Com aproximadamente 10 anos de carreira, os Capitão Fausto apresentaram em março o quarto álbum de longa-duração. “A Invenção do Dia Claro” partilha o nome e algum do espírito da obra homónima de Almada Negreiros e foi gravado nos Red Bull Studios, no Brasil.
Chegou a vez do Porto o conhecer num concerto (esgotado) marcado para a noite desta quinta-feira para a Casa da Música. Fomos ao hotel Zero Box Lodge onde, num ambiente de descontração, os cinco membros admitiram: “o princípio básico de um concerto ao vivo é termos de estar a divertir-nos a fazer as coisas”.
Em “A Invenção do Dia Claro” fala-se numa relação conturbada e no tema final não fica bem explícito se as coisas acabam bem ou não. Qual a mensagem que procuram transmitir?
Tomás Wallenstein (TW): O que eu queria dizer é o que lá está. É propositado ficar em aberto, sendo que o disco todo é uma história.
Melodicamente, no tema “Lentamente” sentimos muito a influência de artistas brasileiros (há quem dê o exemplo de Rita Lee). Foi algo programado ou a gravação do disco no Brasil teve uma influência espontânea?
Domingos Coimbra (DC): Foi um acaso. Estávamos a criar uma música, da mesma forma que criamos todas as outras, e na altura, houve coisas que se foram aproximando.
Manuel Palha (MP): Fomos reparando que havia algumas ligações com a música brasileira, mas foi um acaso.
Francisco Ferreira (FF): Foi uma coincidência até porque a música já soava, mesmo antes de irmos para o Brasil. Não foi planeado, nem costumamos dizer previamente o que uma música será.
DC: É só quando chegamos a um resultado, numa fase mais avançada que nos permite ser sugestivos, que podemos tomar algumas decisões ao encontro de uma estética que gostamos, mas nunca é de facto um “agora vamos fazer uma música assim”. Todo o processo é natural e só depois de algum tempo é que começamos a montar as coisas.
Colaboraram com uma variedade de músicos neste disco e isso trouxe uma grande diversidade instrumental que gostaríamos de saber como vai ser conciliada em palco.
FF: Como fizemos no disco anterior, existem alguns instrumentos que não sabemos tocar, nem temos mãos suficientes para os conseguir tocar em palco. Por esse motivo, temos de distribuir o que conseguimos, abdicamos de umas coisas para fazer outras e, por vezes, um fica com mais tarefas do que tinha inicialmente.
TW: Transformamos também alguns sons em sintetizador para conseguirmos tocar os cinco.
FF: E tudo isso acaba por passar por mim e pelo Manel, que trabalhamos com os teclados, que são instrumentos mais versáteis para chegar a sons que se aproximam dos outros instrumentos que não gravámos. Caso tudo isso não seja possível, usamos pistas, que não somos nós a tocar, mas somos nós que clicamos no play e tocamos por cima delas, que têm só os instrumentos desejados.
TW: Mas continua a ser um instrumento porque só nós sabemos quando clicar no play.
Qual é a relação que existe entre a música “Faço as Vontades” e o livro de Almada Negreiros, na evocação à mãe?
TW: Existe essa coisa, é justamente o ponto em comum e eu acho que o disco todo tem algumas coisas que o livro fala: desta sensação de criança adulta e de ter sempre uma espécie de um refúgio na figura dos pais. No entanto, nada do nosso disco foi escrito a pensar no livro do Almada. Foi ao contrário, ou seja, quando o disco já estava todo escrito, por acaso, ao pensar no nome do livro, reparamos que este definia bem o conteúdo do disco e que havia coisas, de facto, muito semelhantes e, por haver essa coincidência, também faz sentido usar o mesmo título.
Então foi basicamente uma coincidência?
TW: Sim…
M.P.: E achamos que o título, para além de ser bonito de certa forma, era uma espécie de um resumo do que falava o disco. Ou seja, faz sentido inventar o dia claro para o próximo dia ser melhor. É muito abrangente, mas faz-nos sentir melhor.
TW: No entanto, eu lembro-me que uma vez estava a ler poesia com a minha irmã [a atriz Catarina Wallenstein] e houve um poema que me marcou e que eu achei curioso, que é um excerto de um texto grande de lá, que é o “Mãe, vem escutar a minha cabeça”. Eu lembro-me de gostar imenso dele e não sabia que era de “A Invenção do Dia Claro”.
MP: Mas na altura ficaste contagiado pela sua vertente poética.
TW: Exato. [Risos]
Com o significativo crescimento do número de fãs, começam a surgir aquelas músicas mais ansiadas nos concertos. Vocês têm isso em conta nos alinhamentos ou evitam seguir essa tendência?
Salvador Seabra (SS): Hmm, uns mais do que outros. [risos] É assim, há quem tenha o público em consideração e há quem não tenha. [risos]
TW: Eu respondia de uma maneira melhor que é: é evidente que se tem em consideração, no entanto, não deixamos que isso seja uma imposição na maneira como queremos organizar o concerto. Eu acho que nós imaginamos o concerto de uma certa maneira e podemos fazê-la o mais próximo disso. No entanto, o concerto é para pessoas, portanto, claro que elas são tidas em conta de alguma maneira. Um concerto não existe se não estiverem pessoas a ver…
DC: Sim, é uma metade de metade. E sim, eu acho que também, às vezes, temos um bocadinho mais de atenção dependendo dos sítios onde vamos tocar. E não estou a dizer isto para o nosso objetivo ser mais comercial ou não, não é essa a questão, é que é diferente tocar num teatro para pessoas sentadas e tocar num festival cheio de gente em pé a beber copos ou num clube para 100 pessoas, e então, às vezes, podemos aproveitar para fazer concertos ligeiramente diferentes. Ao mesmo tempo, também nos acontece, ao longo dos anos, alguns de nós já estarem fartos de algumas músicas e isso é compreensível, que não apeteça estar sempre a tocá-las. Então, aí, fazemos uma gestão um bocadinho maior porque, ao mesmo tempo, acho que é preciso ter em conta que há um lado de verdade nas coisas, ou seja, estar a tocar uma coisa que não se gosta muito de tocar tem de ser bem gerido, porque eu acho que o princípio básico de um concerto ao vivo é termos de estar a divertir-nos a fazer as coisas e já houve alturas em que estávamos muito saturados de algumas músicas. Mas eu também acho que, ao mesmo tempo, isto vai dando a volta e depois, se calhar, passado algum tempo, passamos a encontrar coisas em músicas que já não tocávamos há muito tempo e, por isso, é assim um processo que vai variando.
TW: É uma forma interessante de gestão cultural. [Risos]
O disco todo tem algumas coisas que o livro fala: desta sensação de criança adulta e de ter sempre uma espécie de um refúgio na figura dos pais.
A vossa discografia é muito variada. Sentem a obrigação de ir alterando a vossa sonoridade ou é algo que surge com o tempo e aquando da criação de novos álbuns?
MP: Nós não sentimos a obrigação. Sabe-nos bem quando estamos a fazer coisas novas. É uma coisa bastante natural, ou seja, o que acontece é que, quando nós começamos a escrever e a fazer coisas novas, normalmente, já passou algum tempo desde a última vez que o fizemos a fundo. Não somos exatamente as mesmas pessoas que éramos há três anos e, como músicos, também vamos experimentando coisas novas. Não apetece copiar “as coisinhas” que vêm de trás e a mudança sai naturalmente.
DC: Até porque, ao tocar muito as mesmas músicas durante dois anos, é natural que depois a resposta seja um bocado diferente. Mas não podemos ter certezas em relação a isto, porque um dia até nos pode apetecer fazer as mesmas coisas durante um período de tempo alargado. Mas, o que tem acontecido nos últimos anos é, de facto, o normal e o que nos sabe bem, sem obrigações.
Tendo isso em conta, qual o aspeto musical que vocês consideram nunca ter abandonado desde o primeiro álbum?
TW: Diria que é o som em si dos instrumentos que nós tocamos. Continua a haver bateria, guitarra e as vozes continuam a ser as mesmas. Acho que essa parte, por muito que andemos a descobrir coisas novas, é o que se vai manter e ditar tudo o resto.
Relativamente ao concerto que deram sábado em Lousada, sentiram aclamação por parte do público relativamente aos temas do novo álbum? Portanto, julgam que houve uma recetividade positiva?
DC – Pareceu-me que as pessoas gostaram e, depois, tivemos a oportunidade de estar à conversa com muitas delas e, sim, gostaram do concerto. E também acho que nos correu bem. Ao início, pode existir algum nervosismo porque algumas músicas novas, do novo álbum, não foram tocadas o mesmo número de vezes que as músicas de há cerca de sete anos foram. Estamos na fase de também perceber como é que correm as músicas ao vivo e também nós estamos expectantes para saber isso. E acabamos esse concerto com uma boa impressão.
E o que esperam do concerto de amanhã [hoje, quinta-feira] na Casa da Música?
DC – Esperamos que corra ainda melhor. Da última vez que tocamos na Casa da Música, o Salvador estava com um dedo partido, então foi um amigo nosso substituí-lo. Espero que as pessoas se divirtam e que gostem das músicas novas que vamos tocar. Vamos também tocar músicas dos outros álbuns. E vamos dar o nosso melhor!
Quando foi a última vez que lá foram?
SS – A última vez que lá fomos foi no grande ano de 2017 e foi um concerto fixe. Eu estava magoado, mas convidámos um outro baterista, que tocava melhor do que eu e, portanto, o concerto foi ótimo. [risos]
Artigo editado por Filipa Silva