Depois de três dias de apresentações, o cheque-mate da 45.ª edição do Portugal Fashion chegou no último dia. Foram dez os momentos, 21 os desfiles, que preencheram todo o sábado, num dia repleto de nomes bem conhecidos do público, com criadores veteranos a encerrar com chave de ouro mais um ano de moda a norte.

Contrariamente aos restantes dias, que não tiveram qualquer apresentação da parte da manhã, o derradeiro capítulo da Semana da Moda do Porto em 2019 iniciou-se às 11h00 na Casa de Serralves, com a apresentação da coleção da dupla portuguesa Marques’Almeida, que, num cenário improvável, porém vanguardista, apresentaram uma coleção com principal foco na feminilidade e na sustentabilidade, em tons que aliam a natureza a um caráter ácido e animal.

Já da parte da tarde, as honras da Alfândega, “quartel-general” do Portugal Fashion, foram feitas pelos mais novos. A sessão ModaPortugal Kids trouxe cinco desfiles contínuos de outras tantas marcas de roupa infantil. Crianças de todas as idades arrancaram vários sorrisos da plateia que, atenta, observou as novidades de Patachou, Cherry Papaya, Risca de Giz, Phi e a já conhecida Laranjinha, com coleções a variar de um estilo mais clássico à inspiração em elementos veranis. 

Cravos e pesca; revolução e portugalidade

A passerelle da Alfândega abriu oficialmente com o desfile de Alexandra Moura, um dos mais aguardados da tarde. Gadidae, expressão proveniente do latim que designa a família de peixes a que pertence o bacalhau, tem como ponto de partida a profissão daqueles que pescam nos barcos bacalhoeiros, estendendo-se depois a outras profissões ligadas à pesca e àqueles de delas vivem.

Entre os 40 conjuntos que apresentou, fundem-se os contrastes nas vestes das diversas formas de pesca, com reinterpretações de coletes, calças ou mesmo os cestos usados pelas peixeiras para transportar o peixe. 

A coleção de Alexandra Moura inspirou-se nas profissões ligadas à pesca. Foto: Sofia Matos Silva

As roupas de trabalho tradicionais encontram-se a meio caminho com as peças oversized (acima do tamanho) cada vez mais em voga, elemento realçado nos coordenados, com a desconstrução e invenção de peças numa mescla de tradição com o espírito da marca Alexandra Moura. Linho, algodão, seda, ganga e tecidos impermeáveis numa paleta de tons azuis, terra, preto ou laranja são a exteriorização deste remeter a uma das maiores tradições nacionais.

Essa evocação da portugalidade não se ficou pela temática da pesca e estendeu-se, de forma bem literal, aos conjuntos de MEAM. No início do desfile, surgem modelos com peças verdes, depois vermelhas, depois amarelas. Se a mensagem não era totalmente explícita, o início de Grândola, Vila Morena como música de acompanhamento do desfile, ao mesmo tempo que coordenados com padrão militar, seguidos de outros com imagens de cravos, surgem na passerelle, tirou todas as dúvidas. 

A consciencialização social de Susana Bettencourt

As questões sociais não são uma novidade nos desfiles de Susana Bettencourt. Desta vez, alertou para o bullying, a depressão e o suicídio entre a população mais jovem. A criadora apela à reflexão sobre estes temas e à criação de mecanismos para combater estes problemas. Super Humano – Hora de Mudar é uma chamada de atenção para os resultados de uma vida marcada pelos símbolos do tempo e as suas consequências e consequente adaptação.

À imprensa, Susana Bettencourt refere que “está na hora de mudar, de deixar de julgar os outros”. “É um alerta e chamada de atenção de que é preciso criar mecanismos na escola e em casa, e principalmente para os adolescentes”, salientou sobre a sua coleção verão/inverno – a partir deste ano, decidiu mudar a sua estratégia de negócio e começar a trabalhar para uma estação apenas.

Os coordenados de Susana Bettencourt alertaram para o bullying, a depressão e o aumento das taxas de suicídio entre a população mais jovem. Foto: Sofia Matos Silva

A chamada de atenção desdobra-se, portanto, em moda pura. Tecidos (também sustentáveis) como o denim, a sarja ou o algodão, bem como elementos transparentes, pintam-se de vermelho, verde, amarelo ou azul numa fase inicial, com os coordenados do segundo momento do desfile a apresentar tons mais escuros em combinações de preto, vermelho, branco e cinzento, cujos padrões e mensagens avisam que “it’s time to change”. 

A mensagem estende-se para uma outra coleção, desta vez em formato cápsula, elaborada pela designer em colaboração com Ana Guiomar. Os lucros revertem a favor da ATA – Associação Telefone de Amizade, que se dedica à prevenção do suicídio e ao apoio em situação de crise pessoal.

Entre passado e futuro

O encerramento da 45.ª edição do Portugal Fashion ficou a cargo de dois veteranos. Casa cheia para ver a apresentação de Maria Gambina entre dezenas de cabeças. A coleção Gambina F.C. foi inspirada pelo documentário Novos Baianos Futebol Clube (1973), realizado pelo brasileiro Solano Ribeiro, sobre uma comunidade que tinha “uma filosofia muito cool, de paz, amor, natureza”, referiu à imprensa. 

A coleção da estilista foi construída sobre o espírito de liberdade dos Novos Baianos, com a sobreposição de materiais, o jogo com emblemas dos clubes de futebol da época e a estampagem de frases de temas musicais do referido grupo. Ao todo, são 35 coordenados, com o macramé como material de destaque, totalmente sustentável (palavra de ordem desta edição), bem como os denim e os naturais.

Maria Gambina inspirou-se no futebol para os seus coordenados. Foto: Bruno de Azevedo

Cru, preto, rosa, vermelho, roxo ou amarelo dominaram a paleta de cores deste clube de Maria Gambina, que venceu a partida em número de convidados a postos de ver as peças ao vivo.

O encerramento de portas foi da responsabilidade da dupla Alves/Gonçalves, que trouxe à Alfândega a irreverência e alternatividade futurista a que já habituou o seu público. Quatro dezenas de coordenados desfilaram pela passerelle do centro da moda a norte, numa atmosfera íntima e underground.

Manuel Alves e José Manuel Gonçalves apresentaram a sua versão de um streetstyle sofisticado e atual, apto para a próxima estação quente, de formas e texturas variadas. Em destaque, os vestidos voluptuosos ou os plissados, elaborados com novas tecnologias aplicadas diretamente aos tecidos. 

A ressaltar, ainda, os desfiles de Pedro Pedro X GALP, Concreto e ainda as últimas tendências em sapatos e malas, com a presença das marcas Eureka, Fly London, Gladz, J. Reinaldo, MLV Shoes, NoBrand, Rufel e The Baron’s Cage.

Crescimento e evolução: o balanço do SS20

Segundo a agência Lusa, a 45.ª edição da Semana da Moda do Porto recebeu cerca de 44 mil visitantes ao longo dos quatro dias de desfiles, despedindo-se com mais sete mil do que na edição passada, em março. 

O Portugal Fashion, organizado pela Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), deverá regressar em 2020 para a 46.ª edição, para além de continuar a levar as promessas da moda nacional às semanas da moda internacionais.

Artigo editado por Filipa Silva