Quando há dois anos aterrou em Barcelona, onde o fenómeno do skate é mais evidente, Francisco Mouga, de 27 anos, dava início ao trabalho de campo desenvolvido no âmbito do Mestrado em Psicologia do Comportamento Desviante e da Justiça.
Chegou com grandes expectativas. Afinal, o tema – o skate e a cultura a ele associada – com que viria a concluir o curso na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) era-lhe bem familiar. “Eu já andava de skate antes de estudar skate, antes de estudar controlo do espaço e antes de estudar psicologia”, começa por explicar ao JPN.
Quando entrou na faculdade encantava-se por questões cognitivo-comportamentais. Hoje em dia, são as questões macrossociais e as dinâmicas de cidade que mais lhe interessam.
Depois de um período de pesquisa, e com a orientação dos professores, resolveu avançar para um trabalho de investigação em três praças da “meca europeia do skate”, focando-se em questões de resistência, mas também de direito à cidade e ao uso do espaço público. “O skate pode funcionar como um objeto interessante para estudar várias dinâmicas da cidade, tanto as de controlo como as de produção do espaço”, explica.
Apesar do skate ser um fenómeno à escala global, é em cidades como Barcelona que se manifesta com significativa expressão. “O skate tem uma grande incidência nas praças modernistas, nas chamadas praças duras, com muita pedra, pouca terra e poucas árvores”, afirma o investigador do Centro de Ciências do Comportamento Desviante da FPCEUP.
Skaters como dinamizadores das praças
Apesar da agradabilidade para a prática, Francisco realça que as “praças modernas” são produzidas, sobretudo, para acomodar a cidade neoliberal. “O que é que é isto? É a produção de cidade para acomodar o comércio, o turismo ou a venda a retalho.” E exemplifica: “Aqui no Porto, teríamos a Rua das Flores como um bom exemplo. Perderam-se os moradores, abriram-se restaurantes, creparias, cafetarias, ou seja, a configuração social da rua mudou bastante.”
Francisco, que já sentiu na pele as “consequências” do ofício (como ser expulso de um local ou ter uma breve discussão com um cidadão qualquer, por exemplo), assegura que a presença dos praticantes da modalidade em certas zonas ajuda a afastar “grupos indesejados”, como os sem-abrigo ou carteiristas. No entanto, como constatou, “findo esse trabalho de valorização, os skaters acabam por ser expulsos dos espaços que ajudaram a valorizar.”
Isto porque, apesar de ser um negócio bilionário e cada vez mais mediatizado, acaba por ser uma prática desacreditada – quer “pelo barulho que fazem”, “pela erosão do mobiliário urbano” ou “pelos acidentes que potenciam” – que não contribui diretamente para a economia dos espaços.
Estratégias de controlo social
Descrito como uma “praga urbana”, o fenómeno do skate é, em algumas cidades, alvo de estratégias que têm em vista a sua dissuasão. É o caso de Barcelona, um dos sítios com mais skaters locais por metro quadrado, onde há “uma tipologia de coima associada”. A par da aplicação de multas, a cidade espanhola coloca em prática outras estratégias como a aplicação de detalhes físicos, “como picos, correntes, lombas ou degraus” com vista a extinguir e/ou regular a prática, canalizando-a para os skate parks.
Ora, a construção destes espaços “na periferia das cidades”, diz o investigador da FPCEUP, acaba por ser uma forma de atuação das cidades. “Acolher o comércio, seja ele qual for, desde que gere lucro, pague impostos e crie postos de trabalho, [assim como] a prática desportiva são metas que as cidades precisam de atingir. Por isso é que se criam parques infantis ou complexos desportivos. Os skates parks são uma forma mais dissimulada de dissuasão da prática no espaço urbano”, argumenta.
Perante isto, a forma de atuação do poder municipal pode gerar, continua, “um sentimento de exclusão dos cidadãos, que sentem que a cidade não está a agir conforme os seus interesses, mas sim conforme interesses económicos para acomodar o consumo suburbano.”
Francisco Mouga, que nos fala com o à vontade de quem conhece a cidade do Porto, admite que é, “precisamente, por não haver skatepark que só se anda na rua”. Não é incomum dizer, portanto, que “o Porto é uma cidade com muito skate de rua” e que é mais difícil usar o skate como meio de transporte no Porto.
“Por um lado, tem muitas praças onde se pode andar, por outro, é uma cidade com muitas descidas e subidas, muita calçada e muito alcatrão em mau estado. Não é tão fácil locomover-me de uns pontos para os outros como em Barcelona, com um planeamento urbano moderno e ciclovias em grande parte da cidade”, aclara.
A resistência de viver o espaço
Desafiando o espaço próprio, são vários os locais que não foram feitos para andar de skate, mas que acabam por ser utilizados como tal. “Isto acaba por ser uma tática de resistência, porque as pessoas acabam por ter uma utilização do sistema topográfico distinta ao próprio desenho”, assegura.
Quando começou a andar de skate, por volta dos 14 anos, a Casa da Música foi um dos primeiros sítios a que recorreu. “O skate na Casa da Música é uma prova de que a cidade e uma instituição podem funcionar em consonância com o skate, fazendo com que [a prática] seja bem-vista”, diz.
Francisco argumenta que trabalhos de investigação como o seu ajudam a perceber como é que as cidades podem funcionar. “Podíamos estar a alocar fundos para proibir que os skaters se manifestassem ou usar esses mesmos fundos para ativar culturalmente a cidade”. Por isso, propõe que haja um trabalho conjunto entre skaters e poder municipal para tornar as “cidades mais inclusivas”, tanto para urbanistas como para skaters.
No entanto, o investigador do Centro de Ciências do Comportamento Desviante reconhece que já são várias as cidades, conscientes do direito à cidade e à participação cívica, que começaram a mudar os seus comportamentos e a adotar práticas menos repressivas e mais “amigas” da cultura do skate.