Com a constante evolução que o futebol tem vindo a registar e com a intensa competitividade entre as equipas, torna-se fundamental, sobretudo no contexto das estruturas profissionais, uma preparação mais eficaz para as competições em que estão envolvidas.

scoutingna expressão inglesaafigura-se decisivo neste contexto, pelo que se tornou, há alguns anos já, uma das ferramentas mais importantes no universo futebolístico. Nos dias de hoje, qualquer clube com aspirações de se afirmar na alta roda do futebol sente a necessidade de uma boa articulação entre o departamento de scouting e as restantes estruturas do clube, ideia evidenciada pela forte representação de clubes de dimensões tão distintas quanto o UD Oliveirense ou o Liverpool FC, no World Scouting Congress, que decorreu há uma semana no Porto.

WSC juntou dezenas de participantes no Porto.

WSC juntou dezenas de participantes no Porto. Foto: Alexandre Matos

Importa, assim, ter em mente do que é que estamos a falar, concetualmente. O scouting pode ser subdividido em três vertentes: a prospeção de jogadores, a observação dos adversários e ainda a observação da formação da “casa”. Assim sendo, podemos dividi-lo em dois departamentos: o scouting de jogadores, que tenta providenciar, aos clubes, novos talentos por lapidar, que se possam afirmar como mais-valias e bons ativos; e o scouting tático, levado a cabo por uma equipa especializada que procede à elaboração de uma rigorosa análise de futuros adversários, recolhendo toda a informação e todos os comportamentos dessa equipa para, futuramente, fazer um relatório detalhado para ser entregue à equipa técnica.

Esta informação fornecida pelos analistas reveste-se de uma importância fulcral, pois ajudará a prever o rendimento dos oponentes e adequar as metodologias de treino.

A análise à própria equipa é, igualmente, um conceito-chave para um melhor entendimento do jogo e de tudo o que se desenrola dentro das quatro linhas. Todo este trabalho por detrás da equipa técnica permite que esta identifique de forma mais clara os pontos fortes e fracos da equipa que orienta, desenvolvendo o que de bem se pôs em prática, enquanto se corrigem os aspetos menos positivos.

Esta ideia foi abordada por Daniel Barreira, scout do FC Barcelona, durante uma conferência do WSC, onde este referiu que há um conjunto de etapas levadas a cabo pelos analistas durante o exercício da sua função, passando, essencialmente, por um processo de desempenho, observação, registo, análise, interpretação e transmissão da informação.

O que procura o scout

Focando no processo de recrutamento propriamente dito, este encontra as suas raízes em Inglaterra, diz-nos Sandro Orlandelli, um dos oradores do WSC. O chief scout do Manchester United para a América do Sul, em conversa com o JPN no WSC, afirmou que o facto da modalidade ter sido criada no país britânico, impulsionou o surgimento dos departamentos de scouting no país, que se destacam por sempre terem estado à frente da concorrência no que diz respeito à identificação do perfil de um jogador.

Sandro Orlandelli Foto: Alexandre Matos

Atendendo ao desenvolvimento que o futebol tem sofrido, tornando-se, crescentemente, num negócio bastante rentável, e ao facto de o número de praticantes ter aumentado de forma exponencial, o papel dos scouts sai reforçado, no que concerne à identificação de talentos.

É necessária a realização de processos de filtragem na escolha do jogador mais indicado para certo clube pois, enquanto que, para o comum adepto um jogador talentoso se distingue por ser dotado tecnicamente, os clubes analisam este prisma com outra profundidade.

Há ainda outro aspeto a ter em conta. Daniel Barreira, que além de scout do Barcelona é também professor da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), diz-nos que um jogador com fraca formação dificilmente se vai evidenciar. O orador que abriu o WSC no dia 12 de novembro afirma ainda que para os scouts “não se trata de descobrir jogadores”, mas sim de identificar o jogador certo para o contexto pretendido.

Sem descurar as qualidades técnicas do atleta, os observadores têm de conjugar esse fator com as características de jogo dos treinadores a quem reportam. Consideram, por isso, de grande importância o estreitamento das relações entre a equipa técnica e a de scouting, como forma de promover uma harmonia nas tomadas de decisão. Este pensamento foi largamente defendido no congresso, que decorreu entre os dias 12 e 13 de novembro.

Desafios do scouting

Foi referido por vários oradores como sendo o principal desafio do scouting nos dias de hoje. José Gomes, que entretanto foi contratado para ser o novo treinador do CS Marítimo, realça este como um grande problema neste momento em Inglaterra.

O treinador português, depois da sua experiência como treinador do Reading FC, declarou que, com o aumento de investidores estrangeiros nos clubes britânicos, a opinião dos treinadores e scouts têm por vezes muito pouca influência. Deu o exemplo de uma vez que pediu ao dono do clube um central rápido, com boa saída de bola. Ao contrário, foi contratado um jogador que era lento e fraco com a bola nos pés.

José Gomes Foto: Alexandre Matos

Em conversa com o JPN, José Gomes comparou a experiência que teve em Inglaterra com a de Portugal, no Rio Ave. Afirmou que “ambas [equipas de scouting] trabalham muitíssimo bem”, mas que a relação entre o trabalho dos departamentos era melhor no Rio Ave. José Gomes é da opinião que por vezes a diferença não vem da qualidade dos relatórios ou de quem os faz, mas sim da capacidade de comunicação entre o treinador e quem toma as decisões finais.

Sandro Orlandelli não concorda inteiramente. Apesar de referir que a comuniação é importante, na opinião do scout, o maior desafio dos departamentos de recrutamento continua a ser “descobrir os jogadores antes do rival”. Afirma ainda que o scouting na Inglaterra tem sofrido uma evolução nos últimos anos, mesmo com a ascensão de proprietários oriundos de outros países.

No que diz respeito a Portugal, o consenso entre os especialistas é que o aproveitamento do scouting tem vindo a melhorar. André Vilas Boas, diretor desportivo do Rio Ave, afirma que o scouting é fundamental hoje porque permite aos clubes decidir exatamente que tipo de jogador querem. Refere que antigamente “vivia-se muito daquilo que os empresários traziam, muitas vezes sem nenhuma filtragem”, mas que neste momento já não é assim.

José Leite, do departamento de comunicação e marketing do UD Oliveirense, refere que “desde que [o scouting] evoluiu mudou-se muito a perspetiva com que se vê futebol”. No caso específico do seu clube, diz que não podem ter um departamento como um clube grande, mas que podem aproveitar o scouting como forma de servir esses clubes de maior dimensões, que têm, de facto, recursos financeiros para investir, ao contrário dos clubes de menor dimensão, que “se encontram na ponta do iceberg do investimento”.

Quanto a Vitor Matos, questionado sobre o modus operandi do departamento de scouting no Liverpool, argumenta que conjugam a análise estatística, considerada imprescindível, com a experiência empírica, de ir ao terreno e observar determinado atleta. Destaca que quanto mais informação um clube tiver, melhor se posicionará: a questão é saber o que fazer com esses dados. Destaca que será sempre positiva se a souberem “interpretar e utilizar naquilo que é a sua ideia para o jogador, para o treino ou até mesmo para o scout em si. “

Vitor Matos considera ainda que a profissionalização desta área, nos últimos anos, nas suas três vertentes, tem contribuído de forma significativa para o desenvolvimento da modalidade.

O JPN falou ainda com uma cara bem conhecida do futebol português, Luís Campos. O diretor desportivo do Lille, que já passou por Real Madrid e Mónaco, considera que a relação que se estabelece com o departamento de prospeção de jogadores varia de clube para clube. Na sua opinião, no clube madrileno essa relação não é tão aprofundada quando comparada com o contexto que encontrou em território gaulês. A razão? “O número significativo de jogadores que partem e de jogadores que chegam anualmente” tanto no clube monegasco como no clube do Norte de França.

Em suma, o trabalho dos scouts, embora invisível, é de extrema importância, e afigura-se como um complemento estratégico determinante para a vitalidade e sustentabilidade de qualquer clube, ainda para mais no contexto do futebol moderno, visto como um negócio, gerador de milhões.

Artigo editado por Filipa Silva