessoas de Lisboa tenham essas oportunidades, o problema é que as pessoas que estão aqui não as tenham. É essa questão que temos de tentar perceber.

Enquanto diretor de informação do Porto Canal, eu tenho uma oportunidade de ouro para poder expor essas situações e tornar o nosso país um pouquinho mais igual para toda a gente, independentemente de a pessoa viver em Braga, da pessoa que vive em Vila Real, em Coimbra, em Faro, seja onde for. O objetivo é esse, e o grande aliciante do cargo e da missão: poder meter a mão na massa.

No Porto Canal temos uma grande vantagem e temos de a capitalizar: estamos aqui no Norte, coisa que os outros não estão. Estão de uma forma envergonhada, se quisermos dizer. Nós estamos porque queremos e porque gostamos de estar aqui. Há aqui uma janela de oportunidade, por um lado, eu vou tentar emprestar essa minha experiência ao canal naquilo que vamos fazendo todos os dias.

Este momento é uma fase muito aliciante do ponto de vista da informação e do ponto de vista profissional. É um terrível desafio, porque é muito difícil fazer informação fora de Lisboa, é um desafio chegar aos objetivos que queremos atingir. E esqueci-me de um importante, que é a questão das audiências, queremos ser mais vistos. É um caminho que vai demorar tempo, mas as pessoas do Norte vão perceber que estamos aqui por elas, e estamos aqui para dar voz àquilo que são os anseios e preocupações das pessoas. Essa também é a nossa missão, dar voz a essa gente que não tem tido muita voz na televisão e nos órgãos de comunicação em Portugal.

Artigo editado por César Castro