Vinte minutos antes da hora marcada para a concentração, já a Praça da República, no Porto, se encontrava bem composta. Era expectável que o número de aderentes à Greve Climática convocada para a última sexta-feira aumentasse, face à cimeira do clima da ONU ocorrida poucos dias antes, e às repercussões da mesma, mas nem a organização esperava tanta gente. Das 17h00 às 18h00 – hora de arranque da marcha -, o número de pessoas foi-se multiplicou-se até a Praça da República estar completamente lotada e ser difícil encontrar caminho pelo meio de tantas pessoas e cartazes.
Alguns chegaram cedo. É esse o caso de José Barbosa, 19 anos, estudante do primeiro ano de Direito na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP) e um dos organizadores da Greve Climática na cidade. “Temos o dever de defender o nosso direito à vida. Temos o dever de estar aqui, de defender aquilo que é nosso – o planeta”, afirmou ao JPN.
Na sua opinião, as greves vão, certamente, continuar porque o que tem sido feito não é suficiente e é necessário chegar à raiz do problema. “É verdade que já foram tomadas medidas positivas, como os passes sociais, no caso dos transportes, mas não chegam. Temos de começar por questionar o sistema económico vigente, que é o capitalismo, e as escolhas institucionais das maiores empresas mundiais. 71% das emissões de CO2 são feitas por apenas 100 corporações” públicas e privadas, afirma em referência a um relatório de 2017.
Quanto à meta da União Europeia para a redução da emissão de gases com efeito de estufa em 40% até 2030, o jovem considera que “muitas vezes a ONU e o Painel Intergovernamental Sobre Alterações Climáticas (IPCC) querem ser ambiciosos, mas não possuem os meios necessários para alcançar [as metas] e a abordagem que continuam a ter é a abordagem de mercado.”
Ao seu lado, bem no centro da Praça da República, encontram-se outros organizadores em frenesim. Para Filipa Costa, de 21 anos, representante da Extinction Rebellion – movimento socio-político responsável pela ocupação da Avenida Almirante Reis em Lisboa, no mesmo dia -, é fundamental agir já: “A nossa casa está a arder, os pulmões da nossa casa estão a arder e nós não estamos a fazer nada, estamos a ser completamente passivos.” Tal como José, a estudante da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) não prevê sucesso para as metas de redução de gases efeito de estufa. “Os políticos neste momento estão mais interessados em adiar e só quando for tarde demais é que vão começar a agir. Eles dizem que é até 2030, mas vão começar a tratar disso em 2029”, ironiza.
A luta não escolhe idades
A marcha é organizada, direcionada e maioritariamente composta por jovens, mas cada vez mais se veem caras de todas as idades. De bebés de meses a avós de décadas, os manifestantes ocupavam todas as faixas etárias.
É esse o caso de Maria Rocha, 63, reformada, que segura uma faixa que chama a atenção e rouba sorrisos a quem passa. Tem um neto de 12 anos que considera o seu ídolo e por isso quer acompanhá-lo.“Gosto de aprender com a juventude e de me manter jovem. Senão, fico para trás e depois ele tem vergonha da avó”, confessou, causando risos às outras senhoras que conduziam a faixa.
Netos são uma motivação comum a vários manifestantes mais velhos. José Bastos, 56 anos, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), vai ser avô em breve e por isso achou que estava na hora de agir. “Não só assinar petições na internet, mas dar a cara e participar”, explicou.
Para o professor universitário, é necessário mudar o sistema económico, mas também é urgente mudar as mentalidades: “Se as pessoas começarem a andar mais de transportes públicos ou de bicicleta e menos de carro individual, por exemplo, então, vamos conseguir mudar alguma coisa.” A FEUP, recorda, tem um secretariado do ambiente e já tomou várias medidas, tais como reduzir as palhinhas e copos de plástico, e tem anualmente um concurso de ideias sustentáveis.
“Os jovens de hoje também querem ser avós”
Apesar da luta pelo clima ser cada vez mais intergeracional, é um facto que os jovens continuam a ser a maioria. Vozes altas, cartazes bem erguidos, começou-se a marchar por volta das 18h00 e os gritos dos mais novos eram os que mais se ouviam.
Ao som coordenado de “A nossa luta é todo dia! É pela água, floresta e energia”, a multidão saiu em direção à rua de Gonçalo Cristóvão. A polícia na frente cortou o trânsito para o mar de pessoas inundar o viaduto. Uma delas é Margarida Mendes, 16 anos, estudante do 11º ano e habitante de Baião – concelho do distrito do Porto, localizado a 70 quilómetros da cidade.
Por entre cânticos, contou ao JPN o porquê de ter escolhido fazer greve e viajar até à marcha. “Enquanto as coisas não mudarem nas grandes cidades e nas metrópoles, jamais vão mudar nas zonas rurais. As manifestações são a única forma de poder popular que temos sobre isto.” Esta é primeira vez que participa na marcha portuense, uma vez que na última Greve Climática, de 24 de maio, foi a própria, com a ajuda de duas amigas, a organizar o evento em Baião, que contou com a participação de sensivelmente 200 pessoas, “praticamente uma multidão para o concelho”, disse.
Entretanto, a rua de Gonçalo Cristóvão encheu-se completamente e, principalmente aí, conseguiu-se perceber a verdadeira dimensão da marcha. Os gritos de luta foram muitos e acompanhados por todos. “Nós somos a revolução”, gritaram entre a multidão.
Na passagem pela rua de Santa Catarina aumentam os gritos de “Sai do passeio e vem para o nosso meio”, face à quantidade de pessoas apanhadas de surpresa pela enchente. Com ar confuso, muitas pessoas assomam às varandas para ver o que se passa, aproveitando para guardar o momento no telemóvel. Há quem faça uma expressão de aborrecimento perante a multidão, mas são muitos mais os sorrisos nas caras de quem foi apanhado de surpresa, principalmente direcionados à larga quantidade de crianças presente.
Um desses casos é o de Pedro Macedo, 46 anos, investigador científico, que marca ali presença com a mãe e os dois filhos, ambos de cartazes na mão. Para si, o importante é “pensar num sistema que seja livre de combustíveis fósseis, que esteja acima de tudo concentrado em recuperar os ecossistemas e em criar relações mais saudáveis entre as pessoas, países, espécies e gerações”, explicou ao JPN. Ao seu lado, a filha – com tranças iguais às da ativista Greta Thunberg – dança entusiasticamente com o irmão.
Estudantes e professores unem forças
Tal como já tinha sido anunciado, a FENPROF aderiu à greve climática e esteve presente na marcha. Manuela Mendonça, 59, professora e coordenadora do Sindicado do Norte, relembrou que a escola tem um papel a desempenhar neste desafio, “não há desafio maior para as futuras gerações do que aquele que decorre das alterações climáticas.“
A professora acha que o ambiente escolar deve ser um espaço de ação e que os currículos devem ter mais presentes questões climáticas e ambientais, para “a escola cumprir o seu papel de informar, inspirar e mobilizar.” Muitas escolas já adotaram algumas medidas como a recolha de tampas e cortiça, a supressão de garrafas de plástico ou então a participação no concurso Eco-Escolas.
Era impossível não falar de Greta Thunberg, a estudante sueca que começou este movimento de greve com as Fridays For Future, quando a multidão estava decorada com cartazes que remetiam para a sueca ou crianças com tranças idênticas às da mesma. Para Manuela, a jovem veio agitar a situação: “Nada do que ela diz é novidade – toda a gente sabe, menos Donald Trump e Bolsonaro – mas vem pôr o dedo na ferida. Vem acusar as gerações mais velhas de falharem numa responsabilidade que é delas, que é deixar o mundo habitável para as gerações futuras”, remata.
Uma luta sem fim previsto
O destino final da marcha foi o coração da cidade, os Aliados. Horas a caminhar não desanimaram os manifestantes, que continuaram com os cânticos já na Avenida. Os ânimos só acalmaram quando todos se sentaram para ouvir algumas palavras da organização. Depois de muitos obrigados, porque sem esta multidão seriam “apenas meia-dúzia de gatos pingados a cantar músicas do António Variações e do Malhão Malhão”, falaram num tom mais sério, usando “parar” e “não” como palavras de ordem.
“É dizer não ao paredão, não ao aeroporto do Montijo, não à expansão de Sines e não às dragagens do Sado“, enunciaram. Parar porque, sublinham, é preciso deixar de fingir “que será com pequenos remendos e ambições que avançamos, mas sim com ações concretas, mudanças profundas, construídas socialmente para responder ao problema sem paralelo.” Parar porque, tal como se gritou várias vezes durante a marcha, “não há Planeta B e não há tempo a perder.”
Houve ainda tempo para ler o manifesto da Greve Climática Global. No documento, são listadas várias medidas, tais como controlar a emissão de gases de estufa; parar a construção do novo aeroporto do Montijo ou usar energia renovável solar e eólica.
Com a multidão já desfeita, o microfone finalmente pôde descansar, depois de um dia agitado. As pessoas começaram a ir embora, com a mensagem de que esta não será a última marcha. Além do Porto, a Greve Climática Global foi assinalada um pouco por todo o país, de Lisboa a Coimbra, de Albufeira a Braga, de Aveiro a Chaves, da Guarda às Ilhas, passando por mais de duas dezenas de cidades, de acordo com o jornal “Público”.
Artigo editado por Filipa Silva