Criada há dez anos no âmbito de um projeto europeu, a Escola de Segunda Oportunidade de Matosinhos representa para jovens em risco que abandonaram o ensino isso mesmo: uma segunda oportunidade. Aqui não há campainhas para entrar e sair, não há faltas nem testes. Há liberdade para dar asas à imaginação e autonomia pedagógica.
Esta reportagem foi realizada no âmbito da disciplina de AIJ Rádio – 3º ano
O reboliço matinal faz o lugar do toque da campainha. Chegam com uma dose de agitação, mas sempre bem-dispostos. Na Escola de Segunda Oportunidade de Matosinhos, as aulas começam às 09h30 da manhã. São dadas em pequenos grupos para que cada aluno possa ter um acompanhamento personalizado. É a única escola do país que dá aos jovens uma segunda oportunidade.
Aqui, as coisas são um tanto diferentes. Não há campainha para entrar e sair das aulas, não há testes, não há faltas e o método de ensino não é igual.
André Eiras é mediador juvenil e explica que um ensino mais flexível é a chave de ouro da escola.
A maior parte dos jovens que vêm estudar connosco são jovens que, muitos deles, têm quase fobia à sala de aula. Estarem fechados durante muito tempo a ouvir alguém não é de todo o registo que eles gostam. Portanto, é preciso encontrar formas criativas e alternativas de abrir espaços de formação, com jovens lá dentro, mas onde o ensino seja uma coisa interessante, divertida, em que o aluno queira estar lá e colaborar, fazer alguma coisa.
A formação através das artes faz parte da identidade da escola. Os jovens podem completar o 6.º ou o 9.º ano e descobrirem a área para a qual têm mais vocação.
Da parte dos professores e orientadores, há a paciência e a ajuda. A relação entre os que ensinam e os que escutam é de cumplicidade. Mas para lá chegar há algum trabalho a cumprir. André Eiras detalha como.
Antes sequer de tentar passar conhecimento ou absorver conhecimento deles ou trocar ideias, criar projetos ou desenvolver processos de aprendizagem, antes disso tudo, é criar processos de relação. Conhecer quem temos à frente, darmo-nos também a conhecer a esse jovem e, criando um elo de confiança, quando o jovem perceber que tem à frente alguém que está aqui para ajudar, para orientar, numa relação horizontal e sincera, honesta. Partindo daí, tudo é possível.
Vai haver dias em que eu, como mediador juvenil, não estou a sentir aquele espaço, o que se está a fazer. Vai haver dias em que o aluno vai sentir exatamente o mesmo. Portanto, o mais importante, mais do que o estímulo, mais do que o plano A ou o plano B ou o plano C é estar na sala e, através de uma relação de honestidade, perceber se o jovem está a gostar disto ou não, se lhe apetece estar aqui ou não. E mediante a resposta do jovem, que pode ser um ‘sim’ ou um ‘não’ ou uma simples resposta através do movimento corporal, adaptar.
Se houvesse um manual de instrução com segredos para tudo, o trabalho estava feito. Para André, o segredo passa por conhecer e dar a conhecer. O tempo e o à vontade criam as relações. Mas para o diretor da escola, Luís Mesquita, o respeito não pode faltar.
Acho que uma das palavras-chave é a palavra respeito. Os jovens sentem-se de facto respeitados. Muitas vezes, eles próprios ainda estão a fazer o caminho de compreenderem o que é isso do respeito. Não conseguem respeitar sempre, mas sentem-se respeitados e é importante que a escola os respeite.
Na Escola de Segunda Oportunidade de Matosinhos, os jovens têm toda a liberdade para dar asas à imaginação. O dia começa com várias aulas a começarem ao mesmo tempo. Na aula de Artesanato da professora Rita, fazem-se desenhos que vão servir de molde a construções com pregos.
Desenhei um ‘M’ que é para fazer uma prenda para uma professora que está grávida. E depois, aqui, vou meter dois pregos e um fiozinho para ela por as fotos da sua princesa.
Liberdade para criar e darem o uso que quiserem aos trabalhos que fazem também faz parte do tipo de educação promovido pela escola.
Se descermos as escadas, na porta à esquerda funciona o workshop de Mecânica. Hoje, o desafio é compor uma bicicleta.
Nós estamos a arranjar uma bicicleta, a afinar os travões. Não é ‘stôr?
– Sim.
– A afinar os travões, fazendo os testes no travão.
– Trava. Larga.
– Já está a travar melhor.
– Não, porqu ela fica colada. Trava. Larga.
– Pois é, ficava colada.
Aqui, nada se deixa estragar. Depois de composta, a bicicleta fica na escola para que os jovens lhe possam dar uso. Saímos da sala, atravessamos o pátio e no andar de cima, no lado esquerdo do edifício, juntam-se as aulas de História e de Matemática. De um lado da mesa, as tabuadas e raízes quadradas.
Vamos ver a tabuada:
1 x 1 dá 1.
2 x 2 dá 4.
3 x 3 dá 9.
4 x 4 dá 16.
5 x 5, 25.
Do outro lado, estudam-se os séculos.
180 a que século pertence?
– Século II.
– Então, vamos por aqui, no século II, 180. Agora, 33 antes de Cristo, onde é que está o século?
– Século I.
– Então, onde é que está o século I antes de Cristo?
Na sala ao lado, o professor André e a psicóloga Ana dão a aula de Artes como Desenvolvimento Pessoal e Social. O objetivo de hoje é ver uma curta-metragem até metade e imaginar um fim. Passá-lo para o papel é que pode ser um verdadeiro desafio para alguns jovens.
Entre as várias aulas e o desafio que são os jovens, a manhã passa a correr. Ainda assim, é a proposta educativa que faz os jovens ficar e os mantém. Mas o projeto quer crescer. Numa altura em que já conta com dez anos de existência, ainda esperam fazer parte do sistema público de educação.
O desenvolvimento natural deste projeto – o projeto é uma iniciativa social que a pouco e pouco foi compreendendo que não seria viável sem que se criasse no país uma política pública para o abandono precoce.
Quem o diz é o diretor da escola. Luís Mesquita recorda que, em 2017, o secretário de Estado da Educação, João Costa, anunciou a integração da escola no sistema público de Educação. Hoje ainda estão a tentar perceber como é que este processo se vai realizar.
O que se passa é que há esta vontade anunciada publicamente pelo Governo de integração da escola no sistema público de Educação, apoiada pela Câmara de Matosinhos, e nós esperamos que isso aconteça durante este ano, mas estamos ainda á espera de ver desenvolvimentos mais concretos.
Para os professores, a concretização deste acordo pode vir a ser benéfica. Maria do Céu Gomes não concorda na totalidade. A coordenadora do Apoio Educativo diz ter medo da mudança.
Temos algum receio. É uma das coisas que temos lutado é que essa integração, quando acontecer, que nos garanta essa autonomia pedagógica, porque a nossa forma de trabalhar é completamente diferente da que existe no ensino regular.
Com ou sem mudança, a escola continua a marcar pela diferença. O caminho pode ser longo, mas está traçado. Levar o projeto mais longe e garantir segundas oportunidades.