Uma “orquestra fora da caixa”, um “objeto de política cultural” e “que se destina ao interior desocupado”. É assim que Fernando Costa, diretor criativo, descreve a Orquestra Nacional Moderna (ONM). O projeto surgiu há seis meses e une 21 músicos, muitos jovens licenciados em música que ainda não encontraram o seu espaço nas tradicionais orquestras.

Com a diversidade de eventos culturais no litoral, o interior do país está, na perspetiva de Fernando Costa, “desocupado”. “A ONM nasce de uma análise e reflexão que se faz ao longo do tempo sobre um país terrivelmente desequilibrado, onde as coisas acontecem só numa faixa do litoral de 30 ou 40 quilómetros”, começa por explicar o diretor criativo do ensemble ao JPN. 

A nova orquestra quer, por isso, contrariar a tendência e intervir, sob pena de que “aquilo que está desocupado, fique totalmente deserto”.   

Se a montanha não vai à Orquestra, vai a Orquestra à montanha

A ONM ambiciona ser uma orquestra itinerante e vai percorrer as regiões que são continuamente deixadas de fora na programação cultural nacional. “Quantas vezes as nossas orquestras – que são 15 ou 16, as mais consolidadas – foram ao interior do país? Quantas vezes é que a Sinfónica do Porto saiu da sua caixa? Perante esse quadro, há que atuar”, afirma.

A desocupação artística do interior parece então partir de algum preconceito e comodismo. “É mais fácil fazer tudo na faixa litoral. Há muita gente, há dinheiro, está tudo aqui”, considera Fernando Costa. Porém, “o público existe. Não existem é eventos”. “Ainda ontem me perguntavam: ‘onde é a vossa residência?’ A nossa residência é onde estiverem as pessoas”, explica.

A jovem orquestra quer viajar pelo interior do país. Foto: Rita Pais Santos

Não se aprende a gostar de poesia com “Os Lusíadas”

Mas a ocupação do interior não se traduz numa reprodução da configuração orquestral aplicada no litoral. “Não sei se a melhor maneira de aprender a ler ou a gostar de poesia é declamar “Os Lusíadas” [de Luís de Camões], porque de certeza que muito antes do final do I Canto o público está a desandar. Aqui é similar”, compara Fernando Santos, que pretende que a ONM tenha uma “estratégia eficaz” para chegar até ao público que não está habituado a grandes orquestras.

Para responder às necessidades das regiões, a Orquestra Nacional Moderna vai adaptar a sua proposta, tanto no repertório como no formato. “Adaptar não quer dizer furtar, esconder ou simplificar. É criar uma proposta com os mesmos músicos, os mesmos instrumentos, as mesmas obras, mas adequar”, esclarece.

Estas características, assegura o diretor criativo, tornam o grupo musical uma “orquestra fora caixa e uma orquestra com projeto, que não se limita a montar as suas peças, mas a criar algo que se vai adaptar ao público”.

A gaita de foles na orquestra

Exemplo do “adequar” de que fala Fernando Costa é a gaita de foles que soa no arranque da peça “Jota” de Miranda do Douro (da autoria de Tio Delfim Domingues), na apresentação da orquestra Moderna, que decorreu na tarde de sexta-feira, dia 12 de abril, no espaço Mira Forum, em Campanhã.

O arranjo foi feito pelo diretor musical da ONM, José Paulo Freitas, que pediu, momentos antes, perdão e apreço pela ousadia de ter “reconstruído” a obra, encaixando o instrumento popular na orquestra.

A disposição da sala já anunciava o caráter diferenciador da ONM. Músicos e público espalhavam-se, misturados, pelo espaço. O maestro, de que o público só conhece normalmente as costas e a nuca, encarava a plateia.

Pelo espaço de parede de pedra e teto revestido a cortiça, soou o arranjo de “Jota” de Tio Delfim Rodrigues, “Oblivion” de Astor Piazolla, “Prelúdio Op. 28, nº 4” de Chopin e a “Waltz nº 2” de Dmitri Shostakovich.

A ONM ainda não tem calendário de concertos, mas está já em contacto com vários municípios e centros culturais do interior, para iniciar a sua tour na chegada do verão. “O nosso objetivo é que as empresas e municípios do interior entendam que a cultura é uma necessidade para as regiões. Não é uma despesa, é um investimento”, acrescenta Maria Odete Correia, responsável pela produção e comunicação da Orquestra Nacional Moderna.

Artigo editado por César Castro