Pode um jovem futebolista perder-se sob os holofotes da fama, do dinheiro e da comunicação social? O JPN falou com Ana Ramires, especialista em Alta Performance, e com colegas de João Félix para perceber qual pode ser o rumo da carreira do avançado do SL Benfica. 

João Félix Sequeira. O atleta, de apenas 19 anos, tem despertado a cobiça de clubes estrangeiros, motivado perguntas de jornalistas e elogios de treinadores. Bruno Lage pediu, esta quinta-feira, que “não façam dele um super-herói ou um super wings“. Mas afinal, porque tem sido tão cauteloso o treinador do Benfica na abordagem ao jovem português?

Ana Bispo Ramires é especialista em Psicologia do Desporto e da Performance. Colaborou durante 10 anos com o Sport Lisboa e Benfica na preparação dos atletas de alto rendimento dos escalões de formação. Nunca trabalhou diretamente com João Félix, mas sabe o que não pode faltar, nos casos em que o mediatismo nacional e internacional é grande: “é importantíssimo que haja uma boa estrutura familiar que consiga apoiar o jovem nesta transição, que implica sempre um conjunto de adaptações que é necessário fazer, nomeadamente, de caráter mediático.”

Para Ana Ramires, que hoje trabalha com o Comité Olímpico de Portugal, é também importante que o treinador, Bruno Lage, continue a proteger o jogador. “Está a ter o comportamento mais adequado possível, na medida em que pede que deem espaço ao João para crescer e para se afirmar, sem grande alarido à volta, porque na realidade estamos a falar de um miúdo que ainda não provou nada.”

Esta época, João Félix tem 36 jogos realizados pela equipa principal do Benfica. Com o hat trick desta quinta-feira frente aos alemães do Eintracht Frankfurt, o avançado já leva um total de 15 golos em todas as competições. Apesar do registo, a psicóloga deixa o alerta. “Está a ter uma boa época, mas como já vimos no passado uma época não faz uma carreira. Infelizmente, temos exemplos de jogadores que tiveram uma boa época, mas depois não correu bem.”

Ana Ramires numa formação com o tema “Excelência e Performance – Contributos da Psicologia para a Otimização do Processo Desportivo”. Foto: COI

Transferência imediata de Félix é precipitada?

Muito se tem falado de uma possível transferência do avançado português para um clube estrangeiro, no final da época. Com apenas 19 anos há quem defenda que João Félix não deve sair da Luz, mas Ana Ramires lembra o caso de sucesso de Cristiano Ronaldo, que deixou o Sporting com 18 anos. “Ronaldo tinha à sua espera um treinador e um clube com uma cultura de família e de enquadramento de jovens atletas como, provavelmente, vemos em poucos clubes do mundo.”

A mestre em psicologia desportiva considera que deve existir uma “corresponsabilidade” entre clubes, atletas e agentes desportivos para preparar os jovens jogadores em fases de transição. “Há uma grande responsabilidade do clube que o tem e quer vender, assim como do clube que o recebe. Também há responsabilidade dos empresários, que têm que ver os atletas como o principal bem e devem ajudar a criar a consciência da importância deste trabalho [psicologia], especialmente em fase de transição, como pode vir a acontecer com o Félix caso seja vendido.”

O impacto da componente psicológica na performance dos atletas é algo que já não passa despercebido aos treinadores e à maioria dos clubes, conforme explica Ana Bispo Ramires. No caso do Benfica, cuja realidade conhece melhor, a especialista em psicologia do desporto sustenta que “o clube tem um departamento muito forte direcionado para a vertente psicológica.

A “qualidade acima da média” de Félix

Nuno Esgueirão, jogador profissional de futebol na Associação Académica de Coimbra, jogou com Félix desde os sub-9 até aos sub-16, na formação do FC Porto. Em declarações ao JPN, o defesa da Briosa lembra a “simplicidade e humildade” do atual jogador do Benfica.

Para Esgueirão, ao nível técnico, João Félix “tinha uma qualidade com bola acima da média e não havia ninguém como ele”. A componente física era o único aspeto que deixava o avançado para trás em relação aos restantes colegas.

João Félix, segundo em baixo a contar da direita, acompanhado da equipa do FC Porto num torneio. Foto: William Albuquerque/Facebook

Sérgio Miguel jogou com João Félix no escalão sub-15 dos dragões. Ao JPN, recorda um jovem com uma personalidade “muito tranquila, muito humilde e sereno.”

Dentro de campo, o ex-colega do atual avançado do Sport Lisboa e Benfica relembra um jogador com uma técnica “muito acima da média”, mas considera que existiam colegas que demonstravam mais potencial, como Diogo Dalot [atual jogador do Manchester United]. No FC Porto, João Félix nem sempre foi dos jogadores mais utilizados nos escalões de formação, o que ditaria a sua saída para o rival de Lisboa.

João Félix começou a dar os primeiros pontapés na bola na Escola de Futebol Os Pestinhas, em Viseu. De seguida, mudou-se para o Futebol Clube do Porto, onde permaneceu até 2015, antes de rumar a Lisboa para assinar contrato com os encarnados.

O jovem avançado fez a estreia como jogador sénior na equipa B do Benfica, em setembro de 2016, com apenas 16 anos. Recentemente, o clube da Luz blindou-o com uma cláusula de 120 milhões de euros e um contrato válido até 2023.

Artigo editado por Filipa Silva