As luzes públicas ainda estão ligadas, mas o sol já nasceu. E com ele, uma multidão caminha pela Estrada da Circunvalação até à Praça Cidade do Salvador, onde o autocarro com destino à baixa do Porto já está lotado. Foi noite de Queima e ouvem-se reclamações de que a festa ainda continuava se não fossem obrigados a sair do recinto.

Muitos estão sentados na berma da estrada, indispostos ou simplesmente a descansar um pouco, mas a polícia ordena que é preciso dispersar. Um cordão de agentes força os últimos resistentes a saírem. É manhã de quinta-feira da semana mais importante para os estudantes universitários do Porto, mas para alguns é apenas mais um dia de trabalho. E há muito trabalho pela frente.

A expressão “noites mágicas, manhãs trágicas” ganha um novo sentido ao chegar ao Queimódromo de manhã. As últimas barracas ainda estão a fechar portas e as gaivotas já se banqueteiam com os restos de comida deixados pelo recinto, mas concentram-se principalmente na praça de restauração, onde as mesas estão cheias com uma grande variedade de iguarias.

No chão, o mais comum de encontrar são copos, especialmente os mais pequenos, onde se servem os populares shots. Não é de estranhar, porque são servidos em grande número. Para se ter uma ideia, a Federação Académica do Porto (FAP) encomenda cerca de um milhão destes copos para toda a semana.

Segundo o presidente da FAP, João Pedro Videira, criar um copo de shot reutilizável ou mais sustentável, em papel, está na lista de afazeres da organização da Queima das Fitas do Porto. A medida teria sido implementada este ano, mas não foi encontrado um produtor para a quantidade necessária para o evento.

Limpar as casas de banho “não é trabalho fácil”

Um zumbido invade o recinto, antes silencioso. Seguindo o som, é fácil de chegar à sua origem: o aspirador que Manuel Araújo maneja para sugar os resíduos dos depósitos das quase 150 casas de banho espalhadas pelo recinto. “Enchi 1500 litros (da reserva) só em 22 casas de banho”, conta o trabalhador do Grupo Vendap, encarregue da manutenção destes equipamentos.

Manuel Araújo já é veterano na limpeza da Queima das Fitas do Porto. Durante os dez anos de experiência que tem no evento, já está habituado a encontrar unidades móveis “vomitadas de cima abaixo”. Às vezes, coisas piores. O trabalhador de 51 anos conta que ainda na limpeza de quarta-feira encontrou paredes escritas com dejetos. “Faz parte da juventude, não é?”, remata.

Começando sempre por volta das 06h30, termina o serviço já depois do meio-dia. Depois de esvaziar os depósitos das casas de banho com o aspirador, coloca uma pastilha com detergente, que se liberta em contacto com o jato de água que usa para limpar a sujidade. “Não é trabalho fácil”, confessa o trabalhador.

Manuel Araújo a limpar casas de banho portáteis do Queimódromo.

Manuel Araújo limpa as casas de banho do Queimódromo do Porto há dez anos. Foto: Ricardo Carvalho Rodrigues

“Há uns anos era muito pior”

Pouco depois de Manuel Araújo começar a limpar as casas de banho portáteis, chega uma equipa de funcionários da empresa Recolte, contratada pela Câmara Municipal do Porto. No total, são 13 homens, que antes de tratarem da limpeza do recinto limpam a Estrada da Circunvalação, de forma a que o trânsito volte a passar normalmente.

Com sopradores juntam o lixo em montes, para que o veículo de recolha aspire a maior parte dos resíduos. José Carvalho caminha com um saco preto e apanha aquilo que a máquina não conseguiu sugar. O funcionário conta que há uns anos a quantidade de lixo era muito maior, opinião corroborada pelo presidente da FAP, João Pedro Videira.

José Carvalho faz parte da equipa de limpeza do Queimódromo do Porto há seis anos.

José Carvalho faz parte da equipa de limpeza do Queimódromo do Porto há seis anos. Foto: Ricardo Carvalho Rodrigues

“Do ano de 2017 para 2018 houve uma redução de 90% do plástico recolhido na Queima das Fitas do Porto”, afirma o dirigente associativo. A razão por trás desta descida radical foi, segundo o presidente da FAP, a implementação do copo de plástico reutilizável, que levou a uma redução de meio milhão de unidades descartáveis.

Ainda que os resíduos sejam menos do que no passado, a equipa de limpeza só termina a sua função depois do almoço. “Nós temos que trabalhar, o lixo é que nos dá o dinheiro“, admite José Carvalho.

E, literalmente, encontram dinheiro no meio do lixo, às vezes, também documentos de identificação que depois entregam à organização. Enquanto apanha lixo, José Carvalho fala dos seus filhos, que estudaram no Porto, mas agora estão emigrados no Reino Unido.

Para muitos, a semana da Queima das Fitas é um momento de festa e diversão, enquanto que para poucos é apenas mais uma semana de trabalho.

Artigo editado por Filipa Silva