O auditório Ferreira da Silva da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) esteve, esta sexta-feira, apinhado para assistir à apresentação de Mikhail Kornienko, cosmonauta russo que passou 340 dias na Estação Espacial Internacional com o norte-americano Sean Kelly. A cerimónia, que contou com a entrega de uma réplica à escala real do primeiro satélite da história, o Sputnik-1, coincidiu com o Dia Internacional do Voo Espacial Tripulado.

Equipado a rigor com o fato de macaco que utilizou quando participou na One-Year Mission, o astronauta esteve presente no âmbito da celebração dos 240 anos de relações diplomáticas entre Portugal e a Rússia. Uma ligação “muito boa”, como fez questão de frisar o representante da Embaixada Russa e da Agência Federal da Rússia para a Cooperação Internacional Cultural, Vladimir Luzgin, que acompanhou o compatriota russo na apresentação do satélite.

A réplica do Sputnik-1 foi oferecida à FCUP por Rui Moura, responsável pelo projeto. Antes de destapar o modelo, o também docente daquela faculdade começou por realçar a dificuldade do projeto, que na reta final se tornou “mais difícil do que pensava”.

A construção do modelo foi iniciada em 2018, por altura das comemorações dos 60 anos do lançamento do Sputnik-1. Um satélite que, quando começou a emitir sinais para a Terra, causou “entusiasmo, perplexidade, ao mesmo tempo medo, mas também progresso”, acrescentou.

O cosmonauta russo é dos homens que mais tempo passou no espaço: 516 dias, dez horas e um minuto, repartidos por duas missões.

O cosmonauta russo é dos homens que mais tempo passou no espaço: 516 dias, dez horas e um minuto, repartidos por duas missões. Foto: José Volta

Palestra em jeito de entrevista

Apresentada e assinada a réplica, seguiu-se a apresentação de Mikhail Kornienko. Sobre as inspirações que o levaram a ser astronauta, Mikhail Kornienko referiu Iuri Gagarin, o primeiro homem a viajar no espaço, e o pai que esteve sempre presente na equipa de salvamento dos primeiros cosmonautas.

Além disso, numa era de “inspiração cosmonáutica”, todas as crianças “sonhavam ser cosmonautas”. “Eu simplesmente consegui levar o meu sonho até ao fim”, explicou.

A réplica à escala real foi assinada por Mikhail Kornienko e pelo responsável pelo projeto, Rui Moura.

A réplica à escala real foi assinada por Mikhail Kornienko e pelo responsável pelo projeto, Rui Moura. Foto: José Volta

Questionado sobre o porquê de ter aceitado passar um ano no espaço, o cosmonauta confessou que “não conseguiu rejeitar” a missão, que teve como objetivo a elaboração de experiências de permanência para “preparação dos voos para Marte”. Ainda que estes experimentos estejam em fase de tratamento, Kornienko espera que os resultados ajudem a “superar todas as dificuldades do cosmos” para que se consiga uma aterragem tripulada bem sucedida em Marte.

Para a conclusão deste objetivo, é necessário completar a experiência de “uma base na lua”, uma questão “simples” em termos técnicos, mas que requer “cooperação internacional, muito mais produtiva que a confrontação”. “Quanto mais cedo percebermos isso, mais cedo vamos a Marte”, adianta.

A presença do Mikhail Kornienko aconteceu no âmbito da celebração dos 240 anos de relações diplomáticas entre Portugal e a Rússia.

A presença do Mikhail Kornienko aconteceu no âmbito da celebração dos 240 anos de relações diplomáticas entre Portugal e a Rússia. Foto: José Volta

Durante as quase 25 perguntas do público a que respondeu, Mikhail Kornienko alertou para a forma “bárbara” como a humanidade trata o planeta Terra: “Nos oceanos já derivam várias ilhas de plástico. É uma imagem terrível. Na Amazónia eliminam-se hectares de floresta. Fica a sensação de que a humanidade é uma espécie suicida. Por isso, quero sempre fazer chegar esta ideia muito simples: nós fazemos tudo e mais alguma coisa, menos tratar da ecologia.”

O problema não se fica pela Terra: os detritos espaciais são um problema da exploração do cosmos com que Mikhail contactou ao longo das duas missões em que participou: “A estação é avisada do risco de colisão 24 horas antes e faz manobras de evasão. Uma vez avisaram com apenas uma hora de antecedência. Fomos para dentro da estação e ficamos à espera, para ver se havia embate ou não. O detrito passou e disseram-nos depois que era um Sputnik que ia a 14 quilómetros por segundo. Pesava duas toneladas e meio e foi por um triz que não houve colisão”, contou.

Questionado sobre o número de missões tripuladas, que desde os anos 70 tem reduzido todas as décadas, Mikhail Kornienko reconhece que houve “um período muito estável em que foi usada várias vezes a mesma trajetória”. No entanto, o foco agora é “procurar outros horizontes” que, adianta, “têm sido alcançados”.

E quanto à vida no espaço, existe? “Absolutamente. Eu não a consegui ver, mas estou convicto disso.”

Artigo editado por César Castro