O ritmo é frenético e constante. Nada pode falhar, todos os passos são controlados e o cronómetro, mais mental do que real, está sempre a contar. Os bastidores de um desfile de moda são, na sua essência, um caos organizado, com uma vida própria, indiferente ao tempo lá fora.

No último dia de Portugal Fashion, não seria diferente; ainda para mais no dia mais preenchido do programa, com mais de dez desfiles a acontecer ao longo de todo o dia. Quem apenas chega na hora do desfile, só vê o espectáculo, pensado ao pormenor, o grande momento de caminhada, pose e cara séria. Nos bastidores, fechados a sete chaves a quem está lá fora, ficam guardados os nervos, a correria, tudo o que não seja para mostrar no grande momento. 

Entre dezenas de caras, corpos e câmaras, chega-se ao tão cobiçado backstage, o “outro lado” do Portugal Fashion. A música alta é substituída pelo barulho de vozes e, se todo o evento já se caracteriza pelo constante movimento entre salas, espaços e desfiles, os bastidores superam qualquer expectativa. 

Os bastidores do Portugal Fashion acompanham um ritmo frenético de preparação constante. Foto: Sofia Matos Silva

Aqui, todos estão e têm de estar desinibidos. Uns mais no seu mundo, outros a socializar, mas num espaço que, mesmo sendo amplo, é apertado para a quantidade de modelos e assistentes no seu interior, é necessário que não haja espaço para muita reserva. Não é incomum, portanto, ver pessoas em roupa interior (ou até menos), mas ninguém se parece importar – é um mundo à parte.

Uma azáfama controlada

Em várias salas, divididos por cubículos, estão os espaços destinados a cada marca ou designer, que se vão alterando ao longo do dia. No interior de cada guarda-roupa, os modelos, muitos acabados de vir de desfiles anteriores, terminados há minutos, correm para junto da sua fotografia, que identifica o coordenado que irão envergar na sessão seguinte. Pelo ar, voam camisolas, calças e demais peças numa confusão que parece não confundir quem por lá circula. 

A sala tem, por si só, um calor característico. Humano, também, mas a culpa principal é das luzes intensas que circundam toda a área de maquilhagem. Da cada um dos lados, dezenas de holofotes iluminam, de forma cortante, todo o espaço, para que nenhum pormenor escape à luz (e à velocidade dela). 

Neste espaço, a concentração é máxima. Os profissionais de maquilhagem semicerram os olhos, a tentar acertar o tom exigido para a pálpebra da modelo; ou, então, para não falhar a aplicação do rímel dourado nas pestanas de outra. Os modelos, por sua vez, mantêm-se quietos, para que a pintura fique o mais perfeita possível. Dali a pouco tempo, estarão na passerelle em frente a centenas de olhos e câmaras, prontos a captar todos os pormenores.

Ao lado, o mesmo mas para os cabelos, que merecem tanta ou mais atenção do que a face. Estes arranjos, que já parecem demorados por si só, são, de facto, um processo extremamente demorado. Dependendo do desfile e dos processos que precisem de ser elaborados, cada modelo pode estar entre duas a três horas a receber atenção por parte dos inúmeros profissionais de beleza que dão o melhor para que nenhum milímetro fique por tratar.

À volta da azáfama, vemos o verdadeiro “outro lado” do Portugal Fashion. Os modelos, a descansar entre desfiles da pressão do grande momento, vagueiam pelo local, tentando combater o sono com bebidas energéticas que são constantemente repostas. Uns chegam mesmo a dormir, outros conversam, outros lêem livros nas mais diversas línguas — porque, além de diferentes visuais, são também várias as nacionalidades dos jovens ao serviço na Semana da Moda do Porto.

Uma Maria-rapaz

Entre as dezenas de modelos em preparação, encontramos no centro da sala uma das que mais tem dado que falar. Acabada de dar uma entrevista para um canal de televisão, Maria Miguel levanta olhares e suposições (“será mesmo ela?”), não fosse uma das mais aclamadas jovens manequins dos últimos anos. 

Maria Miguel é uma das novas promessas da moda portuguesa. Foto: Sofia Matos Silva

Com apenas 19 anos, tem um portefólio invejável: aos 16, tornou-se a primeira modelo portuguesa a desfilar para a Yves Saint Laurent, abrindo o desfile primavera/verão de 2018 em Paris. Quatro passagens pela passerelle depois, a ascensão começou, com a assinatura de um contrato de exclusividade e até uma campanha fotografada em Nova Iorque, com um novo ponto alto nos seus trabalhos com a Chanel e, este ano, com a receção do Globo de Ouro de Melhor Modelo Feminino.

Há quem diga que é a “nova Sara Sampaio”, mas, na realidade, é apenas Maria Miguel. Ao JPN, diz que todo este mundo lhe caiu nas mãos muito por acaso. Desde nova, queria ser futebolista mas, em 2016, fez um casting para uma agência de modelos. “Assinei com a Next [outra agência] em maio de 2017, fiz o casting para a Saint Laurent e fiquei exclusiva. A partir daí, começou tudo”.

A mudança foi repentina: “estava habituada a estar sempre em casa, com os meus pais, os meus amigos e de repente tive de ir viver para fora”, conta. Isto porque, com tantas solicitações no mundo da moda, viu-se obrigada a ir viver para Paris, prosseguindo os estudos à distância, “mas foi por boas razões”. A fama foi repentina, mas, por agora, considera que é este o seu destino, embora viva “um dia de cada vez”. Esta é “uma oportunidade que não se tem sempre, por isso, há que aproveitar”. 

Quando regressa a Portugal, vem direta para o Porto – desta vez, para o Portugal Fashion, onde desfilou na sessão de Miguel Vieira, no dia anterior. Mesmo quando a preparação para um evento deste género, algo que faz constantemente, possa ser exigente, não considera que seja um processo exaustivo. O facto de “toda a gente ser muito simpática ajuda muito e torna tudo melhor; estar com pessoas que realmente gostamos torna mais fácil”, sublinha a modelo. Por norma, está entre duas a três horas a ser preparada, incluindo maquilhagem e cabelos, embora dependa do que é necessário ataviar

Aqui, sente-se em casa. Vir ao Portugal Fashion, no Porto, é voltar “a um sentimento de casa”, a um “ambiente familiar”. Entre a casa e o mundo ainda por descobrir, não faz planos para o futuro. Embora, a avaliar pelo percurso atual, pareça ser bastante promissor.

O grande momento

Enquanto a conversa decorre, a azáfama começa a aumentar. Está prestes a começar um novo desfile e os modelos começam a alinhar-se no corredor, vindos da sala de preparação. Alinham-se e seguem até uma outra zona, ainda interdita ao público, que se abre para a pista na qual irão desfilar momentos depois.

Aqui, ainda nada está terminado. Fazem-se retoques de maquilhagem, arranjos de cabelos e há laca a sobrevoar as cabeças de todos os que esperam para a sessão. Este é, no fundo, o momento antes da verdade, para despejar todos os nervos, distraídos pelas câmaras que captam retratos cândidos dos presentes que, assim que as veem, preparam a melhor pose, de cara sempre séria, para completar toda a atmosfera inerente a um desfile de moda.

Nos momentos antes de cada desfile, ainda nada está terminado. Foto: Sofia Matos Silva

Os modelos são alinhados, entre chamadas e alguns berros para que todos consigam ouvir. Dali a nada, as luzes baixam, a música começa e a modelo à frente, decidida, abandona toda a ansiedade e parte para a passerelle, em caminhada coordenada, de expressão determinada, sem nunca, nem por um segundo, tirar o olhar das câmaras. 

Depois de uma segunda passagem pela pista, a última, regressam todos à mesma zona onde esperaram para entrar, aliviados com o fim de mais um momento de pressão. O rumo é, de novo, a sala de bastidores. Segundos depois, há que limpar a maquilhagem, colocar uma nova, fazer um outro penteado e mudar de coordenado porque há um novo desfile para preparar; para outros, trocar de roupa e descansar até algumas horas depois, em que repetirão a dose. 

De qualquer forma, a sala nunca para. E, no seu interior, também nenhum dos modelos consegue parar. O espetáculo, esse, tem de continuar.