Na abertura da segunda edição do Congresso Internacional de Pintura Europeia Contemporânea (ICOCEP, na sigla em inglês), que arrancou esta segunda-feira na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), Luc Tuymans sentou-se com o curador e crítico de arte Miguel von Hafe Pérez para uma conversa sobre pintura, arte e o trabalho do artista.
Nascido na Bélgica em 1958, o pintor conta já com mais de 30 anos de carreira. Atualmente, vive em Antuérpia, mas já percorreu o mundo com exposições dos seus quadros e já experimentou também outras artes visuais.
Da criação da imagem à persistência da memória
Miguel von Hafe Pérez aponta, inicialmente, uma característica evidente no trabalho de Tuymans: a relação entre a imagem pintada, a memória e a forma como olhamos e lidamos com as imagens na nossa sociedade.
Ainda que tenha começado a trabalhar na pintura desde muito cedo, nem sempre o fez de forma constante. Nos anos 80, durante cinco anos, fez uma pausa que usou para se dedicar ao cinema: as experiências com uma câmara Super 8 e o ambiente que o envolvia deram-lhe, explica, perspetiva suficiente para voltar aos pincéis.
“A coisa mais importante é que, através de trabalhar com a câmara, com a lente e através da lente, eventualmente consegui a distância necessária para criar uma imagem”, afirma. O artista acrescenta ainda que “até esse ponto tudo era demasiado existencial, atormentador e próximo para conseguir criar uma imagem”.
Tuymans reconhece uma ligação muito forte entre a pintura e o cinema, porque “ambos estão relacionados com a ideia da abordagem”. Para o belga, a fotografia capta mais o momento e não o ambiente, não havendo tanto espaço ou tempo para pensar na abordagem ou na forma como a imagem será registada. “Nunca seria um bom fotógrafo, porque estou sempre atrasado”, acrescentou.
Mas a reflexão sobre a imagem e a nossa relação com ela, tão presente no trabalho artístico do pintor, vai ainda mais longe. Quando questionado acerca da relação entre política e arte, Tuymans descarta a ligação entre as duas: “A vida é política, e todos os intelectuais são também políticos, mas a arte não. O que não quer dizer que na arte não possa haver mensagens políticas”, afirma. Para o artista, na arte nada é assim tão extraordinário para ser necessariamente político e “muitas coisas são bastante evidentes”.
Estabelece antes outra relação: não existe arte sem história. “Quando falamos de pintura, ela está embutida na sociedade”, afirma, reforçando que a pintura foi a primeira conceção de imagem já criada e que, mesmo que hoje já não se encontre no centro do mundo artístico, ainda está na periferia.
No que há memória diz respeito, quando o objeto é uma pintura esta falha muito mais facilmente: é muito difícil memorizá-la dada a quantidade de detalhes. Para o artista, esta relação pode ser perigosa, porque “trabalha com a memória real, do tempo e ao longo do tempo”.
E este efeito é, aponta o interlocutor, de certo modo parecido ao efeito provocado pela imagem televisiva. Cria uma espécie de memória não-narrativa em si mesma, que a aproxima à pintura mais do que o próprio cinema.
A dimensão do artista: como lá chegar?
Perante uma plateia cheia de estudantes de artes visuais, Luc Tuymans deu alguns conselhos. As barreiras para quem quer ser artista hoje são mais e mais elevadas do que o eram há 30 anos. O pintor considera que teve sorte na sua época. Acompanhou o desenvolvimento e estabelecimento do mundo artístico e facilmente encontrou o seu espaço lá dentro.
Relembra os jovens que não é fácil, mas que a chave está na convicção: “criar a diferença não vai ser fácil, mas é vital, e é vital que haja diversidade em vez de uniformização”. O caminho para o sucesso não é a coisa mais importante, mas sim a convicção que os acompanha. “Podem aprender a pintar na escola de artes, mas não aprendem a ser artistas”, conclui.
O ICOCEP, que cumpre a segunda edição, é organizado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, pelo Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade e pela FBAUP, onde o evento decorre até ao final da semana, com vários momentos de interesse para os amantes da pintura e das artes visuais.
Artigo editado por Filipa Silva