A Maria Granel é uma loja multifuncional, de produtos 100% biológicos e com uma missão de zero desperdício, desenvolvida por Eunice Maia e o marido. O projeto ambientalista, o primeiro no conceito “Zero Waste Store” em Portugal, e um dos pioneiros na Europa e no mundo, levou para casa o primeiro lugar dos Prémios Terre de Femmes, entregues na última sexta-feira, em Lisboa.
Foi da alma minhota de Eunice e do espírito açoriano do companheiro que nasceu o conceito da Maria Granel, em 2013. Segundo Eunice Maia, a loja – com espaço aberto em Alvalade e em Campo de Ourique – é uma forma de “homenagear” as raízes e de as recuperar no seio de uma grande cidade: “Trazer a terra para perto de nós“, resume a vencedora do prémio atribuído pela Fundação Yves Rocher.
O casal recuperou antigas mercearias a granel, “dando-lhes um toque de modernidade”.
A parte da mercearia é caracterizada pela venda exclusiva a granel, para diminuir ao máximo o uso de descartáveis. Contudo, Eunice Maia explicou que, enquanto loja, ainda produzem desperdícios, mas que “tentam melhorar, junto dos colaboradores e enquanto equipa, e assumir também responsabilidade por aquilo que descartam, tentando reciclar”.
“Pequenos gestos” para grandes mudanças
O primeiro passo é o mais difícil e “começar foi um risco enorme“, afirmou a fundadora do projeto. Mesmo após a análise do estudo do mercado e da garantia de que haveria espaço para o conceito entre os consumidores, o jogo em campo é sempre diferente.
Os grandes obstáculos prendem-se sobretudo com os fornecedores, ao nível das embalagens, uma vez que os produtos são vendidos a granel. A loja também foi a pioneira da iniciativa Bring Your Own Container (BYOC), que permite às pessoas trazerem os seus próprios recipientes para colocar os alimentos.
Para além da dificuldade com os fornecedores, Eunice Maia evoca também a legislação implementada aprovada em Portugal, em 2017, que passou a impor o arroz pré-embalado. “Houve aqui uma restrição e uma regressão que a nosso ver não faz sentido. Aliás, está em contraciclo com o resto da Europa. Itália e França conseguem ter azeite a granel, por exemplo”, afirmou Eunice Maia ao JPN.
Segundo Eunice Maia, a loja tem um “fator de nostalgia e de convocar memórias de infância, sobretudo na geração mais velha que se lembra de imediato das mercearias de bairro antigas e a granel”. No entanto, as gerações mais novas não ficam imunes à iniciativa. A vencedora garante que os jovens estão “cada vez mais comprometidos e que fazem questão em aderir a esta forma de consumo e de trazer as suas próprias embalagens”.
A fundadora explicou a sua candidatura ao prémio da Fundação Yves Rocher como sendo “uma forma de apoiar o desejo de chegar a mais pessoas”. “Nós para além de sermos uma loja, encaramos o nosso trabalho mesmo como uma missão, na área de sustentabilidade. Somos por isso mesmo uma loja de comunidade”, complementa Eunice Maia.
O programa “Z(h)ero” é um exemplo da expansão do conceito e passa por ir a escolas, empresas e organizar workshops. A vencedora acredita na mais-valia de ensinar ferramentas práticas para que as pessoas possam trazer para o seu dia a dia estas alternativas ao desperdício.
Para Portugal? Em cada esquina uma loja a granel
Sobre o que falta fazer para ajudar o ambiente, Eunice Maia mostrou-se otimista. “Eu acho que as pessoas estão cada vez mais acordadas e conscientes do impacto do plástico“. A consciencialização sobre as consequências desse impacto acelerou o passo, “especialmente depois de 2018, com a diretiva europeia contra os descartáveis e a edição da revista “National Geographic” de junho do mesmo ano” [um especial sobre o efeito do plástico nos animais].
A missão também é individual, na opinião de Eunice Maia. “As pessoas podem, com pequenos gestos, fazer a diferença. E acho que o prémio Terre da Femmes consegue mostrar que sejam os projetos grandes, sejam os projetos pequenos, há sempre um impacto associado”.
O mundo por descobrir das jamantas
O projeto “Manta Catalog Azores“, a primeira base de dados fotográfica de jamantas chilenas em todo o mundo – uma espécie de raia pouco conhecida que visita todos os anos Açores -, foi desenvolvido pela bióloga portuguesa Ana Filipa Sobral e assegurou o segundo lugar do Prémio Terre de Femmes.
Nasceu em 2012, quando Ana Filipa Sobral estava a tirar o mestrado nos Açores. Mas foi ainda na licenciatura, no tempo em que esteve em Moçambique num programa de voluntariado, que teve o primeiro contacto com a espécie que agora estuda intensamente: as jamantas.
Em 2011, caminhou de Setúbal para terras açorianas para poder estudar melhor estes animais, dos quais ainda se sabia muito pouco. “Quando cheguei aos Açores, apercebi-me que existiam também agregações destes animais, mas diferentes das que tinha visto em Moçambique“, completou a cientista.
Através da análise de fotografias, conseguiu confirmar que o padrão das jamantas que circulavam no arquipélago era diferente das de Moçambique. “A minha ideia foi tentar perceber se seria possível identificá-las ou não usando esse padrão. E foi assim que nasceu este projeto”, conta ao JPN.
A cientista ficou a conhecer o concurso da Fundação Yves Rocher através de uma antiga laureada e amiga. Na opinião da investigadora, os projetos pequenos têm mais dificuldade em se impor e o prémio veio aumentar o leque de oportunidades. “Este prémio vai ser muito bom em termos de visibilidade, credibilidade e financiamento“, admitiu Ana Filipa Sobral.
Investigação através da foto-identificação
A investigação depende de uma base de dados criada por fotos que são usadas para identificar, descodificar e aumentar o conhecimento sobre o comportamento das espécies de jamantas que visitam o arquipélago e contribuir para a sua preservação.
“A foto-identificação funciona quase como uma marca e o padrão que estes animais possuem na barriga funciona como uma impressão digital, pois é única para cada indivíduo. Sempre que estes animais já estejam na base de dados, regressem aos Açores e forem fotografados e essa fotografia for enviada para nós, nós podemos manter esse registo”, conclui a agora doutoranda.
A investigação conta, ainda, com a ajuda de escolas de mergulho e com participação de ciência-cidadã, que tem vindo a aumentar cada vez mais.
Os Açores “são um dos únicos locais do mundo onde esta espécie forma grandes grupos”, mas ainda não se sabe a razão. Atualmente, existem três diferentes espécies de jamantas nos Açores – a manta oceânica, a jamanta chilena e a jamanta gigante.
Desde o começo do projeto, Ana Filipa Sobral já reuniu mais de dois mil mergulhos de cidadãos-cientistas, cinco mil fotografias e 58 horas de vídeo.
Os cinco mil euros de prémio serão uma ajuda para “compra de material, deslocações para ações de sensibilização, criação de materiais de divulgação e educativos e reformulação do site”.
As mulheres, as meninas e a voz que não se ouve “daquele lado mundo”
O terceiro lugar do Prémio Terre de Femmes foi entregue a Joana Benzinho, a portuguesa que rumou até a Guiné-Bissau para instalar máquinas descascadoras de arroz com o objetivo de dar mais tempo às mulheres e crianças que se ocupam da descasca.
Joana Benzinho é fundadora e presidente da Afectos com Letras, reconhecida como Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros português.
Trata-se de uma instituição que nasceu após uma visita à Guiné-Bissau – ainda sem intenções de criar qualquer instituição – quando se deparou com a realidade de crianças que queriam ir à escola e, devido à insuficiência financeira, não podiam. “Então, as crianças andavam na rua a vender bananas até ao limite do prazo para se matricularem [na escola]. E fiquei um bocadinho ligada aqueles miúdos“, confessa Joana Benzinho ao JPN.
Desde a criação da ONGD, em 2009, que a instituição concentra a sua atividade na Guiné-Bissau e tem como objetivos “a conceção, promoção, execução e apoio a programas, projetos e ações de cariz social, cultural, ambiental, cívico, educacional e económico.”
“Em 2010, construímos uma primeira escola com uma missão católica e que tem 125 alunos. Em 2012, co-financiámos uma outra que tem 80 alunos. Em 2014, fizemos uma de raiz que tem 300 alunos. E em 2016 fizemos uma com 115 alunos“, completou.
Durante estas viagens, Joana Benzinho começou a perceber que, em muitos locais, as meninas não frequentavam a escola por estarem ocupadas com trabalho em casa. “Ficavam a ajudar as mães na descasca do arroz à mão“, disse.
O trabalho da produção do arroz é dividido entre os homens e as mulheres. Os homens ficam, geralmente, encarregues de semear e preparar as terras. Por sua vez, as mulheres fazem a recolha do arroz e a descasca, num trabalho que demora entre “quatro a cinco horas e no meio disto tudo os rapazes conseguem ir à escola e as meninas não.”
As meninas, o arroz e a chegada da máquina
Em 2014, chegou a primeira máquina de descascar arroz a Guiné. Joana Benzinho contou que a chegada da maquina à aldeia de etnia Manjaca provocou um “impacto enorme”, mas sempre acompanhado de uma felicidade contida.
“Eles foram fazer uma cerimónia numa floresta e oferecer aguardente às arvores para poderem avaliar a nossa intenção com o projeto. Portanto, apesar de saberem que era uma coisa que, em princípio, lhes ia melhorar a vida, tiveram que ter a autorização divina para aquilo entrar“, contou Benzinho.
As máquinas permitem a descasca do arroz de forma automatizada, o que resulta num rendimento de 800 quilos por hora, são de uso comunitário e já estão nas aldeias de Barambe, Blequisse e na ilha de Jeta.
“Naquele dia, elas perceberam que a vida delas ia mudar. E realmente há mais meninas a irem à escola nos sítios onde colocámos as descascadoras“, assegurou a ativista.
O terceiro prémio valeu ao projeto três mil euros. A maior motivação da candidatura de Joana Benzinho foi a possibilidade de dar a conhecer o trabalho destas mulheres. “O importante neste prémio é reconhecer não a Afeto com Letras nem a Joana Benzinho, mas sim o trabalho das mulheres, daquele lado do mundo”.
Com este projeto, as meninas que frequentam a escola agora vão ser “ser meninas educadas, que sabem ler e sabem escrever e que de outra forma não saberiam”, garante a jurista que é também assessora parlamentar no Parlamento Europeu.
“O objetivo que eu tenho neste momento é criar uma cooperativa das mulheres, onde estão as máquinas, e que elas próprias se tornem empreendedoras e criem o seu próprio negocio”, conta ainda ao JPN.
O Prémio Terre de Femmes apoia e dá visibilidade a mulheres que se envolvem em iniciativas em prol do ambiente com projetos na área da educação, social, proteção ou biodiversidade. Esta foi a décima edição do Prémio Terre de Femmes em Portugal. Desde a sua primeira edição, em 2009, já foram avaliados mais de 145 projetos e premiadas 22 mulheres.
Artigo editado por Filipa Silva