Entre 1994 e 1999, Helder Bastos, que à época era jornalista do “Jornal de Notícias” (JN), escreveu dezenas de crónicas para a rubrica “Comunicarte”. Neste espaço, a ideia era explorar temas relacionados com a comunicação, os média, o jornalismo e a internet, que em Portugal dava os primeiros passos, um projeto ambicioso e um pouco “louco” até, na expressão do autor.

O que um dia esteve no jornal, agora passa a livro, publicado pela editora “Afrontamento”, uma chancela extremamente “adequada”, como observou Júlio Roldão, ex-jornalista do JN, presente na apresentação, uma vez que reflete a temática das crónicas. O livro “Crónicas de fim de século” foi apresentado esta quarta-feira no Auditório do JN.

Apesar de se tratarem de crónicas do século passado, o livro é na opinião do autor “estranhamente” atual. Os temas que aborda têm muito a dizer sobre o que atualmente se passa na profissão de jornalista, os dilemas e dificuldades associados ao surgimento das novas tecnologias nas redações. “Foi escrito nas vésperas da internet, pude testemunhar a chegada de uma revolução e apanhar a génese da sociedade moderna”, afirmou Helder Bastos durante a apresentação.

A venda de dados pessoais como mercadoria, a vigilância dos cidadãos no ciberespaço, a perda de privacidade, os sinais de regressão da comunicação inter-pessoal, o aumento do isolamento social são exemplos de temas já abordados nos textos publicados na década de 90.

Para o também professor de Jornalismo na Universidade do Porto, estas crónicas eram afrontosas e provocavam “urticária” a alguns jornais: “Falar de jornalismo em público, num jornal, era estranho”. O surgimento da coluna “Comunicarte” foi totalmente inesperado, segundo o autor. O ex-jornalista teve a ideia em 1994 quando a mostrou ao antigo diretor do JN, Frederico Martins Mendes, falecido em 2015 e a quem o livro é dedicado. “Sem ele não teria existido. Ele decidiu acolher a ideia, foi louco ao ponto de a aceitar”.

O surgimento do livro, contudo, deve-se em grande medida a Fernanda Santos, casada com o autor, que tudo terá feito para que estas crónicas vissem a luz do dia novamente: “Foi ela que moveu o céu e a terra para criar o livro do ‘Comunicarte’”, confidenciou Júlio Roldão.

O antigo companheiro de redação de Helder Bastos elogia a obra pelo caráter auto-reflexivo sobre a profissão: “Nós, jornalistas, não dedicamos muito tempo de trabalho pensando sobre o trabalho”, sublinhou.

Num momento mais emocional da sessão, Helder Bastos e Júlio Roldão, no regresso a um edifício onde trabalharam muitos anos, abordaram a venda do prédio histórico onde está instalada a sede do JN: “Saber que esse prédio onde trabalhei vai ser transformado num hotel… dói um bocadinho”, disse Helder Bastos, com Domingos Andrade, atual diretor executivo do JN, ao lado.

O edifício foi vendido no início de 2019 ao grupo macaense Authentic Empathy que anunciou entretanto que ele vai ser transformado num hotel de luxo, cujo nome – Hotel Journal – será em honra ao segundo diário mais vendido em Portugal.

À margem da apresentação, o diretor da Licenciatura em Ciências da Comunicação [de que o JPN faz parte], sublinhou a novidade das crónicas quando foram lançadas: “Eram temas que quase não eram debatidos em público, nem tão pouco em revistas especializadas. O jornalismo em Portugal sempre foi um assunto pouco debatido na praça pública, ficavam pelos cochichos do café, nos desabafos”. Contudo, para o autor “o jornalismo é uma profissão demasiado importante para não ser discutida. Foi à volta disso que motivou a escrever esses textos.”

O autor deixou ainda o convite, em jeito de desafio: “Se conseguirem ter a coragem de pegar ainda num livro de papel e ficar 10-15 minutos sem ser interrompido por mensagens e notificações, é um ótimo livro.”

“Crónicas de fim de século” reúne 261 textos e vai estar à venda nos locais habituais.

Artigo editado por Filipa Silva