O corte de vagas nos cursos das instituições públicas do Porto e de Lisboa vai manter-se, mas não será feito da mesma forma. A redução de 5% aplicada este ano letivo, transversal a todos os cursos (ficaram de fora Medicina, Física e algumas engenharias), levantou algumas questões relativas à falta de pensamento estratégico do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). O problema estará no corte “cego” das vagas, que não olha às necessidades de cada instituição e região e à sustentabilidade dos cursos pequenos.

Um modelo alternativo está a ser ponderado pelo MCTESsegundo avançou o jornal “Público”, passará pelo ajuste do número de vagas de cada curso mediante alguns fatores, como a área de estudos, a instituição e a localização.

“Há cursos onde há mais concentração em Lisboa e no Porto, outros em que isso não é verdade. É preciso olhar para cada um dos casos”, disse o ministro do Ensino Superior ao jornal. Manuel Heitor afirmou também que existem “padrões muito diferentes, dependendo da área e do subsistema”.

O corte de mais de mil vagas no Porto e em Lisboa, cidades que concentram 54% dos estudantes, pretendia fomentar a redistribuição de estudantes pela rede de Instituições de Ensino Superior (IES) nacional. 

Os primeiros resultados da avaliação deste processo, divulgados na reunião do Conselho Coordenador do Ensino Superior de segunda-feira, mostram que, neste ano letivo, os estudantes do interior escolheram pontos do país alternativos, mas a medida “teve uma consequência reduzida” nas deslocações dos estudantes originários do Porto e de Lisboa. A avaliação preliminar revela também que o privado não saiu beneficiado pelo corte nas IES públicas. O processo continuará sob avaliação por mais um mês e meio. 

“Não é por uma redução de vagas no litoral pontual que se consegue fazer esse trabalho”

António Luís Carvalho, presidente da Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), vê com agrado a possível reformulação do modelo do corte de vagas. “Já na altura propusemos que qualquer redução fosse ponderada estrategicamente de acordo com a natureza de cada um dos cursos e com o interesse nacional sobre o assunto”, relembra ao JPN.

O corte de 5% na ESEP refletiu-se em menos 13 estudantes. Segundo o presidente da instituição, os estudantes de Enfermagem que não entraram no Porto também não entraram nas escolas do interior. “Fizeram outras opções, como as privadas, porque as escolas do interior já ocupavam a totalidade das vagas”, esclarece António Luís Carvalho, ilustrando a falta de uma solução integrada – uma preocupação já demonstrada em maio, que se veio a confirmar.

O professor apresenta também alguns números. “O Porto, por exemplo, tem 7.23 enfermeiros por mil habitantes, Lisboa tem 7.31, e Bragança tem 9.11, Vila Real 8.87, Coimbra 12.12, o que quer dizer que o Porto e Lisboa, se calhar, precisam de mais enfermeiros do que outros pontos do país”, avalia, e acrescenta: “o fator regional em determinados cursos deve ter um peso significativo”.

O presidente da ESEP reforça que a instituição “apoia todas as medidas que reforcem a coesão nacional”, mas considera que “não é por uma redução de vagas no litoral, pontual, que se consegue fazer esse trabalho”.

“Um estudante que não entre no Porto e que vá estudar para Bragança, Vila Real, o que seja, tem um elevado potencial de regressar ao Porto no final do curso. O que está em causa a nível da coesão nacional são as condições de vida. A qualidade de vida é que fixa as pessoas. E tenho a esperança que apareçam e que sejam dinamizadas outras medidas a esse nível”, conclui António Luís Carvalho, presidente da ESEP.

João Rocha, presidente do Instituto Politécnico do Porto (IPP), considera “prematuro” tecer comentários sobre a alteração em perspetiva. “Eu preciso de saber, na eventualidade disso acontecer, quais são as áreas em que tal acontecerá e perceber se fazem sentido ou não”, explica.

Ainda assim, o engenheiro revela ao JPN uma preocupação com os moldes do corte de vagas em vigor. “Uma questão que eu próprio coloquei foi a redução de vagas em cursos com uma dimensão muito pequena. Coloca-se o problema da sustentabilidade financeira do próprio curso. Se eu reduzir o número de estudantes, estou a reduzir a receita. A sustentabilidade do curso pode estar em causa”, considera.

João Rocha, presidente do IPP, deixa o alerta: “Nós não podemos olhar só à área, temos de olhar ao número de vagas de cada curso, temos de olhar à realidade da instituição”.

Artigo editado por Filipa Silva