O nível socioeconómico das famílias influencia não só a escolha do subsistema de ensino (universitário/politécnico) como também a escolha de curso, conclui um estudo do Edulog, um think tank da Fundação Belmiro de Azevedo. De acordo com o trabalho, que vai ser apresentado esta quarta-feira, em Matosinhos, isto é visível se compararmos os cursos do ensino politécnico com cursos universitários de áreas disciplinares próximas, apontando que nos primeiros a percentagem de bolseiros é mais elevada.
Tome-se, como exemplo, a área da saúde. Verifica-se que 73,2% dos estudantes de Medicina (curso que só é lecionado em universidades) são filhos de pais com Ensino Superior, ao passo que 73,0% dos estudantes de Enfermagem e Tecnologias da Saúde (cursos do ensino politécnico) são filhos de pais com qualificações inferiores ao Ensino Superior.
Segundo dados da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), no ano letivo de 2018/2019, 31,49% do total de inscritos no primeiro ano, pela primeira vez, obtiveram bolsa de estudo. Ora, o nível socioeconómico das famílias pode avaliar-se a partir do estatuto de bolseiro que só é atribuído a alunos de famílias com baixo rendimento per capita. “As bolsas são sobretudo atribuídas a estudantes que se inscreveram no ensino politécnico (37,38%), o que sugere que será mais difícil para estudantes de nível socioeconómico mais baixo ingressar nas universidades (28,14 % de bolseiros)”, é possível ler no estudo.
A análise do Edulog revela ainda que os jovens cujos pais não têm o Ensino Superior têm menor probabilidade de ingressar no Ensino Superior. “Em Portugal, os jovens entre os 18 e os 24 anos que não têm um progenitor com formação superior estão sub-representados no Ensino Superior, já que correspondem a 78% da população dessa faixa etária e a 61% dos novos inscritos no Ensino Superior.”
O estudo “A Equidade no Acesso ao Ensino Superior” surge a dias de ser publicado o despacho ministerial que vai definir as regras de fixação de vagas para o próximo ano letivo. Em 2019/2020, o Governo deve permitir que os cursos com notas de acesso iguais ou superiores a 17 valores aumentem o número de vagas em 5%. Para Alberto Amaral, coordenador científico do Edulog, a medida não vai resolver o problema de equidade que o trabalho identifica. “Vai ter algum impacto, mas não será suficiente”, afirmou em declarações ao “Público” desta quarta-feira.
Dados mostram seletividade do ensino universitário
Por existirem bastantes candidatos que, apesar de ingressarem no Ensino Superior, não são colocados nas suas primeiras opções, pois são condicionados pelo “sistema de numerus clausus” e pela “competição pelos cursos e instituições mais prestigiadas”, o estudo fala num “sistema de Ensino Superior seletivo e estratificado” em Portugal.
A expansão do Ensino Superior foi realizada principalmente “criando vagas em novas instituições de menor prestígio”, o que levou, por sua vez, “à estratificação do sistema terciário por níveis de qualidade” e pela “criação de novos subsistemas”. Assim, os estudantes mais desfavorecidos “acabam por ter acesso predominantemente às instituições de menor prestígio”. Por outro lado, “os estudantes oriundos de famílias com níveis de escolaridade mais altos preferem as universidades”.
Assim, diz o estudo da Edulog, é nas áreas da Educação e das Ciências Empresariais que mais encontramos estudantes oriundos de famílias com menos formação. Já o Direito, as Belas Artes e as Ciências são áreas preferidas por famílias com nível educativo mais elevado.
Maiores de 23 anos entre os que mais abandonam o ensino
Ainda que se mantenham entre as mais baixas nos países da OCDE, as taxas de conclusão do Ensino Superior têm aumentado em Portugal. Em 2017, 34% dos jovens adultos concluíram o Ensino Superior, em comparação com 21% em 2007.
No entanto, e de acordo com o estudo, estas taxas de abandono não são homogéneas, “já que a percentagem de abandonos durante os quatro anos tende a ser mais alta no ensino politécnico do que no ensino universitário e mais elevada nas instituições privadas do que nas instituições públicas”.
Também as vias de acesso pelas quais ingressaram os alunos podem condicionar a taxa de sucesso no Ensino Superior. “Ao passo que cerca de metade dos alunos que ingressaram através do regime geral de acesso em licenciaturas de três anos já tinham concluído o seu curso passados quatro anos, só 30% dos seus colegas que ingressaram através do regime especial para maiores de 23 conseguiram diplomar-se.”